Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
d0 Padre Alfredo Sampaio Costa, SJ
‘Nossa vida espiritual se
exprime num conjunto de práticas e sobretudo de atitudes e é centrada na
atenção e na relação de amor que nos une a Deus. Essa atenção amorosa é a
expressão de um ato de fé. Assim pois, nossa vida espiritual jorra de um ato de
fé na realidade de nossa relação com Deus cuja revelação foi-nos feita pelo
Cristo que nos dá o meio de realizá-la nele. Toda a vida cristã é fundada na
fé, mas a importância da fé aparece sobretudo quando ‘a vida espiritual’
se desenvolve. Sem a fé nossa vida espiritual definharia e acabaria por morrer.
Na experiência mística a mais
elevada como também na vida de oração a mais comum, sempre necessitamos fazer
uma experiência de fé. Como anda a nossa vida de fé? Cremos verdadeiramente no
Amor e na Misericórdia de Nosso Senhor para conosco? Uma vida espiritual sólida
só se desenvolve se ancorada numa fé firme.
A fé e a
percepção do termo da relação
Na experiência de oração, como
podemos afirmar que tocamos algo do Mistério de Deus? Só na fé!
Toda relação humana funda-se
numa confiança que repousa num ato de fé. Quando brotam os primeiros sinais do
amor, eles nos incitam a um conhecimento mais profundo do amado/a. Se não
houver, porém, uma resposta às primeiras tentativas que deem continuação às
primeiras, será impossível chegar a uma confiança recíproca. O reconhecimento
do alcance de um gesto ou de uma palavra será fruto de uma resposta inicial.
De fato, quantos não abandonam
a vida espiritual exatamente por essa falta de respostas? Como é importante
manter viva a lembrança dos primeiros sinais, do Amor primeiro e suas
expressões! Procure fazer memória dos sinais do Amor primeiro do Criador por
você!
É necessário que aquele a quem
é dirigida uma solicitação se comprometa na sua resposta com suficiente verdade
para poder captar o alcance do apelo que lhe é proposto. Deve ter uma confiança
‘provisória’, a qual, após a experiência, vai-se transformar em
confiança. De fato, uma relação de confiança não se constrói de uma hora para
outra. Assim, os dois vão aprender a se conhecerem e irá aos poucos sei
estabelecer uma linguagem mútua que acabará por revelá-los um ao outro, até o
dia em que, de certeza em certeza, com as dúvidas e os recuos necessários, cada
um terá a garantia da sinceridade do amor do outro. A experiência mística
genuína não tem como fruto um mero sentimento interior de paz e quietude. Ele
provoca na pessoa uma atitude, uma resposta de amor e de compromisso.
Finalmente, o último passo será
dado como um ato de entrega total, quando todas as experiências tiverem
conferido uma certeza tal e cada um possa se arriscar totalmente nessa relação
amorosa. Todavia, no passo final, há uma entrega de si ao outro num ato de
confiança que supera em alcance e intensidade todos os atos anteriores. Dá-se
uma percepção do coração do outro só concedida à confiança, portanto, a um ato
de fé1. Compreendendo isso, entenderemos as experiências místicas de
muitos santos, vividas como um ‘intercâmbio de corações’ ou ‘matrimônio
místico’.
Como é gratificante encontrar
pessoas com uma fé viva e atuante! Sentimo-nos fortalecer na nossa fé muitas
vezes titubeante. Crer implica uma confiança total que engaja a existência
inteira. Não é simplesmente a adesão a uma doutrina, porque essa doutrina é ‘vida’
e se encarna na existência cotidiana. O despertar da fé se processa,
geralmente, de maneira progressiva, como no caso da Samaritana (cfr. João 4).
Paradoxalmente, na experiência
mística ao mesmo tempo que somos tocados pelo Inefável, tal toque provoca em
nós um desinstalar-se progressivo que nos abre à transparência do Mistério que
contemplamos e que se faz presente no nosso cotidiano.
Confiar,
um desafio contínuo para nossa fé
O ato de fé na pessoa de Cristo
não pode ser pronunciado sem uma graça do mesmo Deus. Já existe na relação
humana com Cristo uma ação divina desse mesmo Cristo que nos torna possível e
desejável o ato de fé em sua divindade. Se não aceitamos engajar-nos na
relação, será impossível ao Cristo, pelo menos normalmente, iluminar-nos sobre
a veracidade do seu mistério. O primeiro ato de confiança compromete-nos numa
relação que é um ‘risco assumido’. Corremos, nesse caso, o risco da fé.
