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quinta-feira, 4 de setembro de 2025

A Paz não é ausência de guerra!

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Luiz Antônio de Araújo Guimaraes 

  

‘Certamente, muitos acham que a paz é a ausência de guerra, e não o é. Ora, as pessoas e o mundo vivem em constantes guerras, e todos os dias são desafiados a viver a paz — a paz que vem do mais íntimo do coração, a paz que não é ausência de turbulências ou provações, mas uma paz interior.

No Evangelho, Jesus diz claramente : ‘Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize!’ (Jo 14,27). Ele diz isso no contexto que antecipa a sua partida. Se a paz fosse conforme o mundo quer e compreende, Jesus não se deixaria ser conduzido ao calvário e à morte, teria cessando-as; porém, Ele quis passar por todo aquele tormento para dizer que, mesmo posto ao extremo do escárnio e da dor, ali não seria o fim, mas apenas uma passagem para uma realidade onde haveria a eterna paz, ou seja, o Céu. Por isso, a promessa para os seus discípulos é a de que não se atemorizem, não fiquem com medo do que irão contemplar : a dor e a morte de seu Mestre.

Dito isso, o primeiro passo para superar uma guerra é enfrentá-la com o desejo de paz. Jesus teria toda a força necessária para fugir de sua cruz, porém enfrentou-a. A guerra, por sua vez, não pode ser entendida como sendo apenas bélica, mas, sobretudo, como a guerra interior. Apesar dos sofrimentos exteriores que O alcançariam, Jesus estava em paz consigo mesmo e em plena comunhão com o Pai, o que fez Dele a pessoa mais inspiradora para se enfrentar uma guerra.

Se as coisas exteriores atormentam o tempo todo, cabe a você saber de que lado quer ficar : do lado da paz consigo mesmo ou do lado da guerra que lhe sobrevém das realidades externas. Se você estiver em paz consigo mesmo, venha o que vier e aconteça o que acontecer, nada e ninguém o tirarão do prumo, ou seja, do equilíbrio. Então, ter paz consigo e não ter medo de enfrentar as guerras que hão de vir é passo seguro rumo à paz duradoura.

Você não tem o domínio de que as ‘guerras’ não aconteçam; porém, tem o domínio de não permitir que elas o dominem. Os jovens são aqueles que mais são desafiados a administrar suas emoções, até porque ainda não possuem maturidade suficiente para enfrentar suas guerras. Por isso, a Igreja os orienta tanto por meio da Sagrada Escritura quanto por meio do Catecismo : ‘Não vos deixeis levar pela ira para o pecado! Não se ponha o sol sobre a vossa ira!’ (Ef 4,26). Por sua vez, o Catecismo afirma que ‘a ira é, primeiramente, uma emoção natural, como reação a uma injustiça sentida. Quando da ira, porém, surge o ódio e se deseja mal ao próximo, aquele sentimento normal torna-se uma grave falta contra o amor. Qualquer ira descontrolada, sobretudo o pensamento vingativo, está orientada contra a paz e destrói a ‘tranquilidade da ordem’’ (Catecismo Jovem da Igreja Católica, 396). Daí a necessidade de não se deixar levar pela ira, para não gerar ódio e, por consequência, não alimentar a guerra.

É válido o princípio do Evangelho : ‘Eu, porém, vos digo : amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem!’ (Mt 5,44). A oração é um caminho seguro para a paz. Se alguém quer guerra contigo, que tal rezar por essa pessoa? Esta oração não será em vão : surtirá um efeito muito grande não somente em sua vida, mas também na vida do outro. Há um princípio que diz : ‘A briga só acontece quando os dois querem!’ De fato, se você não quer guerra, mesmo que o outro queira, ele não terá forças para retirar a sua paz. A paz é uma decisão e deve começar em você.

O líder pacífico Mahatma Gandhi já dizia : ‘Não há caminho para a paz. A paz é o caminho!’ Assim sendo, que tal você entrar e seguir esse caminho? Contudo, não lhe faltarão provações, mas, se a sua decisão for a paz, a paz o acompanhará para sempre. A escolha é sua! Paz gera paz, guerra gera guerra!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/a-paz-nao-e-ausencia-de-guerra.html

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

África: as consequências das guerras na escolarização das novas gerações

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo da Vatican News

 

‘A questão da fixação dos exames de fim de ano letivo de 2024 para os estudantes sudaneses e refugiados no Egito, tema do encontro entre os ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países, mostra como a guerra no Sudão afeta a vida estudantil dos jovens. Segundo fontes governamentais, há cerca de 1,2 milhões de refugiados sudaneses no Egito, incluindo crianças em idade escolar que não podem integrar-se no ensino porque não são registadas logo que chegam ao Egito. O problema da escolarização por causa da guerra é semelhante em todo o continente, especialmente na África subsariana.

Vastas zonas do continente africano estão hoje dilaceradas por conflitos, pela violência praticada por grupos armados, pela luta pelo controlo dos recursos : África Ocidental e Sahel, Nigéria, República Democrática do Congo, Etiópia... Por todo o lado, a escola e a educação são as primeiras vítimas dos confrontos armados, porque a continuação das atividades educativas normais é vista como um obstáculo à ação das milícias. As Nações Unidas estimam este ano que quase 40% dos ataques a escolas em todo o mundo ocorrem em África, onde foram registados mais de dois mil e quinhentos nos últimos anos.

No Sahel, há atualmente cerca de 14 000 escolas que foram fechadas, com cerca de 2,8 milhões de crianças que não podem ir à escola. Na República Democrática do Congo, o problema é generalizado nas regiões orientais, onde operam tanto grupos armados extremistas como grupos apoiados por países vizinhos. Só no início deste ano, cerca de quinhentas escolas foram encerradas no Kivu do Norte, um número que não deverá melhorar até 2025, dada a persistência da violência. No total, de acordo com estimativas publicadas pela Unesco em setembro último, 30% de todos os menores do mundo que não vão à escola concentram-se apenas na África subsariana.

