Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo da Irmã Maria del Prado Fernández Martin,
Missionária Comboniana
Jubileu das irmãs
missionárias combonianas
‘Daniel
Comboni fundou a Congregação das Irmãs Missionárias Combonianas a
1 de Janeiro de 1872, embora muitas pessoas naquela época pensassem que o
missionário era louco. Não consideravam que fosse possível que as mulheres
pudessem embarcar nesse projeto porque, até então, elas mal tinham estado
envolvidas na obra evangelizadora. O seu destino era o claustro ou a família.
Cerca
de quinze anos antes, em 1857, Comboni embarcara pela primeira vez numa
expedição ao Sudão. Eram tempos difíceis porque a Propaganda Fide queria
relançar a missão na África Central, apesar do alto custo em vidas humanas. Na
realidade, em menos de um ano, um dos companheiros de Comboni morreu e os
outros quatro tiveram de regressar a Itália para não serem enterrados no Sudão.
Esta experiência de fracasso marcou-o. Nesses dias, algumas instituições
pagavam o resgate dos escravos para os educar na Europa, pensando que poderiam,
posteriormente, regressar aos seus próprios países para evangelizar o seu povo.
Mas o frio e outros problemas fizeram com que houvesse uma elevada taxa de
mortalidade entre os africanos que viviam na Europa, enquanto os missionários
que iam para África não conseguiam suportar o calor e as febres e morriam
rapidamente.
O Plano
Em
1864, sete anos após a sua primeira experiência africana, Comboni estava a
rezar no túmulo de São Pedro em Roma quando teve uma inspiração. Trancou-se no
seu quarto durante três dias para escrever o que lhe passava pela mente e pelo
espírito. O documento que surgiu foi o Plano para a Regeneração da África, que
tinha como eixo central o conceito de «salvar África com África». Entre
as ideias que apareceriam nessas páginas estavam três que foram revolucionárias
para a época. Em primeiro lugar, apontava para a necessidade da formação de um
clero local. Não se devia continuar o sistema de formação de padres africanos
na Europa, porque a realidade tinha mostrado que este modelo era insustentável.
Em segundo lugar, sublinhou a necessidade de formar os leigos. E, finalmente,
reconheceu o papel das mulheres e a sua importância no apostolado missionário.
Se estas ideias não se materializassem, afirmava, as missões africanas estavam
condenadas ao fracasso.
Quando
as coisas pareciam estar claras, os apoiantes de Comboni viraram-lhe as costas,
argumentando que não podiam suportar tantas perdas humanas e, por isso,
abandonaram a missão da África Central. Foi o Cardeal Barnabò que o aconselhou
a fundar um instituto missionário. A partir daí, a vida de Comboni tornou-se um
constante ir e vir entre a Europa, o Egito e o Sudão. Comboni tinha um lema que
o guiava e encorajava, «África ou morte», e com esta ideia em mente
fundou em Verona (Itália), a 1 de Junho de 1867, uma congregação masculina, o
Instituto Missionário para a África, atualmente os Missionários Combonianos.
No
mesmo ano organizou uma expedição missionária ao Sudão na qual, pela primeira
vez, foi acompanhado por dezesseis ex-escravas e três religiosas francesas de
S. José da Aparição, a segunda congregação missionária feminina na história da
Igreja, fundada por Emilie de Vialar em 1832. Mas Comboni sabia que estas
religiosas não o acompanhariam para sempre na missão africana. E assim sucedeu,
pois, doze anos mais tarde, elas retiraram-se do Sudão. Perante esta realidade,
Daniel Comboni insistiu na ideia de fundar ele próprio uma congregação de
mulheres.
Nascimento do Instituto
No
dia 1 de Janeiro de 1872, Comboni fundou o instituto feminino, a que chamou Pie
Madri della Nigrizia (Pias Mães da Nigrícia), hoje Irmãs Missionárias
Combonianas, e que foi o primeiro instituto missionário feminino em Itália.
A
Marietta Caspi, a primeira candidata, uniu-se dias depois outra jovem, Giuseppa
Scandola. Dois anos mais tarde, duas mulheres que seriam os pilares
fundamentais da congregação : Teresa Grigolini, que ingressou no instituto a 23
de Janeiro de 1874, e Maria Bollezzoli, que chegou em Setembro do mesmo ano, e
que se tornou a primeira madre-geral, escolhida por Comboni para orientar o
instituto que estava a dar os primeiros passos. Dela o fundador diria : «Encontrei
a mulher de que precisava.»
A
Ir. Elisabette Raule, missionária comboniana italiana e médica, com pacientes
no hospital de Alua, Moçambique
O
vicariato apostólico
O
ano de 1877 foi muito importante na vida de Comboni, porque a 2 de Julho foi
nomeado vigário apostólico da África Central. Um mês depois, a 12 de Agosto,
foi ordenado bispo em Roma e, a 15 de Dezembro desse ano zarpou de Nápoles com
três sacerdotes, seis irmãos e cinco missionárias – Teresa Grigolini, Marietta
Caspi, Maria Giuseppa Scándola, Vittoria Paganini e Concetta Corsi. Partiram
com uma caravana diretamente para o Sudão. Viajaram por mar, atravessaram o
deserto em camelos durante catorze horas e dormiram na areia até chegarem a
Cartum dois meses mais tarde. Comboni estava convicto : se não houvesse
mulheres nas missões africanas, elas não poderiam continuar e estariam
condenadas ao fracasso.
