Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Sem
dúvida, algum vídeo ou texto de ‘influencer católico’, demonizando o
sínodo da sinodalidade que está em curso, caiu, de repente, na sua timeline. E
você, que lê agora este texto, talvez tenha se deixado levar por muitas dessas
interpretações infundadas a respeito de uma das assembleias eclesiais mais
importantes da história. Curiosamente, o sínodo que reforça o conceito de
catolicidade assusta tanto. Mas por quê?
Bom,
deixa eu adivinhar. Algum jovem mediano, que aprendeu recentemente a fumar
charuto, e conseguiu emplacar um canal no youtube, te convenceu que o Papa quer
acabar com a hierarquia da Igreja, não é mesmo? Ou que o sínodo - que para
catolicismo nada mais é que um organismo consultivo - terá o peso de uma
reforma canônica? Sinto te dizer que talvez a fumaça do Romeu e Julieta Wide
Churchill causou um estrago enorme à mente desse cidadão que está te
doutrinando - se é isso que essa pessoa está fumando mesmo.
Para
início de conversa, a sinodalidade não é uma invenção de Francisco, mas, para o
cristianismo, é um modus vivendi et operandi, um modo de viver e de atuar da
própria Igreja, não simplesmente um organismo burocrático que se limita a
debater e documentar alguns assuntos.
Aliás,
o sínodo surge num contexto no qual a própria igreja, enquanto instituição,
começa a se estruturar. Não por acaso, o cristão em si é tido, por alguns
padres da Igreja, como um ‘ser sinodal’.
Quem
vai dizer isso, de maneira mais precisa, é Inácio de Antioquia (30 - 107 d.C).
Ele vai afirmar, num escrito do II, antes mesmo do surgimento de ‘núcleos
sinodais’ diocesanos e metropolitanos, que se estruturarão somente no
século III, que os membros da comunidade cristã eram, por natureza, σύνοδοι - do grego sinodoi, companheiros de
caminho/viagem.
Por
isso, o Concílio Vaticano II, evocando a própria sinodalidade, embora não a
mencione claramente, vai reforçar que a instituição é formada pelo ‘povo
santo de Deus’, fazendo ruir o conceito medieval de societas perfecta, que
vê somente na hierarquia um modelo quase ‘celeste e infalível’ de
organização.
Em
meados do século II, mais ou menos, já existia uma preocupação, entre os
primeiros cristãos, de atuar na colegialidade. Sem contar que, nessa mesma
época, colegialidade e sinodalidade surgem como conceitos praticamente
inseparáveis.
Os
bispos, nos primeiros séculos, se reúnem em assembleia para discutir questões
importantes para a vida da comunidade. E algumas fontes antigas atestam que, em
alguns casos, a própria plebs (o povo de Deus, no caso) é convidada a auxiliar
nesse discernimento, a depender do assunto. Ou seja, se convocava um sínodo
para evitar rachaduras num corpo eclesial formado por presbíteros, diáconos e
leigos, os quais, juntos, eram considerados guardiães dessa harmonia por causa
do batismo que os congregava.
Cipriano
de Cartago (200 - 258 d.C) vai dizer, inclusive, ‘que da mesma forma que
nada deve feito nihil sine consilio vestro - (sem o conselho dos presbíteros e
diáconos) et sine consensu plebis (nem sem o consenso do povo), deve-se levar
em consideração que o episcopatus unus est cuius a singulis in solidum pars
tenetur (O episcopado é uno, cada parte do qual é mantido por cada um para o
todo)’.
No
Concílio de Cartago de 254, liderado por Cipriano, para resolver a reinserção
dos lapsos, ou seja, daqueles que haviam negado Jesus no período da
perseguição, a própria comunidade foi consultada pelos bispos sobre como
proceder nesse caso. Uma vez excomungados, esses ‘traidores da fé’,
poderiam, por meio de um caminho penitencial, retornar à comunhão eclesial?
Nesse caso, os leigos também precisavam dar seu próprio parecer, uma vez que
seriam eles a conviver, lado a lado, com os ‘desertores’. E é esse padre
da Igreja quem vai dizer, na sua Epístola 14 :
‘Desde
o princípio do meu episcopado propus-me nada fazer por iniciativa própria sem o
vosso parecer e o consenso do nosso povo’.
Ou
seja, mesmo assim, nem os padres da Igreja nem o Papa Francisco, no ato de
convocar o sínodo, disseram que a hierarquia estaria com os dias contados nem ‘menos
hierarquizada’ se passasse a contar com o apoio, por meio da consulta, do
resto da comunidade. Até porque, desde os primeiros séculos, quem convoca o
sínodo é a autoridade local/metropolitana. É o próprio pontífice quem vai
dizer, em muitas ocasiões, que ‘o sínodo não é um parlamento’, mas um
espaço de escuta, e do qual podem sair ‘alguns diagnósticos’.
Fizemos
só uma introdução. No próximo artigo, traremos outros dados históricos sobre o
sínodo na história da Igreja, focando no surgimento dos concílios e,
posteriormente, dos sínodos régios. Fique ligado.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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