O problema agrava-se quando se tem em conta que a população do continente é a mais jovem do mundo. Um elevado número de crianças que não frequentam a escola devido a conflitos acrescenta incerteza e novos problemas relativamente às perspetivas de futuro. Curar a escolaridade pode garantir um desenvolvimento económico o mais alargado possível, mas hoje em dia há demasiadas crianças e jovens refugiados devido às guerras ou que ainda vivem nos bairros de lata das grandes cidades (segundo dados da Unicef atualizados para 2020, existem mais de 1,8 mil milhões no mundo, concentrados sobretudo em África e na Ásia) e correm o risco de ficar à margem da sociedade para o resto das suas vidas.

No caso das crianças que não vão à escola devido aos conflitos, o fenómeno assume também caraterísticas de gênero, porque as raparigas são frequentemente as primeiras a deixar de ir à escola e as últimas a retomar os estudos após o fim dos conflitos.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/africa/news/2025-01/africa-as-consequencias-das-guerras-na-escolarizacao-das-novas.html

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Ucrânia: preparar-se ao sacerdócio na escola da guerra

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo de Svitlana Dukhovych 

 

‘Estamos tentando fazer com que os nossos seminaristas entendam que enquanto esta guerra continuar, ou mesmo quando terminar, eles terão que exercer a sua missão pastoral entre as pessoas feridas pela guerra’. Padre Ihor Boyko, reitor do seminário greco-católico de Lviv, em entrevista aos meios de comunicação do Vaticano, fala sobre as atividades que os seminaristas já estão realizando para apoiar aqueles que sofreram traumas e lutos, preparando-se assim para o futuro ministério sacerdotal.

‘Como posso voltar à vida normal’ 

‘Infelizmente a guerra continua - diz Pe. Boyko com amargura - mas embora seja uma situação realmente difícil, também vemos muitas iniciativas positivas. No início, a Igreja concentrou-se muito no apoio às pessoas deslocadas. Com o tempo vimos que deste ponto de vista a situação foi melhorando e muitas pessoas conseguiram regressar às suas casas. Hoje, porém, temos muitas situações de pessoas feridas quer no corpo – há muitos feridos entre os militares, mas também entre civis – e na alma. A Igreja procura ajudar a todos. Por exemplo, os seminaristas dos últimos anos do nosso seminário vão aos hospitais para visitar os militares, para falar com eles ou simplesmente para estar perto deles. Porque os médicos podem prestar cuidados médicos - hoje, com o desenvolvimento da medicina, podemos ter próteses modernas - mas muitos jovens, homens e mulheres, que sofreram ferimentos graves ou mutilações, trazem muitos questionamentos em seus corações : ‘Como posso continuar a viver? Qual é o significado de tudo isso que aconteceu comigo? Como posso voltar à vida normal, à minha família?’.

Pe. Ihor observa que em situações assim difíceis, o desespero pode levar ao abuso de álcool ou a algum outro comportamento autodestrutivo, ou até mesmo a pensamentos suicidas. Por isso a presença da Igreja, do clero e dos seminaristas é extremamente necessária neste período.

O tempo de estar próximos 

O reitor do seminário greco-católico de Lviv também fala de outra iniciativa que envolve seminaristas. Às vezes, durante a semana, vão ao cemitério militar de Lviv, onde sempre há algum familiar dos soldados que morreram na guerra. ‘Por exemplo - relata padre Bayko - ali encontrei recentemente uma mãe que junto com seus quatro filhos estava ao lado do túmulo de seu marido. Quando começamos a conversar, ela me disse : ‘Eu também tenho uma quinta filha, ela já é adulta e tem família própria’. Em momentos como esse, te dás conta que a tua presença como sacerdote, e também como homem, ao lado desta mãe e de seus filhos é muito importante. Porque as crianças ficam felizes em compartilhar tudo o que, talvez, gostariam de contar ao papai : os seus sucessos na escola, os primeiros passos na universidade, os seus sonhos, as suas esperanças. E então esse tempo que passamos juntos, estar próximos, ouvindo, acredito que seja muito necessário hoje.’

O sacerdote acrescenta que cada história que ouvem sobre os sepultados naquele cemitério fica gravada nas suas mentes e nos seus corações. ‘Porque ali - explica - estão sepultados muitos jovens que eram personalidades brilhantes. Muitos deles não eram militares antes da guerra. Alguns trabalhavam no exterior e quando começou a invasão russa deixaram tudo e regressaram à Ucrânia para defender a sua terra dizendo : ‘Se eu não defender a minha família, os meus filhos, quem o fará?’. Nenhum deles queria morrer, mas queriam voltar para casa para continuar vivendo felizes em seu país. Aqui, hoje temos estes novos heróis que dão a vida pela verdade, pela dignidade, com grande amor e dedicação ao seu povo’.

Curar as feridas 

Muitas vezes sacerdotes, capelães e até mesmo bispos ucranianos afirmam nas entrevistas : ‘Ninguém nos ensinou em como realizar a pastoral durante a guerra’. Eles recebem esta formação pelas experiências difíceis e muitas vezes dolorosas que vivem, quer como pastores, quer como habitantes de um país em guerra.

‘Notamos – observa Don Boyko – que os jovens que agora estudam no seminário às vezes manifestam ansiedade, medo, alguns até mesmo ataques de pânico, porque muitos têm parentes, amigos, pais, irmãos ou irmãs que estão na guerra. Recentemente houve o funeral do pai de um dos nossos seminaristas, morto na guerra. Toda a comunidade do seminário está tentando apoiar ele e sua família durante este período de luto. Neste contexto, procuramos, em primeiro lugar, fazer compreender aos nossos seminaristas que, enquanto esta guerra continuar, ou mesmo quando terminar, eles deverão exercer a sua missão pastoral entre as pessoas feridas pela guerra. Porque as pessoas vão falar sobre isso em confissões e em conversas individuais. Muitas vezes encontrarão algum soldado que lutou no front e os seminaristas terão que saber como falar com ele, o que perguntar e o que não perguntar. Terão que celebrar os funerais e também aí terão que saber comportar-se em conformidade, sabendo que temas abordar e quando, por outro, permanecer em silêncio’.

Prontos para tudo 

A Igreja na Ucrânia tornou-se um verdadeiro ‘hospital de campanha’ que tenta curar as feridas das pessoas. Uma dessas feridas é sofrida pelos pequenos, as crianças órfãs que perderam um ou os dois pais na guerra. Padre Ihor diz que seus seminaristas também estão empenhados neste campo, visitando orfanatos e organizando acampamentos de verão para crianças e adolescentes que ficaram sem mãe e pai.

