terça-feira, 31 de maio de 2022

Francisco e o golpe na 'tradicionalice'

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Mirticeli Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Há quem diga que Francisco pega no pé dos tradicionalistas. Falam de perseguição e até do fim do catolicismo. Uma histeria sem limites.

Na missa do Batismo do Senhor (realizada em 9 de janeiro), quando todos os anos, o Papa batiza algumas crianças da sua diocese, Francisco demonstrou que não está para brincadeira. Como sabemos, mesmo após a reforma litúrgica de Paulo VI, os altares da Basílica de São Pedro e adjacentes, como no caso da capela Sistina, permaneceram atacados ao muro. Sendo assim, mesmo celebrando no rito latino ordinário, o sacerdote que faz uso deles acaba se posicionando ad orientem.

O que o pontífice fez, neste fim de semana? Evitou fazer uso do altar fixo da igreja e, pela primeira vez, pediu ao escritório de celebrações litúrgicas do Vaticano para posicionar um ‘regular’, para que pudesse presidir a solenidade. Ou seja, ficou claro que acabou o tempo dos pitacos renascentistas sobre a ‘postura mais perfeita’ para se celebrar a missa. A mais perfeita, portanto, é aquela que o concílio decidiu - com o beneplácito do Papa, nos idos de 1960. E ponto final.

É como se o catolicismo, composto por uma infinidade de ritos litúrgicos, se resumisse à missa tridentina. E mais : é como se fora da (ex) forma EXTRAORDINÁRIA do rito latino (em caixa alta, para enfatizar) ditasse a fé de seus simpatizantes. Com ela, muitos já flertavam com a apostasia. Sem ela, a abraçaram de vez. Estão sem papa e sem missa. Dizem estar com Roma, mas não seguem o bispo de Roma. Dizem viver a fé católica em plenitude, mas são uma ameaça à própria catolicidade.

Francisco viu tudo isso e interviu. E mais : não deve ter sido fácil voltar atrás na decisão do seu antecessor, Bento XVI. O papa emérito, nas melhores das intenções, focou na pastoral em 2007, mas acabou sendo instrumentalizado por quem só queria um motivo para difundir suas ideologias sectárias. E sabemos muito bem que não foi uma meia dúzia de católicos que virou essa chave.

O problema não está na missa tridentina e nunca esteve. A Igreja não nega sua história, embora avalie, de tempos em tempos, que um ‘aggiornamento’ é necessário. E isso não foi invenção do Vaticano II. O catolicismo sempre acompanhou os ‘sinais dos tempos’, e até se mundanizou, em muitas fases da história, tamanho era seu nível de inserção na sociedade.

Se o sumo pontífice, segundo a própria tradição católica, é chamado a conter as ameaças contra a própria unidade do catolicismo, ele simplesmente cumpre o seu papel ao publicar a Traditionis Custodes. Aliás, ao nomear o documento dessa forma, que na tradução para o portugues le-se ‘Guardião da Tradição’, ele quer demonstrar com isso, que o bispo de Roma, e chefe da Igreja é o guardião da Tradição (com T maiúsculo) por excelência.

O problema é que, na boca desse povo, a tradição virou uma palavra trivial, que se aplica até ao vestido que a moça usa e à gravata borboleta do rapaz que combina o acessório com charuto e frases em latim... Conseguiram o feito de esvaziar o sentido da própria palavra tradição para o catolicismo.

O golpe de Francisco é contra a ‘tradicionalice’. Me permiti esse neologismo, que parte da junção entre as palavras ‘tradição e tolice’. E aqui não falo da tradição católica, mas dessa tradição caricaturada de grupos que, há muito tempo, romperam com a Igreja de Roma. So não admitiram ainda, porque isso pode acarretar prejuízo para aqueles que lucram com essa ‘santa oposição’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1560356/2022/01/francisco-e-o-golpe-na-tradicionalice/

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Por que Jesus subiu aos Céus?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Felipe Aquino,

professor


‘‘Meus irmãos e irmãs, é necessário que vos torneis comigo testemunhas da ressurreição de Jesus. Na realidade, se não fordes vós as suas testemunhas no próprio ambiente, quem o será em vosso lugar? O cristão é, na Igreja e com a Igreja, um missionário de Cristo enviado ao mundo.’ (Papa Bento XVI)

A meditação do acontecimento divino da Ascensão de Cristo nos convida a refletir sobre a nossa vida de cristãos.

São Lucas dá alguns detalhes interessantes sobre o momento da Ascensão de Jesus. Quando estavam retirados da cidade, e Ele subiu aos céus, todos ficaram ali parados, extasiados, olhando para o alto, meio perdidos, ainda sem entender, até que dois anjos lhes explicaram, e lhes fizeram ver que deviam continuar vivendo suas vidas… (cf. At 1,9-10). E o mesmo São Lucas diz, completando a informação, que ‘eles voltaram para Jerusalém com muita alegria e louvando a Deus’ (Cf.Lc 24,52). Os discípulos já estavam muito felizes com a Ressurreição de Jesus, e agora, naquele momento, entenderam que a missão deles iria começar, mas com a força do Alto.

É valioso perguntar : por que Jesus subiu aos Céus? Ele poderia simplesmente ter desaparecido no ar, magicamente… Acredito que o ‘olhar para o alto’ é uma das atitudes que Jesus quis nos ensinar. Quando olhamos para o alto, nos esquecemos de tudo o que há abaixo de nós, nos desapegamos da terra e desejamos o céu. Olhamos menos para nós e mais para Deus.

Outro detalhe importante. Aquela foi a verdadeira despedida de Jesus. Depois daquele momento nunca mais os discípulos veriam o Mestre… Percebemos que em nenhum momento eles reclamaram ou pediram a Jesus : ‘Fique mais um pouco!’. Não, pelo contrário! Quando Jesus subiu eles se alegraram…

E essa é outra lição que podemos tirar desta passagem. Jesus quis nos ensinar que Sua presença ultrapassa a morte e ultrapassa os tempos. Não deve haver tristeza por que não podemos vê-lo… A fé é mais forte que a razão. Ele age poderosamente pelo poder do Seu Espírito que assiste, ilumina, fortalece e defende a Igreja e cada um de nós.

