Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
teólogo protestante
‘É
extremamente bem conhecida no meio cristão a história do povo de Israel e seu
êxodo do Egito. Há diversos quadros espalhados em diversas casas que tentam
retratar a passagem do mar dos juncos, ou ainda a peregrinação do povo de
Israel pelo deserto.
Há
também um cabedal enorme de pregações e reflexões a respeito dessa temática. Em
uma busca simples na internet é possível encontrar milhares de textos, áudios,
vídeos de alguém falando sobre essa narrativa que marca a história do povo de
Israel, bom como a forma como Deus, no judaísmo e no cristianismo, ficou
conhecido, ou seja, como Deus que se manifesta na história e tem nela o seu
lugar de atuação.
Um
dos textos que considero muito interessante em todo esse percurso do povo pelo
deserto se encontra em Deuteronômio 8, nos versículos 17 e 18. Em seu contexto
imediato, o povo está em vias de atravessar o rio Jordão para entrar na terra
de Canaã. Antes disso, porém, Javé dá diversas instruções ao povo sobre aquilo
que deveria se guardar ao entrar na terra prometida.
Duas
delas se encontram nos versículos 17 e 18 desse mesmo capítulo. O texto diz : ‘Não
vais dizer a ti mesmo : ‘Foi pela força do meu punho que cheguei a esta
prosperidade’, mas lembra-te de que o Senhor, teu Deus, é quem te terá
concedido força de aceder à prosperidade, para confirmar sua aliança jurada a
teus pais, como hoje se vê’.
Claramente,
vê-se duas instruções : 1 – não considerar que foi a própria força do povo que
a fez entrar na terra; 2 – lembrar-se de que a força necessária para atingir o
objetivo veio da parte de Javé.
Essas
instruções podem, tranquilamente, se quisermos, serem trazidas para nossos
dias, visto ser muito comum vermos pessoas cristãs que se exaltam por ter
conseguido algum sucesso e se consideram os únicos responsáveis por ele, como
se toda força, inteligência, oportunidade necessárias tivessem partido somente
dela. Numa espécie de ‘eu contra o mundo’, tais pessoas pensam piamente
que tudo que possuem é fruto somente de seu esforço, ignorando todas as outras
variáveis no processo, bem como os diversos suportes recebidos de familiares,
amigos, igreja, e, no caso cristão, a própria bondade de Deus na concessão da
vida.
Quando
olhamos para o relacionamento que muitos estabelecem com o tema da salvação no
cristianismo, tal dinâmica, em muitos casos, não se mostra tão diferente assim.
Há diversas pessoas que se dizem cristãs que se consideram merecedores da
salvação. Consideram seus atos e sua conduta tão maculada que serem salvas é
quase um dever divino, ou um justo pagamento pela forma como viveram sua vida
na Terra. Como consequência, consideram-se mais dignos do que outros e ao mesmo
tempo, elevam-se ao cargo de sommelier da salvação mundial. Em outras palavras,
pensam que é o seu braço forte que conquistou para si essa salvação e se
esquecem de que, a partir de Jesus, não há nada que possamos fazer para sermos
salvos, sendo tal salvação algo que vem pela graça, como dom, a ser aceito pela
fé.
Lembrar-se
de Deus é difícil em momentos de prosperidade, mas é justamente
quanto a isso que o texto de Deuteronômio nos chama a atentar-nos. Na
perspectiva bíblica, tudo que é bom vem de Deus e é sua misericórdia que nos
permite, até mesmo, levantar-nos pela manhã. Assim, toda soberba se mostra sem
sentido, sendo a manifestação do não reconhecimento da nossa real posição
diante de Deus.
Obviamente,
nem o texto do Deuteronômio, nem os textos do Novo Testamento incentivam a
preguiça, numa espécie de que não se deve fazer nada para alcançar aquilo que
se deseja, porque Deus concederá todas as coisas. Quem prega algo do tipo,
claramente não compreendeu o texto bíblico.
Devemos,
sim, esforçar-nos e fazer o que está em nosso alcance para alcançar nossos
objetivos nesta vida. No entanto, não devemos nos esquecer de que, numa
perspectiva bíblica, toda força, sabedoria e inteligência vêm de Deus, de
maneira que toda soberba deve ser evitada, reconhecendo que pela graça e
misericórdia de Deus vivemos, nos movemos e existimos neste mundo.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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