Os seminaristas greco-católicos, afirma o reitor, organizam frequentemente encontros com os militares para lhes ensinar catequese, rezar juntos ou simplesmente para conversar. ‘O que mais motiva os seminaristas – sublinha Pe. Boyko – é o exemplo dos outros. Quando veem o exemplo dos sacerdotes que vão para áreas próximas da frente para servir como capelães, muitas vezes vêm até nós e dizem que também gostariam de fazê-lo. No início pensamos que poderia ser perigoso, mas hoje lhes dizemos : ‘Vocês são adultos, podem fazer suas próprias escolhas’. E há muitos seminaristas que estão felizes em exercer tal ministério para dar apoio espiritual aos nossos militares, para estar perto deles, para apoiar também os nossos capelães militares’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2024-12/ucrania-preparacao-sacerdocio-guerra-ihor-boyko.html

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

A guerra esquecida do Sudão

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Bernardino Frutuoso,

jornalista


Neste número da Além-Mar damos um grande destaque ao drama que está a viver o Sudão, envolvido num conflito esquecido, devastador e pouco mediatizado.

A guerra civil começou no dia 15 de Abril de 2023 com confrontos em Cartum, a capital do Sudão, entre o Exército sudanês e as Forças de Ação Rápida (RSF). As duas forças lutam pelo controle do poder no país. O conflito já fez mais de 15 mil mortos e 8,6 milhões de deslocados e refugiados; 24,8 milhões de sudaneses enfrentam insegurança alimentar e, sem ajuda internacional, um milhão de pessoas poderão morrer de fome este ano.

Um ano depois do início do conflito, em Abril passado, as Nações Unidas organizaram a conferência internacional do Sudão em Paris, procurando chamar a atenção para uma das maiores catástrofes humanas no planeta. António Guterres, secretário-geral da ONU, lembrou que, por estar com a atenção centrada nas tensões no Médio Oriente, o mundo «se está a esquecer do povo do Sudão». O diplomata português sublinhou que esta «é uma guerra contra os muitos milhares de civis que foram mortos e dezenas de milhares de mutilados para o resto da vida. É uma guerra contra os direitos humanos e o direito humanitário internacional». Da conferência resultaram as promessas de ajuda no valor de dois mil milhões de euros, mas ainda falta muito para os obter. 

Na declaração final, os participantes na conferência – co-presidida pela Alemanha, França e União Europeia – instaram as partes em conflito a porem termo às violações dos direitos humanos e a permitirem o acesso da ajuda humanitária. Um apelo que não foi ouvido. Percebe-se que nenhum dos grupos armados está disponível para conversar, alcançar um cessar-fogo e traçar um caminho para a paz. Pelo contrário, em Maio, milícias do Darfur que se tinham mantido neutrais desde o princípio do conflito decidiram apoiar o Exército e os combates estenderam-se também a El-Fasher, a capital do Darfur do Norte, a única cidade desse Estado que tinha escapado aos horrores da guerra. 

Sabemos que o país é rico em recursos naturais, nomeadamente urânio e ouro, e as potências estrangeiras, interessadas em explorar esses recursos, financiam os grupos envolvidos na guerra. Numa entrevista ao jornal Público, a investigadora Daniela Nascimento, professora da Universidade de Coimbra, especialista no Sudão, sublinhava, precisamente, que o conflito «está a ser apoiado a partir de fora» : «Temos a Arábia Saudita envolvida, temos o Qatar, os Emirados Árabes Unidos. Temos, por outro lado, as Forças de Apoio Rápido a serem apoiadas no terreno pelo Grupo Wagner, tendo como contrapartida o acesso às minas de ouro do Sudão.»

Apesar desta situação dramática, os missionários continuam o seu labor evangelizador no país. Os Missionários Combonianos e outros religiosos foram obrigados a deixar as suas missões e obras. Em Cartum, como refere o padre Jorge Naranjo, destruíram grande parte da cidade e o Comboni College (Universidade dos Combonianos) deixou de funcionar nas suas instalações e mudou-se para Porto-Sudão, no mar Vermelho, com aulas que se fazem sobretudo em modalidade virtual.

Sem perder a esperança, e levantando a nossa prece a Deus, sonhamos com um futuro melhor para o povo do Sudão’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/opiniao/4/1234/a-guerra-esquecida-do-sudao/

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

O comércio da guerra e o paradoxo da segurança

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Alessandro Gisotti


‘‘Dê-me dois bombardeiros. Com o custo deles, curarei todos os doentes de lepra.’ Era 1955, quando Raoul Follereau fez esse apelo sincero e provocativo aos Estados Unidos e à União Soviética. Ele enfatizava a desproporção imoral dos gastos com armas em relação a uma batalha de civilização como a luta contra a hanseníase. Setenta anos se passaram, a Guerra Fria terminou há muito tempo, a lepra ainda faz vítimas em muitas áreas do planeta, mas - como o Papa Francisco denuncia incansavelmente - a corrida armamentista não só não parou, mas acelerou sua velocidade insana.

Os dados oficiais coletados no Relatório SIPRI, o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz, fundado em 1966, em Estocolmo, dão razão ao pontífice. Enquanto aguardamos os do ano corrente, que provavelmente não serão baixos devido à escalada da guerra no Oriente Médio, além do conflito na Ucrânia, os de 2022 já são alarmantes. Um ano em que os gastos militares mundiais atingiram a cifra recorde de 2.240 bilhões de dólares (EUA, China e Rússia foram os maiores investidores, enquanto pela primeira vez na Europa foi gasto mais em armamentos do que nos tempos da Cortina de Ferro). Para se ter uma ideia, esse valor é mil vezes maior do que o balanço total da Cruz Vermelha Internacional, com seus 20 mil funcionários em todo o mundo.