Podemos dizer que a fé alcança o valor de um conhecimento objetivo. Foi aceita
como ‘a verdade de Outro’, uma verdade, uma realidade acreditada na
palavra de Alguém. Não se trata, pois, de um mero sentimento. É importante
perceber bem esse caráter ‘objetivo’ do conhecimento de fé. Movemo-nos
sempre no âmbito de uma relação amorosa com Alguém!
Nosso ato de fé não é fruto de
uma experiência, não é uma impressão subjetiva, tampouco uma projeção do nosso
inconsciente. É a crença em Cristo, Filho de Deus, através da palavra de homens
que o conheceram. Eles caminharam com Ele, por vezes dolorosamente, e o
resultado de sua experiência é aceito por nós como uma verdade objetiva.
Confiamos neles e, assim procedendo, fazemos um ato de fé no Cristo. O ato de
fé faz-nos entrever outro mundo. No próprio ato de fé temos vislumbramos e, de
certo modo, tocamos Aquele que é o termo de nossa relação!
Como
viver a vida interior na fé
Quando dizemos a Cristo : ‘Eu
creio em Ti’, que acontece? Aparentemente, nada de extraordinário; no
entanto, algo se modificou. Somos interiormente introduzidos num mundo novo,
aquele que o Cristo nos revela. Aceitamos que Deus seja para nós o ‘Pai’,
um Pai que faz de nós, filhos e filhas seus. Acompanhando as palavras de
Cristo, descobrimos um mundo extraordinário que é o mundo interior de
Deus-Trindade.
É esse mundo novo que se abre diante de nós que somos chamados a penetrar na
vida espiritual. Portanto, a experiência mística nada tem de alienante nem de
egoísta, enquanto ela nos faz penetrar no mais profundo do mundo e da História
para captar ali a Presença Amorosa da Trindade na sua missão de redenção. Somos
chamados a nos mantermos numa atenção reverencial diante do Mistério,
perscrutando o que nossa inteligência pode compreender da realidade que Cristo
coloca sob nossos olhos. Mas, para cada intuição que é luz para nós,
descobrimos um abismo de sombras que insistem em permanecer envoltas no
mistério. Apoiando-nos no que entendemos, permanecemos em silêncio diante do
que se mantém incompreensível.
Um
conhecimento novo
Nesse ponto do processo da fé
podemos dizer que ultrapassamos o mundo de nosso conhecimento humano. É
oferecido ao homem um modo de conhecer que supera suas forças comuns. É
perfeitamente compreensível que assim seja, visto o objeto da fé ser o mistério
de Deus e só Deus poder falar de si mesmo e fazer-se conhecer. Nesse novo modo
de conhecer, nossas faculdades normais se dilatam, atingindo novas
possibilidades.
Quando aceitamos crer no que
Cristo nos diz, produz-se entre Ele e nós uma misteriosa comunicação. Nossa
faculdade de conhecer torna-se mais ampla, mais profunda. Sob a influência do
Cristo, as possibilidades do compreender e do amar, até então ocultas, são-nos
repentinamente reveladas (Ef 3, 14-21). Podemos assim constatar que a adesão ao
Cristo, num ato de fé, leva-nos a fazer uma dupla descoberta : a da
profundidade de Deus e as profundidades do coração humano. Quando acedemos a
esse modo de conhecimento pela fé, podemos ter a rápida intuição dos espaços
interiores infinitos que a fé nos poderá, um dia, fazer descobrir2.
Esse mergulho profundo no
interior de nós mesmos e no mundo é o que somos chamados a contemplar nos
místicos, cuja experiência espiritual possui um grau de pureza e transparência
que nos permitem captar com mais clareza aquilo de, ainda de uma forma obscura
e confusa, também se dá dentro de nós. Quando falamos em conhecer pela fé, não
estamos falando de compreender máximas ou definições. Falamos de um
conhecimento experiencial. Trata-se de entrar em contato com uma realidade viva
que chamamos Deus. A fé tende, pois, não para um conhecimento, mas para uma
vida. Sendo assim, deve-se tornar uma ‘experiência’, ‘uma fé viva,
vivida’.
Quando dizemos isso, queremos
mostrar que a fé deve ser integrada na nossa experiência humana. É verdade
também que não alcançaremos esse conhecimento sem uma graça de Deus, mas esse
conhecimento deve, finalmente, ser ‘nosso’ e deve entrar no campo normal
de nossa atividade de conhecimento. Nossas faculdades são abertas e
aprofundadas pela graça de Deus. Essa abertura e aprofundamento não se
processam num dia, precisamente porque esse modo de conhecimento permanece ‘humano’.’
Notas :
- Yves
RAGUIN, Atenção ao Mistério, 39.
- Yves
RAGUIN, Atenção ao Mistério, 49.
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1552493/2021/11/vida-espiritual-vivida-na-fe/