Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Há
quem diga que Francisco pega no pé dos tradicionalistas. Falam de perseguição e
até do fim do catolicismo. Uma histeria sem limites.
Na
missa do Batismo do Senhor (realizada em 9 de janeiro), quando todos os anos, o
Papa batiza algumas crianças da sua diocese, Francisco demonstrou que não está
para brincadeira. Como sabemos, mesmo após a reforma litúrgica de Paulo VI, os
altares da Basílica de São Pedro e adjacentes, como no caso da capela Sistina,
permaneceram atacados ao muro. Sendo assim, mesmo celebrando no rito latino
ordinário, o sacerdote que faz uso deles acaba se posicionando ad orientem.
O
que o pontífice fez, neste fim de semana? Evitou fazer uso do altar fixo da
igreja e, pela primeira vez, pediu ao escritório de celebrações litúrgicas do
Vaticano para posicionar um ‘regular’, para que pudesse presidir a
solenidade. Ou seja, ficou claro que acabou o tempo dos pitacos renascentistas
sobre a ‘postura mais perfeita’ para se celebrar a missa. A mais
perfeita, portanto, é aquela que o concílio decidiu - com o beneplácito do
Papa, nos idos de 1960. E ponto final.
É
como se o catolicismo, composto por uma infinidade de ritos litúrgicos, se
resumisse à missa tridentina. E mais : é como se fora da (ex) forma
EXTRAORDINÁRIA do rito latino (em caixa alta, para enfatizar) ditasse a fé de
seus simpatizantes. Com ela, muitos já flertavam com a apostasia. Sem ela, a
abraçaram de vez. Estão sem papa e sem missa. Dizem estar com Roma, mas não
seguem o bispo de Roma. Dizem viver a fé católica em plenitude, mas são uma
ameaça à própria catolicidade.
Francisco
viu tudo isso e interviu. E mais : não deve ter sido fácil voltar atrás na
decisão do seu antecessor, Bento XVI. O papa emérito, nas melhores das intenções,
focou na pastoral em 2007, mas acabou sendo instrumentalizado por quem só
queria um motivo para difundir suas ideologias sectárias. E sabemos
muito bem que não foi uma meia dúzia de católicos que virou essa chave.
O
problema não está na missa tridentina e nunca esteve. A Igreja não nega sua
história, embora avalie, de tempos em tempos, que um ‘aggiornamento’ é
necessário. E isso não foi invenção do Vaticano II. O catolicismo sempre
acompanhou os ‘sinais dos tempos’, e até se mundanizou, em muitas fases
da história, tamanho era seu nível de inserção na sociedade.
Se
o sumo pontífice, segundo a própria tradição católica, é chamado a conter as
ameaças contra a própria unidade do catolicismo, ele simplesmente cumpre o seu
papel ao publicar a Traditionis Custodes. Aliás, ao nomear o documento dessa
forma, que na tradução para o portugues le-se ‘Guardião da Tradição’,
ele quer demonstrar com isso, que o bispo de Roma, e chefe da Igreja é o
guardião da Tradição (com T maiúsculo) por excelência.
O
problema é que, na boca desse povo, a tradição virou uma palavra trivial, que
se aplica até ao vestido que a moça usa e à gravata borboleta do rapaz que
combina o acessório com charuto e frases em latim... Conseguiram o feito de
esvaziar o sentido da própria palavra tradição para o catolicismo.
O
golpe de Francisco é contra a ‘tradicionalice’. Me permiti esse
neologismo, que parte da junção entre as palavras ‘tradição e tolice’. E
aqui não falo da tradição católica, mas dessa tradição caricaturada de grupos
que, há muito tempo, romperam com a Igreja de Roma. So não admitiram ainda,
porque isso pode acarretar prejuízo para aqueles que lucram com essa ‘santa
oposição’.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1560356/2022/01/francisco-e-o-golpe-na-tradicionalice/
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