Isto nos faz pensar : onde está essa fé e essa alegria que movia os primeiros cristãos? Eles eram minoria… E ainda assim, contagiaram o mundo! Será que não nos falta nos retirarmos e vivermos essa experiência de observar o Senhor subir e nos enviar o Seu Santo Espírito?

Adoremos o Cristo Senhor que sobe aos céus e nos leva com Ele!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2016/05/09/por-que-jesus-subiu-aos-ceus/

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Ser cristão, por Johan Konings

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Élio Gasda,

teólogo

 

‘Tempos difíceis. Ignorância, tristezas e decepções, pandemias e guerras, desigualdades e miséria, fome e desemprego, chacinas em favelas. Banalização da vida e da justiça. Em tempos obscuros é fundamental que o cristão restaure a fé, a esperança e, acima de tudo, o amor. Amor e Fidelidade!

O que é ser cristão? Respostas são diversas : ser batizado e fazer parte de uma igreja. Frequentar cultos e assistir missa. Seguir normas morais. Ajudar o próximo. São práticas que identificam o cristão. Algumas revelam certa proximidade com Cristo. Será mesmo?

Cristão é o que crê que Jesus é o Cristo! ‘Sem a fé no Cristo, ninguém pode ser chamado de cristão’. Portanto, ser cristão só se é cristão, hoje e sempre, a partir de Jesus de Nazaré. Nele, Deus se revela e se dá a conhecer (Jo 1,18; 14,8-9). Fé é adesão e opção comprometida por uma pessoa e sua proposta de vida.

Jesus Cristo é a proposta de Deus para a humanidade. Ele nos apresenta o Reino. Para ser cristão não basta o batismo ou assistir missa, isso é ‘cristandade’. É necessária uma opção consciente e integral pelo Cristo, pois, quando Jesus fala é Deus quem fala. O que Jesus faz, Deus quem o faz. Ouvir, contemplar e ter fé em Jesus Cristo que caminha com a comunidade, é a forma de conhecer a Deus. ‘O Verbo se fez carne, e habitou entre nós...cheio de graça e de verdade’ (Jo 1, 14).

O amor ao próximo é a identidade do ser cristão. A esperança cristã está na obra de Jesus, no amor que Ele nos ensinou, ‘amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei’ (Jo 13,34). Quem não ama seu irmão permanece na morte. O amor que reside nas atitudes práticas do cotidiano revela aqueles que são seguidores de Jesus. Quando abrimos mão do egoísmo, Jesus se revela em nós. Nos inspira a buscar uma sociedade justa e fraterna. Nos tornamos verdadeiros discípulos. Deus conosco - Emanuel - se humaniza para permanecer no meio de nós.

Muitos cristãos não entendem que o Reino de Deus já está acontecendo, o que fica evidente no amor de Cristo pela humanidade. Ele permanece entre nós em Espírito. ‘Ele permanece conosco também no dom messiânico que ele nos deixa, a ‘paz’, porém, não como o mundo a concebe (14,27)’. Só se tem paz na presença da Trindade Santa. ‘Tendo Cristo por centro e luz, certamente haverá unidade e comunhão...’ e o encontro com os mais pobres e vulneráveis. Paz fruto da caridade.

Na caridade fraterna, Deus e ‘o Cordeiro’ moram conosco. A cidade de Deus não é uma grandeza de ficção científica, nem uma cristandade sociologicamente organizada. Ela é uma realidade interior, atuante em nós e, naturalmente, produzindo também modificações no mundo em que vivemos. Ela é obra do Espírito de Deus que nos impele’.

O caminho que nos impulsiona deve se apoiar no Evangelho. É preciso reconhecer e seguir Cristo e servi-lo na assistência de todo aquele que também Nele sofre. A Igreja não está a serviço de um Estado ou de um sistema, ela não oprime, e sua esperança não se baseia no progresso e desenvolvimento tecnológico, mas na esperança que anuncia o amor de Deus.

Se o amor é o que supera tudo, importa que entendamos a partir da fonte que é Deus. Mais que amar a Deus e ao próximo é deixar-se amar por Deus; mais fundamental que conhecer a Deus é ser conhecido por Ele (1Coe 13,12; Gl4,9). Experimentar a própria vida como dom que se recebe é uma dimensão fundamental do ser cristão consciente’.

Para ser cristão é preciso retornar à raiz da fé. ‘Devemos reaprender o que é crer como cristão : não dizer ‘Amém’ a doutrinas incompreensíveis, mas aderir, cheios de confiança, ao homem de Nazaré no qual Deus se dá a conhecer’. Deus está no meio de nós. Os fiéis são a morada de Deus. Isto Basta.

Johan Konings (1941-2022) com sua gentileza, sotaque inconfundível, sentido de humor e sorriso fácil e acolhedor foi esse cristão, morada divina que caminhou com Jesus no meio da história. Viveu com liberdade a fé, a esperança e o amor dos filhos de Deus.

Konings, sonhador de um projeto de sociedade pautado no humanismo cristão, continue inspirando gerações de teólogos, exegetas, universitários, políticos e jesuítas. Obrigado, companheiro!

Não é nos templos de pedra que Deus habita, mas no coração de quem ama e vive seu amor na prática. ‘Onde o amor e a caridade, Deus aí está’’.

A Palavra de Deus é uma palavra de Amor e Fidelidade’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1579504/2022/05/ser-cristao-por-johan-konings/

terça-feira, 24 de maio de 2022

Estão matando o Papa Francisco

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Mirticeli Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Quando o assunto é saúde do pontífice, precisamos admitir : o Vaticano não gosta muito de ser questionado sobre a questão. Porém, é de se comemorar que, atualmente, é o próprio Papa quem nos atualiza a respeito do seu quadro. Dito isso, vamos ao que interessa : como, de fato, Francisco está? O que estão escondendo de nós?