A organização humanitária sediada em Genebra anunciou nos últimos meses um corte de funcionários devido a uma queda nas doações. Um destino infelizmente comum a muitas ONGs e instituições de caridade nos últimos anos. Assim, enquanto os balanços para a produção e venda de armas estão aumentando exponencialmente, os fundos disponíveis para quem gostaria de se comprometer com o bem dos outros estão caindo. Uma combinação dramática que mostra como o comércio da guerra é feito às custas dos inocentes e também daqueles que gostariam de salvar esses inocentes. ‘A guerra’, recordou Francisco na Audiência Geral de 29 de novembro passado, ‘é sempre uma derrota, todos perdem. Nem todos perdem, pois há um grupo que ganha muito : os fabricantes de armas. Esses ganham muito, em cima da morte de outros’. Uma forte denúncia. E, no entanto, é preciso lembrar que, já em 1961, o presidente dos EUA, Dwight Eisenhower - certamente não um pacifista, tendo guiado como general os Aliados à vitória contra o nazismo na Europa - advertiu contra o ‘complexo militar-industrial’ e sua interferência indevida nas escolhas da política americana num sentido militarista.

‘O aumento contínuo dos gastos militares globais nos últimos anos’, observou Nan Tian, pesquisador do SIPRI, ‘é um sinal de que vivemos num mundo cada vez mais inseguro. Os Estados estão aumentando o poder militar em resposta a um ambiente de segurança em deterioração, que eles não esperam que melhore no futuro próximo’. Um trágico círculo vicioso denunciado muitas vezes pelo Papa. ‘Para dizer 'não' à guerra’, disse ele no dia de Natal, ‘é preciso dizer 'não' às armas. Porque se o homem, cujo coração é instável e ferido, encontra instrumentos de morte em suas mãos, mais cedo ou mais tarde ele os usará’. As consequências, tanto paradoxais quanto nefastas, estão aí para todos verem : armamo-nos para nos sentirmos mais seguros e, como resultado, o mundo está cada vez mais inseguro.

As pessoas ‘não querem armas, mas pão’, disse novamente o Papa Francisco na Urbi et Orbi de Natal. Palavras que parecem idealmente ecoar as de Madre Teresa de Calcutá quando ela recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 1979. ‘Em nossa família’, advertiu ela, dirigindo-se aos Poderosos da Terra, ‘não precisamos de bombas e armas, de destruir para levar a paz, mas apenas de estarmos juntos, amarmos uns aos outros’. Estar juntos : esse sonho de fraternidade universal que Francisco, assim como o Santo cujo nome leva, invoca e testemunha como o único antídoto ao ‘espírito de Caim’ que, infelizmente, mesmo neste 2023, semeou morte e destruição.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2023-12/papa-denuncia-armamentos-paz-ucrania-israel-palestina.html

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Emergência: mais de 149 milhões de crianças sofrem pelas guerras

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Crianças afegãs refugiadas  (AFP or licensors)

*Artigo da Vatican News


Segundo a informação da Save the Children, em 2022 mais de 149 milhões de crianças em todo o mundo precisaram de assistência humanitária por causa da guerras e das crises climáticas e econômicas, 26 milhões a mais do que no ano passado. De uma análise realizada pela Organização sobre as sete principais emergências que afetaram crianças durante 2022, o Afeganistão e a República Democrática do Congo (RDC) encabeçaram a lista dos países com o maior número de crianças necessitadas de ajuda.

Sete emergências no mundo

Este aumento de 26 milhões é a consequência de um ano complexo no qual a tempestade perfeita criada por novos e prolongados conflitos, a crise climática, a fome e a crise econômica causaram sofrimento a milhões de crianças em todo o mundo. De acordo com a análise da Save the Children, o Afeganistão que está no topo da lista tem a previsão de 14 milhões de crianças necessitadas até o final de 2022. É seguido de perto pela República Democrática do Congo, onde a estimativa é de 13,9 milhões. Apesar de ser o país com o maior número de pessoas necessitadas em 2022, a resposta humanitária da RDC recebeu menos da metade do financiamento estipulado pelas Nações Unidas. Países como Etiópia, Iêmen e Paquistão também estão na lista das sete emergências da Save the Children nos quais há o maior número de crianças que necessitam de serviços essenciais, como alimentação, água potável, abrigo e apoio psicossocial e de saúde mental.

Violência e impunidade

Atualmente o número de conflitos no mundo inteiro é o maior desde o final da Segunda Guerra Mundial e todos têm um impacto devastador na vida das crianças. Durante uma guerra, as crianças ficam muito mais propensos a morrer por causa de ferimentos causados por explosão do que os adultos. As crianças que vivem em áreas de conflito em países como Etiópia, Afeganistão, República Democrática do Congo e Iêmen também estão expostas às contínuas violações dos direitos humanos. Em muitas áreas, continua havendo uma falta de controle real sobre as violações contra crianças, resultando em impunidade frequente para os perpetradores.

Crise climática

A crise climática também levou a catástrofes naturais mais frequentes e mais graves. Este ano, os desastres relacionados ao clima tiveram um impacto devastador sobre as crianças, desde inundações extremas no Paquistão até secas que levaram à grave escassez de alimentos em países como Etiópia, Somália e regiões vizinhas, e, como a organização aponta, pela primeira vez em décadas, os desastres relacionados ao clima contribuíram para aumentar a fome e a desnutrição entre as crianças em todo o mundo.

Falta financiamento

Para agravar a situação estão as dificuldades enfrentadas pelas Organizações humanitárias em todo o mundo para chegar aos que necessitam de ajuda. Falta financiamento, o acesso às áreas afetadas é dificultado pelo contexto restritivo e pelas limitações impostas pelas normas antiterroristas e pelas sanções. Save the Children pede aos governos ação imediata e que intensifiquem a diplomacia para acabar com estas crises, facilitando ao mesmo tempo a assistência humanitária para os que mais precisam.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2022-12/save-the-children-emergencia-2022-criancas-guerra.html


quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Na Síria, o testemunho do padre Jallouf: "guerra e sofrimento, mas Deus nunca nos traiu"

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Padre Jallouf com o Papa Francisco   (Vatican Media)

*Artigo de Paolo Ondarza


‘É uma testemunha silenciosa do Evangelho dos cristãos das três aldeias de Knaye, Yocoubieh e Gidaideh, no Vale Orontes, a 43 quilômetros de Antioquia, na região de Idlib, nas mãos dos jihadistas de Hayat Tahrir al-Sham. Há 12 anos havia 10.000, hoje existem apenas 600, pouco mais de 200 famílias. Ali o padre Hanna Jallouf continua sendo o único religioso, juntamente com um coirmão, a levar conforto espiritual, material e médico. ‘Todos eles fugiram’, diz aos microfones de Rádio Vaticano - Vatican News. ‘Há doze anos estamos em guerra, sob o domínio dos jihadistas, longe do governo, não temos recursos econômicos ou forças para nos proteger’.