Apostolado
africano
O
fundador tinha imensa confiança nas mulheres. Sabia que nessa altura não tinham
muita formação, mas ele educou-as para a missão, acompanhou-as como um pai,
guiou-as e levou-as para o apostolado africano. Em 1878 escreveu : «O
vicariato da África Central é o mais extenso e mais laborioso; aqui o trabalho
da irmã é um sacerdócio. Nos locais onde elas se encontram, a missão é sólida.»
E noutra carta a uma irmã religiosa afirmou : «Eu fui o primeiro a fazer com
que colabore no apostolado da África Central o onipotente ministério da mulher
do Evangelho e da irmã da caridade, que é o escudo, a força e a garantia do
ministério do missionário.» Atualmente, a presença feminina na missão
supera em muito a masculina. Mas esta afirmação de São Daniel Comboni, naquela época,
não foi bem compreendida.
Em
Julho de 1880, Fortunata Quascé, uma sudanesa originária da Núbia, iniciou o
seu noviciado em El Obeid. Mais uma vez, Comboni superou os estereótipos ao
acolher uma mulher africana no seu instituto.
As
Mães da Nigrícia não eram monjas, mas missionárias, e isto era algo sobre o
qual o próprio Daniel Comboni era muito claro. Para ele, os seus religiosos
tinham de ter uma espiritualidade e uma formação orientadas para a missão e
forjadas por ela. Alguns meses antes da sua morte, escreveu ao P. Giuseppe
Sembianti, reitor dos dois institutos missionários para a Nigrícia : «[Os
institutos] prepararão missionários e irmãs verdadeiramente santos, mas não
santarrões, porque a África não precisa de beatos, mas de almas valentes e generosas,
que saibam sofrer e morrer por Cristo e pelos negros.»
A
irmã comboniana portuguesa Dorinda Cunha no Sudão do Sul
A cruz e o crescimento
Comboni
assistiu com tristeza à morte de uma das suas primeiras missionárias, Maria
Bertuzzi, que tinha acabado de chegar ao Sudão, em 1880. Morreu em El Obeid com
a idade de 21 anos. Presenciou também a morte da primeira candidata, Marietta
Caspi, em Maio do mesmo ano.
Comboni
tinha atravessado o deserto oito vezes, e isto só podia ser suportado por
pessoas de grande força e fé, mas as dificuldades, a fome e a febre também o
fizeram sucumbir. Morreu aos 50 anos de idade, a 10 de Outubro de 1881. Pouco
antes disse : «Eu morro, mas a minha obra não morrerá.» Nessa altura, as
Irmãs Missionárias Combonianas eram 22, das quais 15 já se encontravam em
África – no Egito e no Sudão – e as restantes em Verona.
Os
anos que se seguiram foram anos de grande sofrimento. Entre 1881 e 1899, a
guerra madista [Muhammad Ahmad bin Abdullah (mais tarde Muhammad al-Mahdi)
chefiou desde 1881 um movimento religioso, político e militar contra o Quediva do
Egito, que governou o Sudão desde 1821] destruiu tudo o que os missionários
tinham criado com tanto esforço e sacrifício. Alguns leigos, padres e
religiosas puderam fugir para o Egito, mas dezesseis deles foram feitos
prisioneiros. Sofreram todo o tipo de perseguição e alguns sucumbiram às
privações. Tudo parecia condenado à ruína. Contudo, poucos anos após o fim da
rebelião madista, os missionários regressaram ao Sudão, provando que o espírito
do fundador, a sua paixão por África e pelo Evangelho não tinham diminuído.
Entre
1930 e 1960, a congregação espalhou-se por outros países africanos, chegou aos
Estados Unidos e à América Latina, entrou no Médio Oriente e estendeu-se pela
Europa.
Na
sua história recente, as Irmãs Combonianas viveram a expulsão do Sudão em 1964,
a rebelião Simba no antigo Zaire no mesmo ano, e as consequências das guerras
na República Democrática do Congo. A Irmã Liliana Rivetta morreu em fogo
cruzado em 1981 no Uganda, enquanto a Irmã Teresa dalle Pezze foi vítima de uma
emboscada em Moçambique em 1985.
Sonhar
o futuro
A
Igreja Católica está no meio de um processo de reflexão sobre a sinodalidade, o
tema do Sínodo dos Bispos de 2023. Ao observar a figura de Comboni, vemos que,
embora incompreendido, estava à frente do seu tempo. No seu carisma e projeto
missionário já estava presente esta perspectiva de comunhão eclesial e de
caminho feito em conjunto.
Hoje,
a paixão pela missão de Daniel Comboni continua a inflamar e inspirar uma
família missionária que inclui sacerdotes, irmãos, irmãs e leigos de ambos os
sexos. Ele tinha razão quando disse : «Eu morro, mas a minha obra não
morrerá.»
As
Missionárias Combonianas, o instituto feminino que Comboni fundou há 150 anos,
embora não sendo muito numeroso, está presente nas periferias do mundo. As
Irmãs Combonianas estão junto dos mais pobres e abandonados e, fazendo caminho
com essas comunidades, comprometem-se ativamente na construção de um mundo
melhor.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/724/um-seculo-e-meio-de-missao/
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