Sem perder o bom humor, o pontífice disse recentemente, a nós jornalistas, em voo de regresso a Roma, após visita apostólica a Malta, em abril, que seu corpo ‘é caprichoso’ e volta e meia ‘lhe prega uma peça’ - se referindo às vezes que precisou cancelar compromissos por causa de suas enfermidades.

Estamos diante de um idoso de 85 anos que, certamente, não tem a mesma vitalidade de quando assumiu o pontificado, em 2013. Exigir uma boa forma a alguém está sempre sobrecarregado e, de quebra, ainda acumula vários problemas de saúde, é meio insano. O problema é que quem faz questão de dizer ‘que o Papa está nas últimas’, está longe de ser a pessoa que simplesmente custa em admitir que o Papa também possui fragilidades como qualquer ser humano. Essa aí, ao menos, gosta do Papa e faz votos de ad multos annos a seu reinado, além de sofrer com a ideia de perdê-lo.

Quem mata o Papa antes do tempo é o indivíduo que quer vê-lo morto desde quando ele despontou no balcão principal da Basílica de São Pedro sem ‘os tradicionais trajes de gala’, naquela noite chuvosa de 13 de março de 2013. Diante de uma multidão que aguardava, ansiosa, o Habemus Papam, Francisco assumiu o leme de uma instituição que, naquele momento, precisava aparar as arestas para libertar-se dos ‘vícios de corte’ de uma vida. Os ‘viciados’, por sua vez, se sentiram prejudicados e ameaçados.

E foi aí que tudo começou. Uma cruzada para ‘conquistar Roma’, sendo que ela só pode pertencer ao Papa.

De repente, sem que nos déssemos conta, 9 anos se passaram. Tempo suficiente para que uma corja, que se diz iluminada, ganhasse corpo (e dinheiro!). E eles trabalham dia e noite no resgate de uma ‘idade de ouro do catolicismo’ que jamais existiu, mas tem força suficiente para manter uma rede de editoras, ‘centros culturais’ e youtubers que prostituem o sentimento religioso em prol da monetização do próprio conteúdo. Não é simplesmente uma rede de fake-news, mas um projeto de desvirtuação do próprio catolicismo.

A tática é a mesma, embora alguns consigam camuflar as reais intenções, para convencer quem, ainda, é devoto do cargo que Francisco ocupa : condicionar a opinião pública (católica) a acreditar que Francisco está destruindo a Igreja Católica. E, dentro desse contexto, abreviar os dias do Papa, por meio de notícias infundadas, torna-se um cheio para impulsionar o crescimento dessas facções - sim, facções partidárias que sequer podemos chamar de religiosas, já que o sentido do re-ligare, neste caso, se esvazia completamente. Servem a Césares da política, da economia e do mundo do business, não a Deus.

A artimanha para enfraquecer a imagem do ‘pontífice que não agrada’ é antiga. A Renascença foi palco de muitos desses jogos de cena. Inocêncio XIII, Giulio II, Pio III e tantos outros que o digam. Na manifestação de uma mínima limitação física do pontífice, o grupo que almejava o trono de Pedro já estava à espreita, reverbarizando, de antemão, a figura do ‘papa quase morimbundo’, na tentativa de abocanhar a tiara. E foi aí que intensificou a tendência de informar pouco sobre as enfermidades do Papa.

Francisco rompe com essa tradição. Ele adianta essa informação aos jornalistas para evitar que os porta-vozes mal-intencionados tenham a vez. E, para completar, recheia a sua agenda ainda mais de atividades, para desespero de quem torce para que a reforma não aconteça.

E corroborar um suposto definhamento do Papa é um dos instrumentos eficazes para desestabilizar qualquer pontificado. Momento propício para que entrem os ‘pré-conclavistas’ e seus investidores diretos. Por isso o Vaticano, de certa forma, ‘se blinda’, evitando a divulgação desse tipo de informação, o que é compreensível, haja vista o contexto atual.

Sim, alguns bispos, padres e leigos querem, sim, que Francisco morra. Não sejamos ingênuos.

Estamos falando de um papa reformador, um dos poucos da história. Lidar com um pontífice que faz mudanças significa estar preparado para enfrentar uma tropa que está disposta a tudo para manter seus privilégios. Basta folhearmos as páginas amareladas da história da Igreja para vermos o quanto as reformas sempre incomodaram os grupos poderosos de turno.

Já na época que Francisco foi eleito, circularam a notícia que o pontífice argentino não poderia governar por muito tempo por causa de seu famoso problema no pulmão, embora a situação tenha sido resolvida numa mesa de cirurgia, quando ele ainda era jovem.

Em seguida, inventaram que ele estava com um tumor na cabeça, para passarem a ideia de que as mudanças que ele encabeçava seriam fruto de um distúrbio mental, provocado pela suposta doença.

Agora, atribuem a um problema de joelho - no ligamento cruzado do joelho direito, para ser mais precisa -, que, acrescentado à dor ciática que o acompanha há décadas, o impede de andar. Para um idoso nessas condições, certamente uma cadeira de rodas não deveria ser vista como um tratamento fora dos padrões. Além disso, que eu saiba, ninguém nunca morreu em decorrência de lesões em terminações ou músculos…’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1579286/2022/05/estao-matando-o-papa-francisco/

domingo, 22 de maio de 2022

São Carlos de Foucauld, rogai por nós!

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Geovane Saraiva,

jornalista, colunista e pároco

de Santo Afonso de Fortaleza, CE

 

‘Na mais viva esperança de vermos novas todas as coisas, somos agradecidos ao bom Deus pelo dom da vida do Irmão Carlos de Foucauld – místico, referencial e patrimônio espiritual para o nosso mundo cristão, na experiência do absoluto de Deus –, que foi canonizado pelo Papa Francisco no dia 15 de maio de 2022. Igualmente, somos convidados, a partir da Oração do Abandono, a levar a sério o Evangelho da Cruz, longe dos primeiros lugares, nunca perdendo de vista a conversão permanente, tendo Jesus de Nazaré, o Cristo eucarístico, como eixo da nossa vida cristã.