O sequestro em 2014 

Os olhos do padre Jallouf revelam o sofrimento do povo sírio, traem os medos de um destino sombrio, mas também irradiam a luz de uma certa esperança, fundada em Cristo. ‘O Senhor sempre esteve conosco, Ele nunca nos traiu. Nem mesmo quando fui sequestrado’, diz ele, lembrando o sequestro por milicianos em 2014. ‘Eles queriam me forçar a me converter, mas o Senhor me deu a força e a coragem para testemunhar a fé cristã’.

Viver a fé com as restrições

Sem dinheiro, sem defesa, os cristãos destas terras vivem a vida diária altamente condicionada. ‘Nosso testemunho é a vida, as pessoas com quem vivemos sabem que somos reais, sinceros e de bom comportamento’. Nós conduzimos o barco para frente, mas há muitas dificuldades’. Por exemplo, explica o frade, ‘somos forçados a viver e dar testemunho de nossa fé somente dentro das igrejas’. Lá fora, todos os nossos símbolos religiosos foram cancelados, não podemos tocar os sinos, não podemos usar o hábito franciscano, as mulheres têm que se cobrir. O contexto é muito difícil’.

Mas apesar destas restrições’, continua padre Jallouf com um sorriso, ‘nossa fé cresce’. Quanto mais eles apertam, mais nós nos expandimos. Também no Natal poderemos realizar nossas celebrações eucarísticas, novenas ou montar o presépio dentro da igreja, mas fora ou dentro das casas é proibido até mesmo ter uma ‘árvore de Natal’.

Natal

A esperança dos franciscanos é que em breve chegue um dia de paz para viver o Natal em plenitude. Para fortalecê-lo neste sentimento veio como um presente inesperado o encontro nos últimos dias com o Papa Francisco por ocasião da entrega do reconhecimento ‘Flor da Gratidão’ promovido pelo Dicastério para o Serviço da Caridade, símbolo do amor que sustenta o mundo e homenagem a Madre Teresa de Calcutá.  ‘Este reconhecimento é uma alegria depois de tanto sofrimento para meu povo e minha gente. Receber a flor representada para mim e para nosso povo é um vislumbre de esperança e alegria. Quando o cardeal Mario Zenari, nosso núncio, me chamou, ele disse : ‘O Santo Padre quer premiá-lo. Eu respondi : ‘Não sou digno’. ‘Venha e veja’, ele me disse. Então pensei : vamos fazer como São Paulo fez quando entrou em Damasco e lhe disseram : ‘Entre e ali você saberá o que tem que fazer’. Foram necessários três dias e três noites só para chegar a Aleppo’.

O incentivo do Papa

O franciscano também teve a oportunidade de falar pessoalmente com o Papa : ‘Ele expressou sua proximidade para com nosso povo junto com o desejo de que esta guerra termine e em breve se consiga a paz, verdadeira e segura, a justiça e o alívio para nosso povo’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-12/siria-testemunho-padre-jallouf-guerra-sofrimento.html


quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Shevchuk: guerra não impede o Natal. Parar de nos matar é o primeiro passo para a paz

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Salvatore Cernuzio,

enviado a Kiev (Ucrânia)


‘‘Parar as ações militares, deixar de nos matar, este será o primeiro passo para uma paz autêntica e duradoura. A paz é algo mais profundo do que a ausência de guerra. Não se trata apenas de vencer a guerra, mas de vencer o próprio espírito da guerra, vencê-la nas suas causas’.

Enquanto pronuncia mais um premente apelo sincero pela Ucrânia e seu povo, na estante atrás do arcebispo-mor de Kiev-Halyč, Sviatoslav Shevchuk, há um capacete e um colete à prova de balas. ‘Sinta o quanto eles pesam... no início costumávamos usá-los todos os dias. Alguém brincava : são as novas vestes litúrgicas!’, conta o chefe da Igreja Greco-Católica ucraniana aos jornalistas em missão nas Embaixadas junto à Santa Sé da Polônia e Ucrânia, que recebe no arcebispado com biscoitos e café.

A alegria do natal 

Muita coisa mudou desde aqueles primeiros dias terríveis no final de fevereiro da agressão russa na Ucrânia em que, diz Shevchuk apontando para uma janela : ‘dali se via descer uma chuva de fogo’. Ele próprio havia se refugiado com centenas de pessoas na cripta da Catedral da Ressurreição. Hoje ele fala mais relaxado. O seu pensamento dirige-se sobretudo para a chegada do Natal : ‘Temos o costume de entoar cânticos natalícios aos nossos próximos, especialmente aos mais necessitados, para partilhar alegria e as felicitações. Todos agora perguntam : haverá alegria de Natal, será permitido cantar ou devemos estar calados e chorar? Eu disse sim e sim, vai ter Natal. Temos o direito de celebrar a alegria natalina que não vem da diversão profana, mas do Céu porque vai nascer o Príncipe da Paz’.

Festa no front e em abrigos 

Essas festividades chegarão até o front. De fato, haverá alguém que cantará para os soldados engajados nas linhas de combate, anuncia Shevchuk. ‘Na época soviética – recorda – as canções natalinas eram uma forma de protesto contra o regime comunista ateu. As pessoas cantavam para superar ansiedades e tristezas. Os cantos são uma expressão da fé cristã, são uma catequese que canta o nascimento de Jesus, por isso muitos se preparam para ir cantar com os nossos soldados na fronteira. Sei que vários estudantes estão se organizando’. A mesma festa será realizada em todos os abrigos antiaéreos e em todos os abrigos : ‘Celebraremos o Natal no frio e no escuro. Isso nos fará experimentar na pele a história da Sagrada Família, também no frio e no escuro, mas com uma alegria celestial’.

Não se acostumar com isso 

É, portanto, uma mensagem de esperança que o líder greco-católico quer difundir em meio aos ataques na Ucrânia e à libertação de muitas cidades. ‘Sim, mas você tem que ter cuidado. Quando você ouve o alarme de ataque aéreo, não se dá mais muita atenção. Isso demonstra que o perigo não diminui, mas as pessoas se acostumam psicologicamente. É um risco, porque agora temos o fenômeno dos mísseis. Eles podem cair em qualquer lugar, tanto em Kiev como em Lviv. Não há lugar seguro na Ucrânia.’

