Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘A
emergência humanitária no Iêmen, que está fazendo milhões de pessoas passar
fome, foi lembrada pelo Papa em muitas ocasiões, mas esquecida pelo mundo e por
aqueles que estão cansados de ouvir falar sobre o conflito. A consideração está
no centro de uma entrevista ao Vatican News concedida pelo bispo Paul Hinder,
que ocupou o cargo de Vigário Apostólico da Península Arábica por mais de uma
década, e cuja demissão por causa do limite de idade foi aceita pelo Papa no
domingo 1º de maio. Os números do país são trágicos : de uma população de 31,9
milhões de pessoas, 23,4 milhões necessitam de assistência humanitária, de
acordo com a ONU. 17,4 milhões, ou mais da metade do total, estão em grave
insegurança alimentar, e 2,2 milhões de crianças correm perigo de vida.
O
bispo nascido na Suíça, e que fez 80 anos há uma semana e supervisionou a
primeira viagem de um Papa à Península Arábica em 2019 com a histórica primeira
missa celebrada para seus fiéis em cerca de 1.400 anos, discute seja dos frutos
dessa viagem seja da fase atual no Iêmen, onde a trégua acordada no início de
abril está prestes a expirar sem nenhuma certeza para o futuro :
Dom
Paul Hinder, mesmo que todas as partes em conflito no Iêmen tenham concordado
com uma trégua de dois meses, que está prestes a expirar, qual é a situação no
Iêmen?
Espero
que a trégua seja o início de negociações sérias, pois tenho a impressão de que
as partes estão um pouco cansadas da guerra e perceberam que ela não pode ser
vencida no terreno. Eles têm que encontrar outra maneira, e esperamos que
funcione. Mas as negociações não resolvem todos os problemas. Temos que
considerar como reconciliar as diferentes facções dentro do país para que não
haja bolsões de resistência que possam retomar o fogo a qualquer momento. Esse
é outro problema.
Muitos
interesses estão alimentando esta guerra. A comunidade internacional está em
silêncio sobre o Iêmen. O Papa fez vários apelos. Por que esta questão está
ausente da mídia? De uma perspectiva internacional, o que pode ser feito além
do fornecimento de ajuda humanitária?
Acho
que isso tem em parte a ver com a inflação da informação e o fato de que as
pessoas estão simplesmente cansadas de ouvir as mesmas notícias repetidas
vezes. Internacionalmente, o Iêmen tem sido discutido no Conselho de Segurança
da ONU e na Assembleia Geral da ONU, mas relativamente pouco tem acontecido. A
missão especial da ONU também fez o seu melhor, mas, no final, houve poucos
resultados. Quem é responsável por isto é muito difícil de dizer. Naturalmente,
há vários protagonistas : a Arábia Saudita com seus aliados. Existe o Irã.
Existem questões internas : tribais, interesses políticos, interesses
econômicos. Em termos teológicos, também temos que levar em conta o diabo que
está sempre presente para ser um causador de problemas. Isto me faz refletir
mais sobre a importância do poder da oração, como Jesus nos disse. Sabemos como
rezar.
O
que pode ser feito para ajudar a emergência alimentar e a desnutrição que
afetam o país?
Eu
vejo principalmente dois aspectos. Um deles é tentar estabelecer corredores de
transporte seguros para que os alimentos e a ajuda possam ser levados para os
lugares e regiões críticas. Em segundo lugar - isto talvez seja
igualmente, se não mais importante - assim que houver um cessar-fogo mais longo
e, se possível, uma paz subsequente, o país precisa voltar à produção. Há
possibilidades. O Iêmen é um país pobre, mas há possibilidades de produzir
alimentos dentro e para o país. Entretanto, uma guerra contínua coloca toda a
produção interna em risco, como aconteceu aqui no Iêmen e também na Ucrânia. No
Iêmen tem sido assim há anos. Temo que agora com a guerra na Ucrânia a situação
se torne ainda mais grave, pois sabemos que a Ucrânia é um dos principais
produtores de grãos e indiretamente de alimentos para diferentes partes do
mundo. E o que acontecerá se eles não puderem plantar as sementes e prosseguir
com a produção por causa da guerra?
Qual
é o valor dos apelos do Papa por guerras esquecidas, como os que ele fez pelo
Iêmen? Existe uma forma de continuar a trégua ou o que deve ocorre quando ela
expirar?
A
voz do Papa é ouvida, mas agora estas guerras esquecidas são de pouco
interesse. O Iêmen está para muitos realmente na periferia do mundo, ainda que
estrategicamente seja um lugar importante. As pessoas só pensam no Iêmen quando
o Canal de Suez está bloqueado e os suprimentos da Ásia e da África não
circulam mais como antes. Depois eles ficam assustados. Há uma população de
mais de 30 milhões de pessoas sofrendo em um país antigo e belo. Em outras
partes do mundo, isto é muitas vezes esquecido porque outros conflitos estão
mais próximos do coração das pessoas e também da mídia. Eu mesmo falei com o
Santo Padre sobre o comércio de armas e como reduzir este potencial de conflito
e violência. Ele deve ser escutado e as pessoas devem segui-lo. Também estou
profundamente convencido de que há pessoas na Ucrânia que se beneficiam de toda
a produção de armas. Muitos não estão nem mesmo particularmente interessados no
verdadeiro propósito da guerra. Esta é a tragédia de toda a história humana.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-05/hinder-iemen-periferia-esquecida-do-mundo.html
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