Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
jornalista
‘A
Irmã Bertilla Capra, missionária da Imaculada Conceição, italiana da região de
Bérgamo, chegou em Junho de 1970 a Andhra Pradesh, o seu primeiro destino
missionário. Tinha 32 anos. «A minha vocação para a missão surgiu ao ler as
revistas missionárias», conta. «Posteriormente, ingressei nas
Missionárias da Imaculada. Antes de partir frequentei um curso de
especialização sobre o cuidado de leprosos em Fontilles, Espanha. Não obstante,
o impacto com a realidade da Índia, e com os leprosos em particular, foi muito
difícil.»
Alguns
meses depois teve outra experiência igualmente forte. Em 1971, a guerra
ensanguentou o país vizinho, o Bangladesh, e milhares de refugiados abandonaram
o país e dirigiram-se para a Índia. A Irmã Bertilla mudou-se para Calcutá, onde
viveu essa experiência de acolhimento ao lado da Madre Teresa, que se
encontrava na linha da frente ajudando aqueles que tinham perdido tudo. «Trabalhei
com ela e as suas irmãs na altura da epidemia de cólera», recorda a
missionária da Imaculada Conceição. «Nesses meses em Calcutá a situação era
dramática, não podíamos sequer contar os mortos. Nunca mais voltei a ver nada
parecido na minha vida. A Madre Teresa era uma mulher fisicamente frágil, mas
mesmo nessas situações extremas ela estava cheia de tanta luz.»
Depois,
regressou a Eluru, na Índia rural, para continuar o seu labor com os doentes de
lepra e os seus filhos, que tinham sido alojados num albergue especial. «Como
tinham nascido nas colônias de leprosos – recorda –, não era prudente que eles
permanecessem lá. Era importante que tivessem a oportunidade de crescer de
forma saudável, fora desse ambiente.» Em 1981, foi coordenar o Centro
Dermatológico Vimala, um centro de saúde que a sua congregação religiosa abriu
nos imensos subúrbios de Bombaim. É nesse lugar onde diariamente continua a
trabalhar.
Cuidar
dos leprosos
Entretanto,
muitas coisas mudaram no tratamento da lepra : «Quando cheguei pela primeira
vez a esta zona de Bombaim – explica –, as irmãs que abriram o Centro em 1979
tinham identificado entre doze e treze mil leprosos na área. Hoje em dia,
existem apenas algumas centenas de casos.» Este é o resultado dos grandes
avanços que se deram no campo da medicina : a lepra é agora uma doença que pode
ser curada mais facilmente, com medicamentos que se adquirem com relativa
facilidade e, se forem tomadas medidas a tempo, as deformidades no corpo podem
ser evitadas. No entanto, a luta contra a lepra ainda requer muitos esforços de
controle e prevenção.
«Continuamos
a realizar campanhas de sensibilização entre a população que nos foi confiada
pelo Governo nesta pobre periferia da imensa cidade de Bombaim», afirma a
irmã Bertilla. «Fizemos um bom trabalho : hoje somos capazes de manter a
doença sob controle. Temos de considerar que chegam a esta metrópole pessoas oriundas
de todas as partes da Índia; é fácil que haja casos ocultos, porque a lepra não
se manifesta com sintomas imediatos. É uma doença bastante latente : o período
de incubação é longo, começa com pequenas manchas que os agentes sanitários e
as pessoas podem reconhecer facilmente.»
Atualmente,
o Centro Vimala alberga cerca de sessenta pacientes, homens e mulheres, e tem
um pequeno albergue com cerca de dez crianças que, de formas diferentes,
contactaram com esta doença nas suas famílias. Cuidar dos doentes implica
também cuidar desses menores.
Lepra
e covid-19
A
missionária pensa que na periferia de Bombaim a lepra é uma doença que será
difícil eliminar completamente. «Não creio que possa ser erradicada»,
afirma a missionária da Imaculada Conceição. «Deve ser controlada, e é isso
que estamos a fazer. Com o nosso pessoal paramédico percorremos as áreas que o
Governo nos atribuiu : ensinamos as pessoas a reconhecer os sintomas e
explicamos a quem devem recorrer caso tenham dúvidas ou precisem de apoio.
Porque o importante é tratar a doença logo que se identifica. É a única maneira
para deixarmos de ter casos em que o corpo fica desfigurado. Podemos
consegui-lo se controlarmos a situação no território», explica a Ir.
Bertilla.
