Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
d0 Padre Alfredo Sampaio Costa, SJ
‘A oração não tem somente uma
finalidade de nos elevar até Deus. Ao fazer isso, restabelece nossa ligação
originária com o Criador e revela igualmente quem somos como criaturas :
‘Nesse diálogo que se
origina entre corpo, pensamento e afetividade, e que nos percorre
incessantemente por dentro, vamos clarificando o que realmente somos e o que
queremos. Saber dizer ‘olá’ ao novo e ‘adeus’ ao que deixamos, sem ficar
divididos e dilacerados entre o que rejeitamos e o que escolhemos, é forma de
saúde e disponibilidade evangélica. Cada decisão tem o seu momento junto, a ‘hora’
precisa que não devemos adiantar nem adiar. Saber perceber o ‘agora’ de cada
decisão, quando o dom de Deus aparece em nossa realidade, supõe amadurecer os
processos até o instante preciso, sem acelerá-los pela ansiedade nem os adiar
pelo medo’(1) .
Muitas pessoas têm receio de
abandonar-se nos colóquios ao Senhor, temendo aquilo que o Senhor poderá lhe
pedir na oração, e que terá consequências ‘desagradáveis’ para a
acomodação com que elas vivem a sua vida espiritual. Para Inácio, Deus é o ‘Deus
sempre maior’, surpreendente, que nos chama para o ‘mais’,
desinstala, acredita sempre nas nossas potencialidades…
Não é nada fácil resistir à
ansiedade que atropela os processos sem pressa do Espírito. Qual o momento
preciso para passar à decisão?
‘As grandes decisões marcam
a vida em sua orientação fundamental nos momentos de encruzilhada, mas é
necessário estar sempre atentos para não chegar a um porto diferente do
escolhido, pois na vida cotidiana estamos expostos a muitos ventos enviesados,
ou a correntes submarinas que nos podem desviar de nossa rota enquanto
dormimos. Nunca assumimos plenamente nossas decisões fundamentais com todo o
nosso ser, sempre ficam dimensões escuras que não foram integradas à opção, e
que em algum momento posterior ameaçam, distorcendo a eleição realizada’(2)
.
Será provavelmente nos momentos
dos colóquios onde experimentaremos no nosso coração os grandes, mas também os
delicados apelos do Senhor, movendo o nosso coração, tocando os nossos afetos,
sugerindo, animando, acompanhando-nos rumo a uma vida de maior amor e serviço.
Enfrentando furacões, ventanias de todo tipo, iremos aos poucos percebendo a
brisa suave onde Deus se faz sentir.
No confronto com o
outro, descubro quem sou
Neles experimentamos que não
estamos sós, nunca estivemos e nunca estaremos, porque somos criados em relação
e numa relação de Amor. Descobrimos que os outros e, principalmente, o Outro
que é Deus é que nos permitem descobrir quem somos nós.
Contudo, a experiência da relação nem sempre é vivenciada como sendo algo
agradável e que me realiza como pessoa. É importante pois considerar diversas
situações que se podem apresentar quando nos sentimos na presença de um outro:
– O outro pode se apresentar
como um dom que me complementa, com sua beleza, bondade, inteligência,
fortaleza. Mas todos somos limitados. Em alguma parte acabam nossas forças,
nossa saúde ou nossas habilidades aprendidas. Frequentemente oramos a Deus para
que nos tire os limites que se cravam na carne como espinhos. Alguns limites se
superam, mas outros Deus nos ajuda a reconhecê-los, aceitá-los e a receber de
outros o que necessitamos para viver e para cumprir a missão que ele nos
confia. Em vez de eliminar o limite que aumenta minha suficiência, enviar-me-á
ao outro que aumenta minha comunhão, como se referiu Moisés a seu irmão Aarão,
que falava bem, quando se queixou de sua pouca facilidade de palavra para levar
adiante sua missão (Ex 4,14). ‘Procurar Aarão’ humildemente é um desafio
para nosso orgulho e nossa autossuficiência. Também é uma provocação me
aproximar do outro com gratuidade, e não pelo que posso tirar dele.
– O outro pode ser uma
diferença que desinstala meus julgamentos e minhas posturas vitais. Cada vez
mais experimentamos hoje uma violenta polarização de opiniões, juízos,
ideologias, onde o ‘diferente’ é quase sinônimo de ‘inimigo’ e,
portanto, deve ser eliminado ou, ao memos, ignorado. O confronto com o outro
sempre será uma oportunidade para rever minhas posturas e nos abrirmos a outros
modos de sentir, ver, falar e viver.