A emergência do frio 

Diante da eventualidade, porém, é mais urgente lidar com as emergências. E a primeira no momento para a Ucrânia devastada pela guerra é o frio e a incapacidade de se aquecer devido a picos de corrente e racionamento de eletricidade. ‘O frio é a causa da quinta onda de deslocados internos’, explica Shevchuk. ‘Desde o início da guerra, primeiro os oligarcas pegavam o dinheiro e fugiam, depois aqueles que, com seus próprios meios, encontravam hotéis e outros lugares e ainda as pessoas sem nada que fugiam de mãos vazias. Penso na família da cidade de Boryspil', que caminhou descalça à noite 23 km, junto com seus filhos. Por fim, houve uma quarta leva de refugiados que não foi muito longe, mas procurou o primeiro povoado e esperou o momento de voltar para casa. Agora a nova onda, a quinta : os refugiados termais que fogem não da guerra, mas do frio e lotam o centro-leste da Ucrânia’.

Uma cozinha no subsolo da casa do arcebispo 

‘Não estávamos preparados para o fenômeno da falta de eletricidade e da necessidade de alimentar tanta gente’, diz Shevchuk. ‘De imediato, tomamos medidas para construir cozinhas para oferecer refeições quentes.’ Uma cozinha será construída logo abaixo de sua casa : ‘Em poucos dias ficará pronta, temos que organizar a logística de distribuição dos alimentos. Como Igreja não podemos pensar em alimentar a todos, mas tentamos receber todos que podemos. É o nosso cuidado pastoral’. Uma pastoral de proximidade.

Mensagens diárias de vídeo 

É precisamente essa proximidade que levou Shevchuk, todos os dias desde 24 de fevereiro, a produzir uma mensagem em vídeo divulgada na web. Uma iniciativa exigente, cuja origem o responsável da Igreja Greco-Católica assim explica : ‘No primeiro dia todos estavam desorientados, viam-se helicópteros russos e fogos do céu, o mundo inteiro começou a chamar-me : estão vivos? Onde estão? O que fazem? Não sabia o que dizer : não sei se estarei vivo daqui a duas horas, pensava. Então eu disse para o secretário : vamos produzir uma mensagem para confirmar que estamos vivos. Percebi que com essas mensagens eu poderia ajudar as pessoas a racionalizar o medo e falar sobre a esperança que vem da fé. Depois de 2-3 semanas, eu me perguntei : vale a pena? Então, um dia, fui à atormentada cidade de Zhytomyr e em uma paróquia uma idosa se aproximou de mim para dizer : 'Vivemos em constante terror, temos medo, é bom que fales conosco'. 'Mas, senhora, eu não sei mais o que dizer a vocês!'. 'Não importa o que dizes, importa que fales conosco'. Então compreendi que mesmo que não soubesse mais o que dizer, é importante que as pessoas ouçam a voz da própria Igreja que as acompanha’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-12/ucrania-natal-guerra-sviatoslav-schevchuk.html

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Iêmen: mais de 11 mil crianças mortas ou mutiladas no país

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo da Vatican News


O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) declarou, em um relatório que mais de 11.000 crianças foram mortas ou mutiladas desde 2015, em média quatro por dia; 7.245 feridas; 445 meninos foram presos; 152 crianças sequestradas; 47 expostas à violência sexual; pelo menos 74 crianças, entre as 164 pessoas, mortas ou feridas por minas e munições não detonadas; quase 4.000 meninos arrolados nos combates e 91 meninas utilizadas em ações ou postos de controle. Com a falta de acesso à água potável, as crianças correm um risco extremo de surtos de cólera, sarampo, difteria e outras doenças, evitáveis com vacinação.

Segundo ainda os dados do UNICEF, após quase oito anos da escalada do conflito, cerca de 13 milhões de crianças necessitam de assistência humanitária e proteção; 672 sedes de ensino e 228 centros de saúde foram atacados; 2,2 milhões de crianças, no Iêmen, são alvo de desnutrição aguda, sem contar as quase 540.000, com menos de cinco anos, que sofrem de grave desnutrição e lutam pela sobrevivência; 9,2 milhões de menores não têm acesso à água potável e saneamento; 13 milhões não têm assistência sanitária; 2 milhões não têm escola, pois uma, em cada quatro escolas, no Iêmen, foi destruída ou parcialmente danificada.

Estes são os resultados do conflito no Iêmen, segundo UNICEF, que teve início em 2015. Estes são apenas alguns casos detectados, mas, é provável, que o balanço deste conflito seja bem maior.

A diretora executiva do UNICEF, Catherine Russell, fez um premente apelo para que seja renovada, com urgência, a trégua obtida com a sua missão. E acrescentou : ‘Para que as crianças do Iêmen tenham chance de um futuro digno, as partes em conflito, a comunidade internacional e todos os responsáveis devem garantir-lhes proteção e apoio. Neste sentido, a renovação urgente da trégua seria um primeiro passo positivo, para permitir um acesso humanitário vital. Em última análise, apenas uma paz duradoura permitirá que as famílias reconstruam suas vidas destruídas e comecem a planejar o futuro’.

Enfim, o UNICEF precisa, urgentemente, de 484,4 milhões de dólares para responder à crise humanitária no Iêmen e dar continuidade aos serviços essenciais, que colocam em risco as vidas e o bem-estar das crianças.

Apesar dos desafios, até agora, o UNICEF conseguiu enfrentar a desnutrição aguda de mais de 260.000 crianças; transferir dinheiro para cerca de 1,5 milhão de famílias; garantir acesso à água potável para quase 5 milhões de pessoas; fornecer vacinas contra sarampo e poliomielite para mais de 1,5 milhão de crianças; dar assistência psicossocial e sanitária em 24 hospitais e aprimorar serviços de tratamento e prevenção da desnutrição.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2022-12/iemen-mais-11-mil-criancas-mortas-mutiladas.html

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Religiosa psicoterapeuta ajuda pessoas a superar traumas, como os da guerra na Ucrânia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
A Ir. Theresien entre os escombros do tornado de 2021 na Morávia 

*Artigo da Irmã Theresien Bartonová 


Faço parte da Congregação das Irmãs da Misericórdia de São Carlos Borromeu. Somos uma congregação muito ativa e, ao mesmo tempo, a parte contemplativa é fundamental para nós. A nossa missão é estar perto daqueles que sofrem. As nossas primeiras irmãs cuidaram das vítimas da peste nas ruas de Nancy, França, após a Guerra dos trinta anos.

