Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
enviado a Kiev (Ucrânia)
‘‘Parar as ações militares, deixar de nos matar, este
será o primeiro passo para uma paz autêntica e duradoura. A paz é algo mais
profundo do que a ausência de guerra. Não se trata apenas de vencer a guerra,
mas de vencer o próprio espírito da guerra, vencê-la nas suas causas’.
Enquanto pronuncia mais um premente apelo sincero pela
Ucrânia e seu povo, na estante atrás do arcebispo-mor de Kiev-Halyč, Sviatoslav
Shevchuk, há um capacete e um colete à prova de balas. ‘Sinta o quanto eles
pesam... no início costumávamos usá-los todos os dias. Alguém brincava : são as
novas vestes litúrgicas!’, conta o chefe da Igreja Greco-Católica ucraniana aos
jornalistas em missão nas Embaixadas junto à Santa Sé da Polônia e Ucrânia, que
recebe no arcebispado com biscoitos e café.
A alegria do natal
Muita coisa mudou desde aqueles primeiros dias
terríveis no final de fevereiro da agressão russa na Ucrânia em que, diz
Shevchuk apontando para uma janela : ‘dali se via descer uma chuva de fogo’.
Ele próprio havia se refugiado com centenas de pessoas na cripta da Catedral da
Ressurreição. Hoje ele fala mais relaxado. O seu pensamento dirige-se sobretudo
para a chegada do Natal : ‘Temos o costume de entoar cânticos natalícios aos
nossos próximos, especialmente aos mais necessitados, para partilhar alegria e
as felicitações. Todos agora perguntam : haverá alegria de Natal, será
permitido cantar ou devemos estar calados e chorar? Eu disse sim e sim, vai ter
Natal. Temos o direito de celebrar a alegria natalina que não vem da diversão
profana, mas do Céu porque vai nascer o Príncipe da Paz’.
Festa
no front e em abrigos
Essas festividades chegarão até o front. De fato,
haverá alguém que cantará para os soldados engajados nas linhas de combate,
anuncia Shevchuk. ‘Na época soviética – recorda – as canções natalinas eram uma
forma de protesto contra o regime comunista ateu. As pessoas cantavam para
superar ansiedades e tristezas. Os cantos são uma expressão da fé cristã, são
uma catequese que canta o nascimento de Jesus, por isso muitos se preparam para
ir cantar com os nossos soldados na fronteira. Sei que vários estudantes estão
se organizando’. A mesma festa será realizada em todos os abrigos antiaéreos e
em todos os abrigos : ‘Celebraremos o Natal no frio e no escuro. Isso nos fará
experimentar na pele a história da Sagrada Família, também no frio e no escuro,
mas com uma alegria celestial’.
Não
se acostumar com isso
É, portanto, uma mensagem de esperança que o líder
greco-católico quer difundir em meio aos ataques na Ucrânia e à libertação de
muitas cidades. ‘Sim, mas você tem que ter cuidado. Quando você ouve o alarme
de ataque aéreo, não se dá mais muita atenção. Isso demonstra que o perigo não
diminui, mas as pessoas se acostumam psicologicamente. É um risco, porque agora
temos o fenômeno dos mísseis. Eles podem cair em qualquer lugar, tanto em Kiev
como em Lviv. Não há lugar seguro na Ucrânia.’
A
emergência do frio
Diante da eventualidade, porém, é mais urgente lidar
com as emergências. E a primeira no momento para a Ucrânia devastada pela
guerra é o frio e a incapacidade de se aquecer devido a picos de corrente e
racionamento de eletricidade. ‘O frio é a causa da quinta onda de deslocados
internos’, explica Shevchuk. ‘Desde o início da guerra, primeiro os oligarcas
pegavam o dinheiro e fugiam, depois aqueles que, com seus próprios meios,
encontravam hotéis e outros lugares e ainda as pessoas sem nada que fugiam de
mãos vazias. Penso na família da cidade de Boryspil', que caminhou descalça à
noite 23 km, junto com seus filhos. Por fim, houve uma quarta leva de
refugiados que não foi muito longe, mas procurou o primeiro povoado e esperou o
momento de voltar para casa. Agora a nova onda, a quinta : os refugiados
termais que fogem não da guerra, mas do frio e lotam o centro-leste da Ucrânia’.
Uma
cozinha no subsolo da casa do arcebispo
‘Não estávamos preparados para o fenômeno da falta de
eletricidade e da necessidade de alimentar tanta gente’, diz Shevchuk. ‘De
imediato, tomamos medidas para construir cozinhas para oferecer refeições
quentes.’ Uma cozinha será construída logo abaixo de sua casa : ‘Em poucos dias
ficará pronta, temos que organizar a logística de distribuição dos alimentos.
Como Igreja não podemos pensar em alimentar a todos, mas tentamos receber todos
que podemos. É o nosso cuidado pastoral’. Uma pastoral de proximidade.
Mensagens
diárias de vídeo
É precisamente essa proximidade que levou Shevchuk,
todos os dias desde 24 de fevereiro, a produzir uma mensagem em vídeo divulgada
na web. Uma iniciativa exigente, cuja origem o responsável da Igreja
Greco-Católica assim explica : ‘No primeiro dia todos estavam desorientados,
viam-se helicópteros russos e fogos do céu, o mundo inteiro começou a chamar-me
: estão vivos? Onde estão? O que fazem? Não sabia o que dizer : não sei se
estarei vivo daqui a duas horas, pensava. Então eu disse para o secretário :
vamos produzir uma mensagem para confirmar que estamos vivos. Percebi que com
essas mensagens eu poderia ajudar as pessoas a racionalizar o medo e falar
sobre a esperança que vem da fé. Depois de 2-3 semanas, eu me perguntei : vale
a pena? Então, um dia, fui à atormentada cidade de Zhytomyr e em uma paróquia
uma idosa se aproximou de mim para dizer : 'Vivemos em constante terror, temos
medo, é bom que fales conosco'. 'Mas, senhora, eu não sei mais o que dizer a
vocês!'. 'Não importa o que dizes, importa que fales conosco'. Então compreendi
que mesmo que não soubesse mais o que dizer, é importante que as pessoas ouçam
a voz da própria Igreja que as acompanha’.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-12/ucrania-natal-guerra-sviatoslav-schevchuk.html
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