– O outro pode ser uma pobreza
que me tira de meu egoísmo. Sabemos como o contato com os pobres e descartados
da sociedade nos impacta e exige uma resposta de vida. Na sua tremenda
indigência, apela à nossa solidariedade e compaixão.
– O outro pode ser um Caim, uma
agressão poderosa que ameaça mutilar minha pessoa ou destruir minha vida.(3)
A trágica história dos dois irmãos paira sempre como uma ameaça real sobre nós
quando temos que enfrentar o outro que está no nosso caminho. Conhecemos muito
bem as resistências e bloqueios que experimentamos diante de conversas com
pessoas desconhecidas. O mundo nos faz desconfiar de tudo e de todos,
carregando de hostilidade e suspeita qualquer relacionamento humano.
Pois bem, quando nos pomos a rezar, com qual desses ‘outros’ eu me
deparo?
Podemos em um ou outro momento
experimentar mais uma destas situações, e é importante ter consciência de como
sentimos o outro, pois dependendo do modo como nós o sentimos, será a nossa
resposta: não é o mesmo responder a um estranho desconhecido, a um parente, a
um amigo íntimo ou a um inimigo mortal.
Quando vamos rezar, entram em ação as imagens que temos de Deus, e elas
afetarão imensamente nossa relação com Ele. Estabelecerão o clima do encontro,
amistoso ou hostil. Importa, pois, ajustar nossa lente para captar quem é Deus
verdadeiramente. Quem vem em nosso socorro para esta tarefa é o Filho Amado,
Jesus.
Deus se faz outro em
Jesus
‘Em Jesus, Deus se fez
outro, próximo e misterioso, débil e forte, fascinante e marcado pelos limites,
entregue a outros para que vivam em plenitude e necessitado de outros para
poder existir e chegar à plenitude de sua própria identidade. Decide
encarnar-se como Senhor da história, mas ao mesmo tempo pede permissão a Maria,
adolescente e camponesa. É o amor sem medida, mas tem que ser acolhido e amado
de maneira incondicional por uma mãe antes de existir, sem saber como será e de
que forma orientará sua vida. Jesus não só é um dom do Pai, mas também um dom
dos que o acolheram e cuidaram. Com ele começou uma nova etapa da história, mas
ele se encarnou em toda a história que o precedeu, onde homens e mulheres
amaram e lutaram para elaborar a cultura e a comunidade onde pôde formar-se e
ser um homem que pôde dizer ‘nós’, como todo ser humano’(4).
Jesus nos revela o Pai, ou
melhor, nos mostra o Amor infinito do Pai, sua Compaixão sem limites. Quando
nos dirigimos a Deus nos colóquios, deixamo-nos invadir por uma presença
amorosa de alguém que nos ama de tal forma que quer se fazer um de nós, alguém
a quem podemos nos dirigir chamando-o de ‘Tu’.
‘Em Jesus encontramos a Deus
mesmo, que acolheu todos os que lhe saíram ao encontro, e aos que ele mesmo
procurou pelos caminhos e praças onde estavam perdidos e paralisados. Jesus nos
oferece a imagem de um Deus que não pôs no centro de sua vida a conservação de
sua própria pessoa, a segurança e o prestígio social que podia adquirir
facilmente graças a sua inigualável personalidade, mas a toda outra pessoa que
encontrava em seu caminho, superando qualquer classificação discriminatória,
paralisante ou excludente’(5).
Em todo outro podemos
encontrar o Outro
Deus nos salva fazendo-se
outro. Não só em Jesus de Nazaré, ao qual nós podemos contemplar, amar e
seguir. Continua salvando-nos, fazendo-se outro em toda pessoa que nos sai ao
encontro. O encontro nos salva porque nos permite entrar na comunhão necessária
que nos fortalece. Deus se faz outro, com letra minúscula, em Jesus de Nazaré e
em toda pessoa, para que todos possamos nos aproximar dele, e para que em todo
outro tratemos de descobri-lo e possamos encontrá-lo e amá-lo.(6) Cada
vez mais e de formas novas!’
Notas :
1-
Benjamín GONZÁLEZ BUELTA, Orar em um mundo fragmentado,
104
2-
Benjamín GONZÁLEZ BUELTA, Orar em um mundo fragmentado,
105
3-
Benjamín GONZÁLEZ BUELTA, Orar em um mundo fragmentado,
124-126
4-
Benjamín GONZÁLEZ BUELTA, Orar em um mundo fragmentado,
126-127
5-
Benjamín GONZÁLEZ BUELTA, Orar em um mundo fragmentado,
128
6-
Benjamín GONZÁLEZ BUELTA, Orar em um mundo fragmentado,
128
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1548821/2021/11/reconstruindo-nossa-identidade/
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