A biografia de Ir. Theresien

Sou enfermeira de profissão. Trabalhei durante vários anos no nosso hospital em Praga, em diferentes enfermarias. E foi lá que nasceu o desejo de compreender melhor a dinâmica interior da pessoa, as dinâmicas psicológicas. Aconteceu que alguns pacientes me contassem as suas histórias com os seus sofrimentos, e às vezes os próprios familiares sentiam a necessidade desta partilha. Percebi que ouvir ajuda a aliviar o sofrimento e senti a exigência de ter à minha disposição instrumentos adequados para socorrer aqueles que me confiavam a própria dor.

Também naquele período, comecei a estudar teologia e, ao mesmo tempo, interessei-me pelo tema das feridas interiores. Dediquei a minha tese de licenciatura em teologia ao tema interdisciplinar da importância da aceitação e da cura da própria história pessoal para o crescimento espiritual. A relatora da minha tese, ela própria psicóloga, deu-me um importante impulso para continuar os estudos em psicologia.

O encontro com o método EMDR

Depois transferi-me para Roma e matriculei-me no Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Gregoriana. Tendo regressado a Praga, comecei a trabalhar como psicoterapeuta, recebendo muitos pacientes com traumas complexos. Alguns deles tinham sido abusados sexualmente, um trauma muito complexo que requer um trabalho delicado e exigente. Procurava estudar muito para compreender como ajudar cada vez melhor estas pessoas e estava em busca de abordagens cada vez mais eficazes. Foi neste contexto que me deparei com o método EMDR.

Esta abordagem é muito eficaz e delicada : ajuda a aliviar o sofrimento das pessoas através da elaboração dos eventos traumáticos sofridos, que permanecem bloqueados nas redes neurais causando numerosos sintomas. O método EMDR tem vários tipos de protocolos que podem ser aplicados em função da problemática do paciente, que pode derivar de dois tipos de trauma : os relacionais sofridos na infância e os causados por circunstâncias que põem em perigo a própria vida (desastres, acidentes de trânsito, sismos, guerras, etc.).

Além dos diferentes tipos de protocolos, existem também instrumentos que podem ser utilizados imediatamente após um evento traumático para ajudar as pessoas a estabilizar o sistema nervoso e a elaborar os sintomas intrusivos. Por exemplo, há um ano, na República Checa, houve um furacão que devastou cinco aldeias na Morávia. A Associação EMDR (Český institut pro psychotraumatologii emdr), fundada em 2020, à qual pertenço, entrou em contacto com colegas italianos. A presidente da Associação EMDR Itália, Dra. Isabel Fernandez, foi um grande apoio para nós durante aquela catástrofe. Ela ofereceu-nos instrumentos para nos aproximarmos das pessoas e ajudá-las a enfrentar a situação. Com a minha colega Zuzana Čepelíková, presidente da nossa associação, fomos à Morávia para trabalhar com pessoas no território. Durante aquele tempo, também contactámos o Dr. Ignacio Jarero, colega mexicano do EMDR, que desenvolveu protocolos específicos para terapia de grupo que são muito úteis no contexto de catástrofes, onde é difícil acompanhar os pacientes individualmente e as sessões de grupo são frequentemente necessárias.

O EMDR para afetados com a guerra

Esta experiência preparou-nos para a emergência ucraniana. Uma semana após o início da guerra, Zuzana Čepelíková organizou alguns cursos online para colegas, psicólogos e psiquiatras ucranianos, com a cooperação da Associação Ucraniana EMDR e o grande apoio da EMDR Europa e do Dr. Jarero. A partir daí, realizámos numerosos cursos para mais de 1500 colegas ucranianos que puderam fornecer ajuda prática no território.

Em junho, durante uma conferência internacional da EMDR em Valência, pude encontrar-me e recolher os testemunhos de alguns colegas ucranianos. Em particular, um deles, que trabalha num hospital militar, disse-me que o uso do método também tem um efeito positivo na cura física dos soldados feridos, pois ajuda-os a elaborar o trauma que sofreram e relaxa o sistema nervoso, tornando-os mais receptivos ao tratamento médico. Neste momento terrível e difícil, experimentamos também a proximidade, a solidariedade e a ternura que podíamos dar uns aos outros.

Foi uma bela experiência a nível humano, porque descobrimos que se tivermos de enfrentar realidades trágicas, somos capazes de nos ajudar reciprocamente. A solidariedade pode fazer crescer flores de bondade e beleza, inclusive nas situações mais dolorosas que atravessamos.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-11/projeto-sisters-historia-theresien-bartonova-sao-carlos-borromeu.html

domingo, 30 de outubro de 2022

Por que a regulamentação da mídia pode se tornar uma arma de guerra – Parte 2

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Francisco Vêneto,

jornalista

 

É a dose errada do remédio o que o transforma em veneno

Regulação e regulamentação da mídia

‘Na Venezuela e na Nicarágua, o controle ditatorial da informação pelo regime foi implementado, ostensivamente, sob a máscara da ‘democratização da mídia’, valendo-se, já no processo de cancelamento de objetores, da manipulação de termos técnicos elegantes, como os profusamente repetidos ‘regulação’ e ‘regulamentação’.

Por isso mesmo, antes de seguir em frente, é necessário esclarecer o que significa regulação e o que significa regulamentação, que não são a mesma coisa.

Regulação é uma atividade atribuída a um órgão ou agência governamental que tem poder especial para legislar sobre como um setor de interesse público deve operar. No Brasil, este é o caso, entre outras, da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia que regula e fiscaliza o setor elétrico brasileiro, ou da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que regula e fiscaliza as atividades da aviação civil e a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária no país.

(Que as agências funcionem adequadamente a favor do cidadão já é outra questão que também precisa ser discutida : o simples fato de que um órgão regulador exista não quer dizer que funcione como promete).