No mundo utilitarista, que busca os primeiros lugares e é marcado por vantagens, atitudes e comportamentos acintosos, em detrimento do bem maior e em favor da humanidade, seja no Brasil, na América e em todo o planeta, recordamos, agradecidos ao bom Deus, sobre a vida de Carlos de Foucauld, que ensinou à criatura humana – e, especialmente, aos seus seguidores – a misteriosa importância do caminho da contemplação, da oração e do último lugar.

Pensemos na radicalidade de sua vida, quando se colocou no último lugar, totalmente em harmonia com o Evangelho de Jesus de Nazaré, reservado e discreto, sem se esforçar para converter alguém, mas querendo fazer uma única coisa : ‘proclamar bem alto o Evangelho com a própria vida’. Que o nosso indulgente Deus, na solidão ou na aridez, como no exemplo do Irmão D’Foucauld, agora São Carlos de Foucauld, nos permita continuar a jornada do dia a dia, como sendo algo precioso e raro, uma dadivosa manifestação da bondade afável e terna de Deus : mérito, dom e graça.

Na canonização de Carlos de Foucauld, Deus quer se manifestar, abrindo caminhos, animando-nos com o alimento e com a água verdadeira, que, com seu próprio exemplo, fez sair água das pedras ou do rochedo e alimento do céu, matando a fome e a sede de sua esposa sedenta : a Igreja. Na travessia do primeiro deserto, nota-se que se sucedeu o mesmo na vida das pessoas, mas com sua presença no meio do seu povo, na metáfora da Igreja, representado como se fosse sua esposa, que nem sempre foi correspondida, no amor do povo de Deus.

Que São Carlos de Foucauld rogue a Deus pela humanidade nestes tempos difíceis, acompanhando-nos e abençoando-nos em nossos desertos da vida.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1578680/2022/05/sao-carlos-de-foucauld-rogai-por-nos/

sexta-feira, 20 de maio de 2022

A des-figuração do humano e a figuração do mal, no contexto da guerra

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Crianças atingidas pelo horror da guerra

*Artigo de Paulo Leandro Nogueira dos Santos


‘Há mais de cinquenta dias, o mundo acompanha, pelas mídias sociais, o horror da guerra na Ucrânia. Parece, mas, absurdamente, não é um cenário de filme de guerra : destruição, dor, morte, abuso, violência, fuga, fome, doença, massacre e tantas outras atrocidades que podem acontecer em um país e na vida das pessoas. Ou seja, ‘é um massacre sem sentido, no qual estragos e atrocidades se repetem todos os dias’, afirmou o Papa Francisco.

A decisão horrenda e atroz de invadir um país, uma nação, seja por qual motivo for – domínio, poder, economia, política –, e submeter o ser humano a uma realidade de violência e desumanização é repugnante, perversa e inaceitável, em qualquer cenário político. É importante lembrar que a guerra também está ocorrendo em aproximadamente dezessete países no mundo, porém os holofotes midiáticos se voltaram apenas para a Ucrânia. No território onde há guerras, também há massacres, há vidas de inocentes ceifadas.

O tema da guerra foi e é pensado ao longo da história por distintos autores. Carl Von Clausewitz, no tratado Sobre a Guerra (Vom Kriege), define a guerra como ‘um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade’, e o seu constitutivo em uma tríade : a violência, o ódio e a animosidade. A célebre definição clausewitziana de que ‘A guerra é a continuação da política por outros meios’ faz pensar que os meios pelos quais se fazem guerra, infelizmente, justificam um exercício violento do poder político de uma nação sobre outra. Carl Schmitt, em O conceito do político, trata de um operador da guerra : a eleição de um inimigo a ser eliminado.   

Podemos até ter a ilusão de que a instrumentalização da violência é uma ação necessária para mudar ou conquistar alguma realidade para o melhor. Contudo, não será para o bem. Hannah Arendt já nos alerta que ‘a prática da violência, como toda ação, muda o mundo, mas a mudança mais provável é para um mundo mais violento’.

Outro operador da guerra é conceito de banalização do mal, desenvolvido por Arendt.  ‘o mal nos é apresentado em personagens relativamente medíocres, que nesse sentido são ‘banais’ : são meros burocratas delinquentes, como afirma o teólogo Karl-Josef Kuschel; enfim, é o mal se apresentando por detrás da máscara de ‘pessoa do bem’ ou da guerra em vista de um ‘bem’. A banalização do mal significa a execução não questionada de um comando que vem de cima para baixo. Burocratas são aqueles que servem às formas violentas de poder, sem questioná-las, sem assumir as responsabilidades, porque só são executores. E, nesse sentido, só se faz guerra com um aparato burocrático, que banaliza a vida, à medida que não se tem responsabilidade.

Na teologia clássica, Santo Agostinho conceituava o mal como ausência do bem, isto é, aquilo que não tem substância própria. Porém, com as experiências do século XX que atentam contra a humanidade, Kuschel sinaliza para o retorno da questão teológica e antropológica : ‘questão da teodiceia : como pode o bom Deus Criador permitir o mal? E a antropodiceia : como é que as boas criaturas de Deus podem perpetrar crimes como esses?

Kuschel, ainda, apresenta-nos algumas questões para refletirmos : ‘desde os tempos de Jó, a teologia enfrenta a questão de duas faces : primeiro, como conciliar a existência do mal com a fé numa Criação boa e num Criador justo? Segundo, o que há no ser humano que o capacita a sempre voltar a cometer crimes de lesa-humanidade?’.

Se, nas religiões, o mal é um problema teológico insolúvel, a guerra é uma expressão política e social do mistério do mal, cuja finalidade é a morte, a aniquilação da existência humana. Pensar a guerra à luz do mal é voltar o nosso olhar para o ser humano, como coautor e vítima de maldade. Coautor, por causa do mau uso do livre-arbítrio. Vítima, porque o mal praticado o desfigura como pessoa. Então, vale a pergunta : como o ser humano se ‘configura’ e ‘des-configura’, no contexto de guerra?

