Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
teólogo protestante
‘Na língua portuguesa há duas expressões que são
comumente faladas e muitas vezes confundidas. São elas : ‘ir ao encontro’ e ‘ir
de encontro’. Ambas, sem dúvida, são muito parecidas, contudo possuem sentidos
totalmente opostos. Quando usamos ‘ir ao encontro’ pressupomos que há certa
concordância entre as partes envolvidas, sendo uma favorável à outra. Quando,
todavia, usamos a expressão ‘ir de encontro’ pressupomos a ideia oposta, ou
seja, há uma discordância entre as partes envolvidas, sendo uma contrária à
outra. Dessa forma, ‘ir de encontro a algo ou alguém’ quer dizer ser contra
esse algo ou alguém.
Por
que é importante para uma pessoa cristã saber essa diferença? Bom, primeiramente,
porque falar e escrever corretamente ajudam muito na hora de transmitir
determinada ideia de forma clara e assertiva. Segundo, porque nos ajuda a
compreender algumas características presentes em diversas pregações que ouvimos
hoje em dia.
A mensagem
cristã, ao longo de sua história, durante um período considerável, deu mais
ênfase ao Deus que vai de encontro à humanidade do que ao Deus que vai ao
encontro da humanidade. Ou seja, durante muito tempo, e ainda hoje, tem-se
pregado um Deus que é contra o ser humano, que o considera como não digno,
pecador, sujo, afastado de Sua graça e que precisa desesperadamente de alguém
que o salve da condenação do inferno. Esse tipo de pregação enfatiza um Deus
que está distante, inacessível em sua glória, precisando ser adorado e exaltado
para que sua ira não recaia sobre o ser humano e sobre a criação.
Esse
tipo de pregação enfatiza um Deus tirano, que age arbitrariamente simplesmente
para satisfazer seus caprichos. Se para mostrar que o ser humano está errado
for preciso destruir uma cidade inteira enviando um tornado, não tem problema
algum para esse Deus, afinal, quem mandou determinado povo não obedecer à
vontade divina? Esse é somente um dentre tantos outros exemplos que podemos
tirar tanto do texto bíblico como das pregações atuais. Deus e a humanidade,
dessa forma, são colocados em polos contrários, estando constantemente um
contra o outro.
No
entanto, a partir dos Evangelhos é possível perceber uma outra ideia de Deus.
Um Deus que vai ao encontro da humanidade, que vê nela algo de bom, que tem
alegria em sua companhia e reconhece que ela não é, por natureza, má, mas
carrega em si algo do próprio Deus que lhe criou. Esse Deus narrado nos
Evangelhos, sendo amor, está sempre indo ao encontro de sua criação,
dispondo-se a caminhar com ela e promovê-la para que se torne cada vez mais
aquilo que foi chamada a ser. Esse Deus que vai ao encontro da humanidade, na
perspectiva cristã, revela-se em Jesus, em sua entrega e ressurreição em favor
de seus irmãos e irmãs.
Pregar
um Deus que vai de encontro à humanidade gera uma casta superior, daqueles e
daquelas que se consideram santos e irrepreensíveis, que se consideram estando
mais perto de Deus e, por isso mesmo, podem se colocar como pedágio para os que
querem se aproximar Dele. Com isso, sentem-se autorizados a justificarem
perseguições, desigualdades sociais, opressões, estelionatos e tantos outros
crimes, feitos em nome desse deus, contra as pessoas mais pobres e
desfavorecidas.
Na
linha oposta, pregar um Deus que vai ao encontro da humanidade é perceber que o
mundo da forma como está não é o desejado por Deus e, por isso mesmo, lutar
contra as diversas injustiças que nele se manifestam é tarefa cristã. Anunciar
a libertação dos pobres, cativos e oprimidos com voz profética se mostra como o
caminho necessário para anunciar que o amor de Deus para com a humanidade não é
algo passivo, mas como todo amor, ativo, que visa a liberdade de todas as
pessoas que alcança.
Pregar
um Deus que vai ao encontro da humanidade é a única pregação cristã possível,
fazendo coro ao que Hans Urs von Balthazar afirma : ‘só o amor é digno de fé’.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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