Já a regulamentação é uma atividade de competência do Chefe do Poder Executivo : grosso modo, consiste em detalhar e suprir eventuais lacunas de uma regulação que já existe, a fim de esclarecer como essas leis devem ser aplicadas e como o seu fiel cumprimento deve ser garantido.

Vamos aos exemplos.

No caso da mídia como um todo, a Constituição Federal do Brasil prevê, no artigo 220, § 5, que ‘os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio’. No entanto, não existe até hoje nenhuma regulamentação do Poder Executivo que determine o que são o monopólio e o oligopólio nas comunicações sociais do país. Existe uma regulação, mas não existe a sua regulamentação.

De modo semelhante, existe no país um bagunçado arcabouço de leis que regulam assuntos ligados à mídia. É assim desde o Império, quando surgiram os primeiros decretos que regulavam a imprensa. Na década de 1930 vieram as regulações da radiodifusão. Na década de 1960, entrou em vigor o Código Brasileiro de Telecomunicações, que, diga-se de passagem, continua vigente até hoje, anacronismos inclusos. Ao longo das décadas, dezenas de leis continuaram surgindo para regular a comunicação de forma esparsa e desconectada, como a lei do cabo, a das rádios comunitárias, a que disciplina a participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão, a que criou a Empresa Brasil de Comunicação… Há leis também para regular conteúdo, como a que define punição diferenciada para os crimes resultantes de preconceitos de raça ou cor veiculados na mídia, ou a lei de tela, que determina cotas para produções nacionais no audiovisual. Há também a regulação da publicidade, que, por exemplo, proíbe a publicidade infantil.

Mas não há no país uma lei geral das comunicações eletrônicas e de massa, que, na visão dos seus defensores, regulamentaria, como mínimo, os artigos da Constituição Federal (como o já citado 220), além das regras aplicáveis a veículos mais recentes, como a internet.

No caso da internet, se falarmos em regulamentação, estaremos falando de como o Poder Executivo deve detalhar leis já existentes, como o Marco Civil da Internet, em particular no tocante à neutralidade de rede, à privacidade na rede e à guarda de dados – considerando-se, ainda, que, sobre o último ponto, já contamos também com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Quanta regulação e quanta regulamentação?

Como se observa, regulação e regulamentação são instrumentos neutros. É o seu uso o que determina se eles serão ou não transformados em armas de guerra.

Por um lado, regras claras, que valham independentemente do governo de turno, são necessárias até para impedir que esse governo se torne perpetrador ou cúmplice de abusos de censura e desinformação. Por outro, um engessamento de regras, sobretudo quando se arrogam poderes altamente subjetivos de análise da ‘verdade’, são praticamente a sacramentação do enviesamento ideológico.

Há cenários em que as regras já existentes são suficientes, como as que, preservando a liberdade de imprensa, de opinião e de expressão, também protegem contra a injúria, a calúnia e a difamação. Há outros, como o da já citada ausência de regulamentação sobre o que é um monopólio ou oligopólio de mídia, que requerem ao menos ‘algum’ grau de detalhamento.

O problema está em definir que grau é esse: afinal, a dose errada do  remédio é o que o transforma em veneno.

De quanta regulação e de quanta regulamentação precisamos objetivamente, para além das leis, garantias, vetos e obrigações que já temos? O desafio é definir o ponto de equilíbrio entre os extremos de nenhuma e da imposição de um pensamento único, passando por distintos graus de censura (inclusive quando em alegado caráter ‘excepcionalíssimo’).

Este desafio é global. O Twitter pode banir para sempre um presidente dos Estados Unidos? Se sim, com base em que regulação ou regulamentação? Qual é o grau aceitável de poder de policiamento, censura, julgamento e condenação que uma ‘big tech’ pode exercer sobre as opiniões e sobre quem as emitiu? Em que contextos o YouTube pode legitimamente censurar um vídeo ou um canal inteiro por questionar o que outros dogmatizam que é ‘ciência’ inquestionável, muito embora a ciência não seja dogma e o seu método pressuponha necessariamente o questionamento? Quem define a verdade, seja para Pôncio Pilatos, seja para dona Zefinha? Quando se pode vetar um documentário que nem sequer foi lançado, se é que se pode? E, entre tantas outras, a pergunta subvalorizada que, no fim das contas, ainda ninguém respondeu : quem checa os checadores?

Se é preciso haver ‘alguma’ regulamentação e o desafio é definir quanta, a resposta mais democrática deve ser a que mais garanta espaço às liberdades e menos tolere a sua restrição : portanto, ‘alguma’ regulamentação significa a mínima regulamentação possível.

‘Fake news’ não se combatem com cerceamento e censura, mas com ampla liberdade de imprensa, de opinião e de expressão para contestar e refutar, com argumentos e comprovações, com réplica e tréplica, e não com tarjas, canetaços e medidas ‘excepcionalíssimas’. E se as afirmações mentirosas ainda forem agravadas pelo crime de calúnia, difamação ou congêneres, nem assim a censura será o remédio : a lei prevê os devidos processos para que os responsáveis sejam denunciados, julgados e sentenciados, e é isto o que deve ser aprimorado num legítimo estado democrático de direito.

Um Ministério da Verdade sempre terá um Goebbels como ministro

A história tem fartos registros de que é suicida plantar os alicerces de um Ministério da Verdade, seja qual for o seu nome, porque o seu ministro será sempre um Joseph Goebbels.

Nenhuma alegação de combate à desinformação pode se arrogar o inexistente direito de vedar o livre debate sobre a verdade e a mentira, a menos que se queira reposicionar um país na seleta companhia de Bielorússia, Turcomenistão, Coreia do Norte, Afeganistão, Irã e, entre outros primores da democracia, as já mencionadas China, Rússia, Venezuela, Nicarágua e Cuba.

A regulação e a regulamentação da mídia são instrumentos neutros, e, como facas de dois gumes, cortarão o que forem manejadas para cortar.

E tanto é verdade que, se alguém tiver uma opinião diferente desta, esse mesmo alguém quererá o direito de proclamá-la e defendê-la sem pressões nem cerceamentos – basta que assuma as consequências da própria liberdade e cobre as do próximo quando discordar do que ele diz.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2022/10/26/por-que-a-regulamentacao-da-midia-pode-se-tornar-uma-arma-de-guerra-parte-2/