Bem, primeiro vale considerar o quão paradoxal é, pois, de um lado, temos a pessoa enquanto promotora da paz, e, do outro, é aquela que também promove a guerra. Aqui podem-se conceber duas situações : a primeira, o humano ‘des-figurado’ da sua dignidade divina e humana; e a segunda, a ‘figuração’ do mal personificada na ação humana.

Na narrativa bíblica da criação, em Gênesis 1,26-27, ‘Deus disse : Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança… E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou.’ Ela revela que a dignidade humana se encontra também no pertencimento e na semelhança ao seu Criador, pois o homem e a mulher foram feitos à imagem e semelhança de Deus. Ora, a pessoa carrega na essência do seu ser o humano e o divino, ou seja, traz em si a divindade do Criador. O humano, mesmo com a fragilidade ou limitação da própria condição, possui uma característica que transcende a realidade.

No contexto de guerra, a centralidade, a defesa e a promoção da vida humana são desconsideradas, banalizadas, no sentido de mascaramento de bem, e, por vezes, eliminadas do objetivo maior. O maior bem é o ser humano, é a pessoa. A dor, a fome, o sofrimento, o ser forçado a deixar sua casa, terra, cultura, país, separar-se da família, ser violentado e abusado na sua humanidade e dignidade significam que o humano está ‘desfigurado’ em sua realidade original, naquilo que ele é em si.

Em Isaías 52,14, na passagem do servo sofredor, diz-se : ‘tão desfigurado estava o seu aspecto como homem, nem parecia ser humano.’ É essa condição que o ambiente da guerra impõe ao ser humano. Nem parece mais humano. Perdeu tudo. Perdeu toda a sua dignidade : a vida e o sentido. Ficamos estarrecidos ao olhar o rosto das crianças, dos idosos e das famílias transpassados pela dor e pelo sofrimento, e, com isso, estamos diante da ‘des-figuração’ do humano e do divino. Pessoas fugindo do país, outras se escondendo nos porões ou nos destroços, nas ruínas da guerra, em busca angustiante de salvar a própria vida. Estamos diante do humano que sofre dolorosamente, com pavor e angústia, no horto das Oliveiras da guerra. Jesus também sofre nos rostos dos corpos atingidos pelos ataques bélicos. Encontramos nos refugiados e migrantes, que fogem das bombas, o Cristo ‘des-figurado’ e crucificado.

Em um discurso, no estádio de Moscou, o presidente da Rússia justificou a invasão à Ucrânia, parafraseando o texto de João 15,13 : ‘não existe amor maior do que dar a própria vida pelos verdadeiros amigos’. Mas, a realidade da guerra nos mostra totalmente o contrário : desamor, atentado contra a vida, o outro é inimigo e que precisa ser derrotado, combatido, o desejo de dominar e controlar um povo. Enfim, é mais um que usa a bíblia para tentar justificar o injustificável, além de deturpar o real sentido bíblico. O dar a vida no sentido evangélico está em prol da vida e do bem maior, e jamais a favor da morte, da divisão, do sofrimento e da violência. É uma atitude nobre, de entrega a uma causa e um projeto maior que busca a salvação do outro, que tenta restabelecer ou devolver a dignidade do próximo. Isso é amor. É doar a própria vida para salvar o irmão, o amigo.

O outro aspecto que podemos relacionar é a ‘figuração’ do mal sob a ação humana. A etimologia da palavra diabo (diabollos), tradução grega da palavra hebraica Satã, significa o que separa, nega, opõe-se, acusa, aquele que engana. O teólogo Joseph Ratzinger já dizia que o diabo é a negação da pessoa, é a despersonalização, é o mal que deixa a pessoa sem identidade humana, sem rosto. Quando a ação da pessoa se direciona para a divisão, a discórdia, a mentira, a opressão, a desintegração, estamos diante do diabo, do mal personificado na ação de pessoas. Portanto, o fato de aquela figura do nosso imaginário, do demônio de chifre, horrendo, príncipe do inferno, está presente no mundo da guerra, transvertido de outra forma, concretizado a partir da ação do homem ou da mulher que atenta contra a vida, divide, desintegra o outro, oprime, mata e transforma a vida do humano em um inferno.

Existe um inferno maior do que o contexto da guerra, no qual crianças, mulheres, idosos, famílias passam pelos piores sofrimentos experimentados na vida e pelas piores dores que possam sentir? Pode até existir, contudo, na nossa realidade humana atual, este é o maior.

Alberto Caieiro, pseudônimo de Fernando Pessoa, adverte-nos para a transformação que a guerra opera : ‘A guerra, como tudo humano, quer alterar. Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito. E alterar depressa. Mas a guerra inflige a morte.

A guerra altera a vida, a rotina, a cultura, os sonhos, os projetos, o bem viver e o bem-estar, o emocional, o psicológico de uma pessoa, e, por consequência, de um povo. É uma vida aterrorizante, pois, como diz o poeta ucraniano Serhiv Zhadan : ‘nunca mais veremos rostos familiares. Somos refugiados. Vamos correr a noite toda.’

É, nesse contexto de guerra, que o humano é ‘des-figurado’, porque encontramos duas realidades como consequência de uma ação que marcará eternamente a vida humana e a história de um povo, de uma nação.

Percorremos um caminho em que a guerra foi abordada e conceituada por algumas personalidades intelectuais importantes. Passamos pelo retorno de questões, as quais a Teologia é desafiada a repensar, a partir da experiência do século XX, até o momento atual, e olhar o humano na perspectiva existencial, olhando para o jogo da palavra ‘des-figuração’ do humano e ‘figuração’ do mal. Queremos finalizar desafiando vocês, leitor e leitora, a se interrogarem : o que a guerra lhe faz pensar? Qual é o seu olhar para o ser humano?’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1578835/2022/05/a-des-figuracao-do-humano-e-a-figuracao-do-mal-no-contexto-da-guerra/

quarta-feira, 18 de maio de 2022

A 2ª busca do Jesus histórico: uma pequena introdução

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante


‘A questão do Jesus histórico teve um papel muito importante na teologia cristã, principalmente protestante, desde o século XVIII. Geralmente, essa busca é dividida em três, sendo a 1ª busca a que compreende o período de 1748-1906; a 2ª busca, a partir de 1953 até por volta de 1970 e a 3ª de 1970 até tempos atuais. Neste pequeno texto2, gostaria de falar um pouco sobre algumas linhas gerais da 2ª busca, que ficou conhecida como New Quest.