Esta
é também a chave para ajudar a superar o estigma social que sempre acompanhou a
lepra, como os Evangelhos nos relatam. «A lepra e a sua estigmatização são
duas coisas que estão relacionadas» – continua a missionária. «É penoso
ver uma pessoa deformada com a lepra em estado avançado e as pessoas no carro
afastarem-se dela, mas é uma reação humana. Outras vezes, são os próprios
doentes de lepra que se retiram para os guetos dos bairros-de-lata porque não
querem ser vistos nesse estado. Por esta razão, é muito importante esclarecer
que a lepra não é uma maldição, mas uma doença, curável como muitas outras
doenças. Temos de lhes dizer que, quando é diagnosticada e tratada no início,
não causa danos permanentes. Temos de prosseguir neste caminho com muita
paciência.»
A
Índia enfrenta também a pandemia causada pelo coronavírus. A covid-19 está a
causar uma grave crise econômica, que afeta especialmente as pessoas mais
pobres. «Os mais vulneráveis são os que mais sofrem desde que os
confinamentos começaram», sublinha a missionária. «Tentamos ajudar as
pessoas tanto quanto podemos : todos os nossos leprosos são pobres. Começamos a
comprar arroz, cereais, açúcar, para distribuir pequenos cabazes no círculo de
pessoas que conhecemos : conseguimos repartir quinhentos. Mas, numa metrópole
como Bombaim, é como uma gota de água no oceano. A pobreza propaga-se. Não
consigo imaginar como as pessoas conseguem sobreviver nos bairros-de-lata.»
Há
outra situação que, para a missionária, é particularmente preocupante. «Em
Bombaim, as escolas também estiveram fechadas durante meses. As crianças que
vivem conosco também não puderam frequentar as escolas onde iam regularmente.
Teoricamente, houve ensino à distância, mas como podiam os pobres, sem os meios
adequados, segui-lo? Mais uma vez, são os mais desfavorecidos que sofrem as
consequências, pondo em causa o seu processo educativo.»
No
entanto, mesmo nestes tempos difíceis não devemos desesperar. «O Senhor
fala-nos nestas circunstâncias – acrescenta a apóstola dos leprosos –, não
devemos perder a esperança : a nossa fé sustenta-nos. Devemos aproximar-nos
mais do Senhor em momentos como estes. É um momento propício para fazer um
exame de consciência.»
A
alegria da missão
Há
alguns anos, em parte para resolver algumas dificuldades decorrentes da
renovação do seu visto, a Ir. Bertilla pediu e obteve a cidadania indiana. Mas
não foi apenas uma escolha ‘burocrática’. «Adoro a minha missão,
estou satisfeita com o serviço que presto», explica. «Acolhi com muita
alegria as mudanças que vi na Índia ao longo de todos estes anos. Aprendo muito
com as pessoas a quem procuro servir. Quando cheguei à Índia, queria mudar
rapidamente as situações que encontrava. Mas depois vi que aqui as pessoas
permanecem calmas, fazem o seu trabalho em todas as circunstâncias sem ficarem
demasiado alarmadas. E, então, pensei : sou eu que ainda tenho muito para
aprender.»
Depois
de cinco décadas na Índia, a Ir. Bertilla ainda tem um sonho que desejaria ver
realizado. «Gostaria que o nosso povo tivesse uma vida melhor», declara
a missionária. «Quando percorro estes enormes bairros-de-lata de Bombaim e
vejo os barracos onde não há sequer água, o meu coração aperta-se de dor. Há
ainda muito a fazer, mas não é fácil. Desde que aqui trabalhamos, conseguimos
estabelecer 25 famílias : demos-lhes um espaço para habitar, um quarto decente
para viverem uma vida melhor. Fazemo-lo sempre que é possível. No entanto, dos
22 milhões de habitantes de Bombaim, um terço ainda vive em condições
deploráveis.»
Outro
tipo de riqueza, contudo, a Ir. Bertilla continua a distribuí-la com
abundância. «Uma das coisas mais belas que a Índia me deu foi o Diwali, o
Festival da Luz», diz ela a sorrir. «Os hindus celebram-na de acordo com
a sua mitologia : a luz conquista a escuridão e as ruas e as casas enchem-se de
luzes. Para nós, cristãos, essa celebração ganha um novo significado, pois
Jesus Cristo é a luz do mundo. E esta é a mensagem que queremos anunciar a
estas pessoas», conclui a missionária.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/700/uma-vida-ao-servico-dos-pobres/
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