Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Francisco Borba Ribeiro Neto
‘‘Os meus pensamentos não
são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o
Senhor. Porque assim como os céus estão mais altos do que a terra, assim estão
os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais
altos do que os vossos pensamentos’ (Is 55, 8-9). De tempos em tempos me
dou conta do quanto essas palavras são válidas para nós, que vivemos numa
cultura que abandonou em grande parte suas raízes cristãs, de modo tal que
frequentemente usamos critérios ‘mundanos’ acreditando estar seguindo a
Jesus.
Quando contempladas numa
perspectiva cristã, palavras como amor, felicidade e sofrimento têm um sentido
radicalmente diferente daquele usado por nós cotidianamente – radical não tanto
no sentido de diferente, mas no sentido de brotarem de uma outra origem e
produzirem outros tipos de frutos. Ao me deter nesses temas, não tenho o
interesse de escrever sobre mística e espiritualidade – coisa que outros em
Aleteia fazem muito melhor do que eu – mas sim de chamar a atenção para as
características da mentalidade cristã. Minha questão é não nos perdermos no
caminho da fé, desorientados por uma falsa compreensão da experiência e dos
valores cristãos.
Nossa visão sobre o sofrimento
humano é um exemplo típico dessa divergência entre nosso olhar corrente e um
olhar cristão. São João Paulo II desenvolve o tema em sua Carta
Apostólica Salvifici Doloris, de 1984. Escrita
poucos anos depois do Papa ter sofrido uma tentativa de assassinato, com uma
dolorosa convalescença, o texto é não apenas uma reflexão teológica sobre o
sofrimento, mas recolhe de certa forma a própria experiência humana de
sofrimento do pontífice.
Verificar, antes de
teorizar
Ninguém deseja sofrer. A busca
do sofrimento por si mesmo é um ato masoquista que se choca com a natureza
humana. Nada mais compreensível do que a nossa oração ser para que Deus ‘afaste
de nós esse cálice’, como o próprio Cristo pediu (cf. Mt 26, 39). Contudo,
a lógica de Deus parece ir em sentido contrário ao desejo humano…
Quando o Messias vem ao mundo,
não vem livrar os seres humanos do sofrimento, mas sofrer como um deles. A
inversão de expectativas chocou todo o mundo antigo, quando os cristãos
passaram a pregar sua doutrina. Após séculos, nos acostumamos com essa
perspectiva, contudo muitos em nossa sociedade deixam de aderir à fé por causa
desse fato. Como pode um Deus onipotente e amoroso não nos livrar do
sofrimento?
Os desígnios de Deus são
misteriosos. Ele não seria Deus se nós – com nossos parcos recursos
intelectuais – pudéssemos compreender a lógica com a qual orienta Sua criação
ao longo de toda a eternidade. Mas, apesar disso, podemos nos aproximar dessa
lógica se nos propomos a verificar a Sua promessa de amor a nós.
Curiosamente, trata-se de uma
verificação muito semelhante ao método científico. O cientista não deduz como a
natureza deve ser e a partir daí faz uma teoria. Ele, em primeiro lugar,
observa o que acontece e, a partir da observação, procura entender a natureza.
O que Deus pretende nos deixando sofrer? Por que deixou até mesmo seu Filho
sofrer? A resposta a essas perguntas são misteriosas, mas estaremos ainda mais
distantes de compreendê-las se não mergulharmos na experiência do sofrimento
vivido à luz do amor de Deus.
O sentido é mais forte
que a dor
O adulto sabe que existe uma
experiência ainda mais terrível que sofrer : ver aqueles que muito amamos
sofrerem. Objetivamente, a dor não é última palavra sobre a nossa vida. Um
individualismo camuflado se introduz em nossa mentalidade quando imaginamos que
a pior coisa que pode nos acontecer é sofrermos com algo que nos acontece. O
pior é aquilo que faz a pessoa amada sofrer.
A dor vivida sem a perspectiva
do amor se torna, de fato, o sofrimento maior. Mas não tanto pela dor em si,
mas pela falta de um amor que lhe dê sentido. Os grandes amantes oferecem a
própria dor pelo bem dos amados. Com isso, descobrem um sentido para o
sofrimento – e esse sentido torna-se mais forte que a própria dor.
Deus quer que seus filhos muito
amados descubram a força do amor, descubram que o amor é mais forte que o
próprio sofrimento. Mas, só existe um modo de compreender esse fato : sofrendo
com amor. O paradoxo do Deus amoroso que não tirou o sofrimento do mundo se
revela como uma afirmação da força do amor.
Essa é uma das conclusões
da Salvifici Doloris, que reputo como uma das obras mais essenciais
do magistério da Igreja : sofrendo por nós, Cristo deu-nos a chance de nos
tornarmos ‘coparticipantes’ de sua obra salvífica, ao também nós
sofrermos por amor a nossos irmãos. A grandeza do sofrimento é poder ser doado,
como gesto de amor. O sofredor – ao doar sua própria dor pelo bem de outros –
está mais próximo do coração de Deus e da justa compreensão do Seu amor por
nós.
Uma caminhada
necessária
No momento mais aflitivo, chega
a ser ofensivo dizer essas coisas a alguém. No auge da dor, todo sofredor
acredita que seu sofrimento é incomparável ao dos demais. Um dos efeitos da dor
é justamente entorpecer nossa racionalidade e dificultar uma abordagem objetiva
dos problemas.
Por isso, a compreensão do
sentido do sofrimento é uma questão que temos de enfrentar quando não estamos
sofrendo. quando chegar o momento da angústia, os termos têm que estar claros,
para que possamos fazer uma justa verificação do ‘significado salvífico da
dor’.
Ser capaz de olhar o sofrimento
com um olhar cristão não nos livrará da dor, nem nos colocará num conformismo
resignado, mas nos abrirá cada vez mais para os horizontes ilimitados do amor.’
Fonte : *Artigo
na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/11/28/o-sentido-do-sofrimento/
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