Ao longo de toda a New Quest, alguns pontos podem ser destacados como síntese desse período de busca. Em primeiro lugar, a tentativa de reaproximar o querigma do histórico. A Old Quest (1ª busca do Jesus histórico) teve um caráter totalmente científico, buscando descobrir o Jesus histórico até o ponto em que não conseguiu mais sair, tendo que assumir que não era possível recuperar a personagem histórica que procurava.

Com a teologia dialética e mais tarde a teoria bultmanniana foi dada extrema importância ao querigma, como se a questão histórica de Jesus não fosse tão importante para o cristianismo. Afinal, para que saber sobre o Jesus histórico, se o que nos salva é o crer e compreender a palavra de Deus que vem ao nosso encontro através do Cristo do querigma? Ironicamente, os que contrapõem a ideia bultmanniana são os discípulos dele. Käsemann e outros alunos de Bultmann iniciam a construção dessa ponte entre a primeira busca e a escola bultmanniana.

Para esses teólogos da New Quest, não era possível conceber um Cristo que fosse somente uma ideia, um ideal de homem que havia sido construído por quem andou com certo judeu da Galileia. Assim, sustentavam a tese que o querigma não se sustentava sozinho, antes, que era fruto das interpretações daqueles que haviam ouvido e visto os ditos e atos de Jesus. A essa cristologia que surge deu-se o nome de cristologia implícita. Segundo Bueno de la Fuente, há indícios para falar de um cristologia implícita nos tempos pré-pascais, tais como a vinculação do Reino com o ministério de Jesus, a sua relação com o Pai, a autoridade que emana de sua atuação (BUENO DE LA FUENTE, 2002, p.62).

Os expoentes da segunda busca tinham em mente que, no discurso de Jesus, percebiam-se traços que não faziam parte do judaísmo antigo, nem do cristianismo primitivo e, por esse motivo deveriam ser considerados como dignos de confiança para um historiador honesto, bem como que, em Jesus se percebe como que o geminar da fé que haveria de estar presente naqueles que aceitariam o querigma, primeiramente.

A segunda busca do Jesus histórico não deve nunca ser vista como um momento isolado dentro da temática acerca do Jesus histórico. Ela nasce como uma reação às teses de Rudolf Bultmann que tentava desvencilhar a personagem histórica daquilo que se seguiu a ela. A segunda busca colocava, então, essa personagem histórica como o fundamento do anúncio do Evangelho, uma vez que esse anúncio tem como base a própria vida de Jesus. Assim, segundo os diversos autores da segunda busca, pensar em um Cristo sem história, seria algo descabido para uma fé que busca dar razões de sua esperança.

A segunda busca do Jesus histórico se mostra, então, como momento de conciliação entre uma preocupação historiográfica e biográfica, típica da primeira busca do Jesus histórico, ocorrida nos séculos XVIII a XX, e o anúncio do Cristo da fé, fruto da experiência cristã dos primeiros discípulos, que se baseia em um ser histórico, que foi Jesus de Nazaré, o que mostra a grande contribuição que esta segunda busca trouxe para a teologia sistemática atual, no que tange à temática do Jesus histórico e do Cristo da fé.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1578597/2022/05/a-2-busca-do-jesus-historico-uma-pequena-introducao/

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Sete dicas para um sacerdócio mais alegre

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Padres colocam as mãos na cabeça de padres recém-ordenados durante uma missa de ordenação celebrada pelo Papa Francisco na Basílica de São Pedro, no Vaticano, em 12 de maio de 2019
 

*Artigo do Padre Damian J. Ference,

Diocese de Cleveland, Ohio (USA)

Tradução  : Ramón Lara


‘Entre 2013 e 2019 na paróquia de Santa Maria em Hudson, Ohio, sete homens foram ordenados ao sacerdócio, em sete anos consecutivos. Esta paróquia foi minha primeira missão sacerdotal, por isso conheci cada um desses homens e vi como sua formação na fé era um verdadeiro esforço comunitário. Durante meus anos na paróquia, de 2003 a 2007, trabalhei lado a lado com um ministro de jovens incrivelmente talentoso e fiel e sua equipe central altruísta, tive o apoio de um pastor baby boomer maravilhoso e de mente aberta e experimentei o empenho orante e zeloso de toda uma paróquia para fazer jovens discípulos e ajudá-los a encontrar suas missões no mundo.

O que eu trouxe para essa mistura não foi perfeição sacerdotal, elegância litúrgica ou gênio administrativo, mas a alegria de um pecador que o Senhor olhou. Eu nunca diria que sou a única razão pela qual esses sete homens são padres hoje – é claro que todos eles têm suas próprias histórias e influências únicas – mas acho que ajudou a grande alegria que minha própria vocação como padre me deu. Assim, durante meu tempo como vigário paroquial, pude dar um alegre testemunho do sacerdócio que era humano e, portanto, acessível e imitável. Também acho que minha própria alegria ajudou os pais desses jovens a se preocuparem menos com a possibilidade de seus filhos se tornarem padres.

A alegria é um dom, e eu a experimento com frequência. No entanto, admito prontamente que às vezes fico muito cansado, muito fraco, muito preguiçoso ou muito orgulhoso, e perco minha alegria. No entanto, descobri que, se estiver ativa e intencionalmente engajado nas sete práticas a seguir, sou mais capaz de sustentar essa alegria. Essas sete práticas não são exclusivas dos sacerdotes, mas escrevo sobre elas no contexto do sacerdócio porque é o que conheço nos últimos 19 anos. Adapte-os à sua própria vida como achar melhor, porque a maior evangelização que podemos oferecer é uma Igreja alegre.

