Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘Sentimos indignação quando alguém corta uma
árvore e deixa desnudo uma cepa do velho tronco com suas raízes ainda fundadas
na terra. Estava já velha, dizem alguns. Era um perigo, comentam outros. Só
ocupava lugar, exclamam mais alguns. Todos apresentam justificativas para
eliminá-la e jogá-la abaixo. Todos têm razão quando se
trata de eliminar o que é visto como inútil ou velho.
No
entanto, quando acreditavam que o velho tronco estava condenado a desaparecer,
se esqueceram que ainda não tinham arrancado suas raízes. Subitamente, quando
menos esperavam, viram como novos rebentos brotavam no tronco velho. O tronco
estava para ser cortado, mas as raízes ainda tinham vida. E enquanto há vida
nas raízes, a vida é possível. ‘Do velho tronco de Jessé, brotará o rebento
que é Jesus’. A vida é mais forte que a velhice; a vida é mais forte que o
robusto tronco; a vida sempre triunfa sobre aquilo que consideramos inútil,
estorvo ou perigo.
O
problema que nos aflige hoje, talvez, não seja tanto referente aos troncos, mas
um problema de raízes. Há demasiadas vidas sem raízes
profundas; há demasiadas instituições carentes de raízes, que terminam sendo
instituições vazias; há demasiadas vocações sem raízes profundas, que nascem de
ideais mais emotivos que evangélicos; há demasiadas decisões sem raízes,
porque são tomadas em um momento emocional, mas sem terra que as sustente;
há demasiadas convicções ideológicas sem raízes...
Por
isso são vidas que morrem facilmente; morrem com a facilidade com a qual morrem
os sentimentos que as sustentavam. Suas raízes estão tão na superfície da terra
que acabam morrendo antes que o tronco.
Cultivamos
os ramos com muito esmero, mas nos esquecemos das raízes. Cultivamos muito
o tronco, mas não alimentamos as raízes; cultivamos muito a aparência, mas
não nos preocupamos em colocar água nas silenciosas raízes que não
se veem.
Quando
as raízes têm vida, pode ser que alguns ramos se sequem, mas ainda permanecem
outros suficientes para embelezar a árvore. Quando as raízes têm vida, podemos
encontrar dificuldades no caminho, mas a vida é mais forte que os obstáculos.
Quando as raízes têm vida, podemos passar por momentos de prova, mas a vida que
sobe pelo tronco é mais forte. Com frequência, passamos a maior parte do tempo
regando os ramos enquanto as raízes morrem de sede.
O
evangelho deste domingo nos revela que João Batista é o broto
novo no velho tronco. No velho ‘tronco’ de ontem (1º. Testamento), ‘vem a
palavra de Deus sobre João, filho de Zacarias, no deserto’. João não é
do AT. Tampouco do NT. Ele é a travessia, a ponte, o broto
novo. Ele é o anúncio do novo que
está prestes a brotar. O AT é um velho tronco que já não dá
fruto, mas em suas raízes ainda permanece uma Vida que no NT
será revitalizada.
Porque
o que Deus semeou durante séculos são sementes de Vida. Desaparecerá o tronco,
mas suas raízes ainda têm vida.
João
é o novo rebento que anunciará a nova Árvore e a nova Vida. E ele mesmo começa
por lançar água nas velhas raízes, anunciando a conversão do coração. Cultivar
as raízes é fazer que, até os velhos troncos renunciem a morrer, mesmo que os
cortemos, pois a vida das raízes encontrará novos brotos para continuar
crescendo e vivendo. Serão vidas novas; serão troncos novos.
O
tempo litúrgico do Advento se revela como um momento privilegiado que nos
motiva a ‘descer’ em direção às nossas raízes interiores, para ativá-las,
cultivá-las e evangelizá-las. Nosso contexto social-político-religioso
está saturado das ‘palhas’ da aparência e da superficialidade,
gerando o veneno do ódio, da intolerância e da violência contra quem ‘pensa-sente-ama’
de maneira diferente. É preciso levar as águas vivas do evangelho às
profundezas do coração.