Rezar

Em sua primeira Carta Apostólica, ‘A Alegria do Evangelho’, escreve o Papa Francisco, ‘convido todos os cristãos, em todos os lugares, neste exato momento, a um encontro pessoal renovado com Jesus Cristo, ou pelo menos uma abertura para deixá-lo encontrá-los. Peço a todos vocês que façam isso infalivelmente todos os dias.’ Este convite é tão básico e tão óbvio que pode ser facilmente ignorado ou esquecido, mesmo (e especialmente) pelos sacerdotes.

Pela nossa ordenação, os sacerdotes são ligados a Cristo de uma forma única e são chamados a liderar pela palavra e pelo exemplo, particularmente no cultivo de uma vida de oração. Mas quando a vocação de alguém é ser um profissional em oração, pode ser tentador de vez em quando – na missa, na oração do Ofício, ou mesmo durante as devoções pessoais – ligar o piloto automático. Escrevo por experiência. As distrações abundam, e se eu não estiver atento para reconhecer essas distrações e intencionalmente rezar com elas ou através delas, esse encontro pessoal diário renovado com Jesus Cristo que é essencial para um sacerdócio alegre se perde.

Orar bem é um trabalho árduo e exige disciplina. Mesmo simplesmente dizer a Jesus : ‘Senhor, estou cansado’ ou ‘Senhor, preciso de você’ e depois ouvir sua resposta exige tenacidade e humildade, cujos frutos são a alegria. Mas um padre que não leva a sério a oração, mesmo a mais simples, não pode esperar seriamente ser alegre.

Mantenha amizades fortes

Aristóteles escreve que todos querem amigos e que ninguém quer ficar sem amigos, e ele está certo. Jesus Cristo, que é como nós em todas as coisas, exceto no pecado, tinha amigos. O Papa Francisco reivindicou o dia 29 de julho como o Dia dos Santos. Marta, Maria e Lázaro, celebrando três dos amigos mais próximos de Jesus. (Por um tempo, era apenas o dia de Santa Marta.) Os Evangelhos nos dizem que Jesus também era íntimo de Pedro, Tiago e João, para não mencionar a grande Maria Madalena.

Como Jesus, um sacerdote alegre terá boas amizades, tanto com irmãos sacerdotes como com leigos e leigas. Os padres precisam de amigos com quem possam compartilhar suas vidas, pessoas em quem possam confiar e que possam confiar neles. Tomás de Aquino observa que os amigos nos ajudam a carregar nossos fardos - eles compartilham nossas cruzes, como Simão de Cirene - e ele acha que a visão de um amigo nos lembra que somos amados. Quão verdadeiro. Meus faleceram, e venho de uma família pequena. Posso dizer sem exagero que não conseguiria ser padre sem meus amigos. Eles me trazem muita alegria.

Abrace sua humanidade

Uma das mudanças mais drásticas na vida é passar de seminarista a padre. Mesmo com a melhor formação do seminário, é difícil se preparar para aquele dia em que você será visto como uma das pessoas mais misteriosas do mundo – vestindo roupas estranhas, escolhendo não se casar, celebrando sacramentos, pregando para companheiros pecadores e ser convidado por pessoas para as partes mais importantes de suas vidas : casamento, nascimento, lutas com o pecado, sofrimento, doença e morte. Algumas pessoas gostam de você porque você é um padre, e outras pessoas o desprezam por causa disso, mas rara é a pessoa que não pensa nisso. É importante lembrar que antes de um homem ser padre, ele é um homem, um ser humano.

Os sacerdotes mais alegres que conheço abraçam sua humanidade; não fogem disso. Gostam de uma boa refeição, de uma boa bebida, de bons amigos, de boa música, de um bom romance, de uma boa arte, de uma boa caminhada. E riem muito. É verdade que o sacerdócio é um assunto sério, mas também é um assunto humano. Os padres mais alegres parecem ser os caras que falam na mesma voz, quer estejam no colarinho, na academia ou de férias. Eles não lideram com seu ofício, mas com sua humanidade e, por sua vez, levam os outros a considerar a alegria da Encarnação e a beleza e o mistério do sacerdócio.

Faça amizade com pessoas que o deixam desconfortável

Jesus ama os pecadores. Como somos todos pecadores (reconhecemos isso no início de cada Missa) essa realidade deve nos consolar. No entanto, com o tempo, torna-se fácil esquecer. Nós, sacerdotes e leigos, muitas vezes caímos na armadilha de nos cercar principalmente de pessoas que acreditam no que acreditamos e pensam o que pensamos. Essas pessoas nos fazem sentir seguros e confortáveis. Mas os Evangelhos testificam que, embora Jesus tivesse um bom círculo de amigos em quem se confortava, também se confortava em estar com aqueles que estavam à margem da sociedade, incluindo pecadores e cobradores de impostos. Jesus foi até eles porque os amava e sabia que seus corações foram feitos para ele. Ao amar o pecador, Jesus abrandou o coração do pecador para a conversão, que acabou virando alegria. Sacerdotes alegres nunca esquecem que Jesus os amou primeiro como pecadores e continua a fazê-lo. E então eles fazem o mesmo para os outros.

Respeite a dignidade de todas as pessoas

(mesmo, especialmente daquelas que o incomodam). Quando eu era seminarista, compartilhei as mesmas graças do sacerdócio e da mesma diocese com o reitor do meu seminário. Mas nossas visões do mundo e da Igreja eram muito diferentes. Eu nem sempre gostei dele, mas eu o amava. Quando morreu, tive a honra de concelebrar sua missa fúnebre, e acredito que ele teria feito o mesmo por mim. Se o coração está cheio de ódio, não há espaço para alegria. A maioria de nós tem pessoas em nossas vidas que ficam sob nossa pele. Isso está ok. Amar as pessoas de quem nem sempre gostamos é uma maneira de lembrar que todos contam, todos importam, mesmo e especialmente aqueles que são difíceis de amar. A alegria que vem de amar pessoas com quem nem sempre nos damos bem é real e contagiante.

Assuma riscos

Quando fui mandado para estudar o doutorado, imaginei que, ao retornar a Cleveland, lecionaria em nosso pequeno seminário universitário pelos próximos 10 anos, pois esse era o plano original. Alguns meses antes da minha defesa de doutorado, meu novo bispo me surpreendeu ao me pedir para assumir um novo cargo como seu vigário para a evangelização. Eu disse sim, mas realmente não sabia ao que estava dizendo, pois ainda não havia uma descrição do trabalho. Meu bispo me disse para ser imaginativo e criativo e ajudá-lo a concentrar todos os esforços de nossa diocese na evangelização. Sem saber o que estava fazendo, tive grande conforto nas Estações da Cruz, especificamente no fato de Jesus ter caído três vezes no caminho do Calvário. Há muita pressão para que tudo seja perfeito no ministério, mas a Paixão de Jesus fazia parte de seu ministério, e suas três quedas são um lembrete de que nós também cairemos. Nem tudo que tento como padre vai funcionar, mesmo com o melhor planejamento. Mas o Senhor recompensa aqueles que se arriscam pelo seu Reino. A recompensa é um coração alegre.

Deixe Jesus operar a salvação

Talvez a maior ameaça à alegria de um padre seja a tentação de se ver como o Salvador. O Pai deve consertar tudo, melhorar tudo, curar todas as feridas e curar todos os doentes, isso para não falar de equilibrar o orçamento, consertar o telhado e fazer boas homilias. Sacerdotes alegres tiram seu dia de folga, tiram férias, fazem seu retiro anual e reservam tempo para leitura e exercícios. Ao fazê-lo, modelam para seu povo o lugar adequado para oração e lazer na vida humana e lutam contra a tentação do vício em trabalho, que afeta muitos. Um sacerdote alegre lembra que Jesus é Senhor e Salvador.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1578422/2022/05/sete-dicas-para-um-sacerdocio-mais-alegre/

sábado, 14 de maio de 2022

Lembrar-se de Deus: um desafio para tempos de prosperidade

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘É extremamente bem conhecida no meio cristão a história do povo de Israel e seu êxodo do Egito. Há diversos quadros espalhados em diversas casas que tentam retratar a passagem do mar dos juncos, ou ainda a peregrinação do povo de Israel pelo deserto.

Há também um cabedal enorme de pregações e reflexões a respeito dessa temática. Em uma busca simples na internet é possível encontrar milhares de textos, áudios, vídeos de alguém falando sobre essa narrativa que marca a história do povo de Israel, bom como a forma como Deus, no judaísmo e no cristianismo, ficou conhecido, ou seja, como Deus que se manifesta na história e tem nela o seu lugar de atuação.

Um dos textos que considero muito interessante em todo esse percurso do povo pelo deserto se encontra em Deuteronômio 8, nos versículos 17 e 18. Em seu contexto imediato, o povo está em vias de atravessar o rio Jordão para entrar na terra de Canaã. Antes disso, porém, Javé dá diversas instruções ao povo sobre aquilo que deveria se guardar ao entrar na terra prometida.

Duas delas se encontram nos versículos 17 e 18 desse mesmo capítulo. O texto diz : ‘Não vais dizer a ti mesmo : ‘Foi pela força do meu punho que cheguei a esta prosperidade’, mas lembra-te de que o Senhor, teu Deus, é quem te terá concedido força de aceder à prosperidade, para confirmar sua aliança jurada a teus pais, como hoje se vê’.

Claramente, vê-se duas instruções : 1 – não considerar que foi a própria força do povo que a fez entrar na terra; 2 – lembrar-se de que a força necessária para atingir o objetivo veio da parte de Javé.

Essas instruções podem, tranquilamente, se quisermos, serem trazidas para nossos dias, visto ser muito comum vermos pessoas cristãs que se exaltam por ter conseguido algum sucesso e se consideram os únicos responsáveis por ele, como se toda força, inteligência, oportunidade necessárias tivessem partido somente dela. Numa espécie de ‘eu contra o mundo’, tais pessoas pensam piamente que tudo que possuem é fruto somente de seu esforço, ignorando todas as outras variáveis no processo, bem como os diversos suportes recebidos de familiares, amigos, igreja, e, no caso cristão, a própria bondade de Deus na concessão da vida.

Quando olhamos para o relacionamento que muitos estabelecem com o tema da salvação no cristianismo, tal dinâmica, em muitos casos, não se mostra tão diferente assim. Há diversas pessoas que se dizem cristãs que se consideram merecedores da salvação. Consideram seus atos e sua conduta tão maculada que serem salvas é quase um dever divino, ou um justo pagamento pela forma como viveram sua vida na Terra. Como consequência, consideram-se mais dignos do que outros e ao mesmo tempo, elevam-se ao cargo de sommelier da salvação mundial. Em outras palavras, pensam que é o seu braço forte que conquistou para si essa salvação e se esquecem de que, a partir de Jesus, não há nada que possamos fazer para sermos salvos, sendo tal salvação algo que vem pela graça, como dom, a ser aceito pela fé.

Lembrar-se de Deus é difícil em momentos de prosperidade, mas é justamente quanto a isso que o texto de Deuteronômio nos chama a atentar-nos. Na perspectiva bíblica, tudo que é bom vem de Deus e é sua misericórdia que nos permite, até mesmo, levantar-nos pela manhã. Assim, toda soberba se mostra sem sentido, sendo a manifestação do não reconhecimento da nossa real posição diante de Deus.

Obviamente, nem o texto do Deuteronômio, nem os textos do Novo Testamento incentivam a preguiça, numa espécie de que não se deve fazer nada para alcançar aquilo que se deseja, porque Deus concederá todas as coisas. Quem prega algo do tipo, claramente não compreendeu o texto bíblico.

Devemos, sim, esforçar-nos e fazer o que está em nosso alcance para alcançar nossos objetivos nesta vida. No entanto, não devemos nos esquecer de que, numa perspectiva bíblica, toda força, sabedoria e inteligência vêm de Deus, de maneira que toda soberba deve ser evitada, reconhecendo que pela graça e misericórdia de Deus vivemos, nos movemos e existimos neste mundo.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1577903/2022/05/lembrar-se-de-deus-um-desafio-para-tempos-de-prosperidade/