Nesse
sentido, Advento nos revela um componente de expansão, que
alarga nosso ser, que nos dinamiza e nos eleva, ao
mesmo tempo que é experiência radical daquilo que é mais humano em
cada um. A partir das ‘raízes interiores’ o Advento ilumina e dá
sentido ao nosso modo de ser e viver; ao abarcar toda a vida, alcança também
a nossa ação transformadora no mundo.
Espiritualidade do Advento é a
força vital que sacode nosso mundo interior, alimenta nossas raízes e faz
surgir novos brotos que se visibilizam na nossa maneira original e inspirada de
ser e viver no mundo de hoje. Tal força regenerativa procede do Espírito Santo
de Deus, que nutre e aquece nossa vida.
Compreendemos,
então, que espiritualidade não tem a ver com práticas piedosas
alienadas e autocentradas; é uma experiência que deve ter raízes no coração,
precisa de interioridade. Se não tem interioridade, não tem
sonhos nem criatividade. No interior de cada um existe uma riqueza acumulada
que procura se expressar (sentimentos, atitudes e valores, crenças, motivações,
intuições...). O nível profundo é o nível da Graça, da
gratuidade, da abundância... onde a pessoa mergulha no silêncio à escuta de
todo seu ser.
O
Evangelho de Mateus nos apresenta João Batista clamando por conversão, ‘porque
o reinado de Deus está próximo’.
João
contempla a realidade de seu povo e sente o impacto da violência e exclusão que
tanto o poder religioso como o civil impunham a todos. Sua mensagem se
concentra neste grito : ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitar suas
veredas!’ Também o Papa Francisco grita a mesma mensagem aos cristãos de
hoje e nos lança uma pergunta : ‘Estamos decididos a percorrer os caminhos
novos que a novidade de Deus nos apresenta ou nos entrincheiramos em estruturas
caducas, que perderam a capacidade de resposta?’.
O Advento nos
mobiliza a ‘descer’ ao chão da vida para cultivar e cuidar do nosso ser
essencial com o mesmo cuidado que tem o camponês quando trabalha a terra e a
plantação. Apenas aquelas pessoas que se mantêm próximas ao chão, às raízes da
vida, conseguem manter também esta postura totalmente radical, a ‘humilitas’
que vem de húmus, o chão escuro, úmido e fértil da terra.
Somos
Advento, ou seja, pessoas ‘radicais’, que vivem a partir das
raízes.
‘Radicalidade’ significa,
portanto, ser suportado, carregado e alimentado por uma raiz que está plantada
fundo no chão. É como uma árvore que se apoia, se sustenta e se alimenta das
suas raízes. Radical é aquele que vive perto da raiz, que se alimenta da raiz,
que toma as coisas pela raiz, pelo fundamento.
O
sentido que ‘radicalidade’ transmite é esta proximidade do chão,
este estar plantado no chão da vida ou estar enraizado na terra, na realidade.
Quando dizemos que os homens e as mulheres do Advento costumam ser radicais,
queremos mencionar, em primeiro lugar, esta proximidade da terra e do húmus,
esse enraizamento profundo que alimenta a vida, que sustenta o tronco e a copa
da árvore em todo e qualquer tempo, dando-lhes firmeza e consistência.
Texto
bíblico : Mt 3,1-12
Na
oração : Sou pessoa de ‘raiz’ ou me deixo determinar pela
superficialidade, aparência? Posso dizer que minha vida está enraizada na
pessoa de Jesus e na causa do Reino?
-
João foi o oposto da sociedade de seu tempo; ou seja, não se encaixou
comodamente à maneira de ser e de pensar de seus contemporâneos. Como eu me
comporto no ambiente em que vivo? Há algo de anúncio-denúncia em minha maneira
de ser e viver? Minha presença na realidade cotidiana é inspiradora? Faz a
diferença?....’
Fonte : *Artigo na íntegra
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