Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
do Padre Adroaldo Palaoro, SJ
Reflexão sobre o Evangelho do 16º domingo do Tempo Comum - Mt 13,24-43
‘Deixai
crescer um e outro até a colheita!’ - Mt 13,30
‘Jesus
costumava contar parábolas com frequência e as pessoas gostavam de ouvi-lo.
Suas parábolas, brotavam do chão da vida, estavam carregadas de vida e
comprometiam as pessoas a viverem de um modo diferente, deixando-se inspirar
por Aquele que é Fonte da Vida. Como relatos instigantes, as parábolas faziam
emergir uma nova imagem de Deus e uma nova imagem do ser humano.
Sabemos
que as imagens, que cada um guarda em seu interior, tem um peso e marcam a vida
: elas podem fazer adoecer ou ativar uma vida sadia, podem alimentar medos ou
despertar coragem, podem estreitar a vida ou expandi-la... Todos temos
experiências das funestas consequências das falsas imagens de Deus, que acabam
alimentando, em cada um, uma auto-imagem atrofiada e paralisante. Jesus, com
suas parábolas provocativas, desejava quebrar tais imagens nocivas e
substitui-las por outras saudáveis.
Para
isso, Ele usa uma pedagogia para nos provocar e dirigir nossa atenção para algo
específico, que nos inquieta : quando nos sentimos incomodados com Suas
imagens, isso significa que estamos sendo confronta-dos com imagens falsas de
Deus e de nós mesmos, petrificadas em nosso interior. Algum aspecto nosso, que
até então havia permanecido na sombra, é iluminado; agora somos capazes de nos
ver de modo diferente.
Essa
transformação interior, de nossa visão e de nossos sentimentos, não pode ser
alcançada por meio de meras palavras de ensinamento. Para isso, precisamos da
arte das parábolas, pois elas desvelam, põem às claras situações e modos
fechados de viver, visões distorcidas, falsas verdades, ideias atrofiadas,
crenças vazias que nos dão uma sensação de segurança e temos resistências de
abrir mão.
Como
muitas outras parábolas, também a do ‘joio e do trigo’ é um relato
provocativo. Não só porque parece ir contra o ‘senso comum’, que aconselha
arrancar o joio que impede o crescimento do trigo, mas porque é também uma
resposta às críticas que o próprio Jesus recebia por sua atitude com relação
àqueles que a religião tinha excluído. Não em vão Ele foi acusado de ser ‘amigo
de publicanos e pecadores’.
Por
outro lado, a parábola pode deixar transparecer as inquietações da comunidade
de Mateus, preocupada por separar com clareza os ‘bons discípulos’
daqueles que não eram. Como tantos grupos humanos, a tentação é marcar uma
linha divisória, entre o ‘trigo’ e o ‘joio’. Essa separação, no
interior da comunidade cristã, acaba se projetando nas relações sociais,
políticas, econômicas, culturais..., criando ‘muros’ e ‘fronteiras’
que esvaziam o processo de humanização.
Pois
bem, seja porque se refira à vida histórica de Jesus, seja porque se tenha
adaptado para responder a alguma polêmica comunitária posterior, o certo é que
a mensagem da parábola não deixa lugar a dúvidas : ‘deixai crescer um e
outro até a colheita!’.
Por
isso, a atitude sábia de deixar o ‘trigo e o joio crescerem juntos’, nos
remete precisamente ao que temos de fazer com o nosso próprio ‘joio’ :
aceitá-lo, acolhê-lo, integrá-lo, reconhecê-lo como nosso, sem reduzir-nos a
ele e sem nos deixar determinar por ele. Tal atitude implica um crescimento em
integração e em humildade. Por mais estranho que pareça, a aceitação do joio
nos humaniza, pois nos faz descer de nosso pedestal egoico – feito de
exigência, perfeccionismo e de complexo de superioridade – e aproximar-nos de
nosso ser verdadeiro.
Quanto
mais nós nos conhecemos e conhecemos o Sol que nos habita (Deus), mais nos
integramos e mais nos humanizamos.
Humanizar-se,
não no sentido de ser mais virtuoso, brilhante, bem-sucedido, perfeccionista...
Humanizar-se é também a capacidade de acolher-se frágil, vulnerável e, ao mesmo
tempo, ativar o vigor, ser criativo, resistir, poder traçar caminhos... Fazer a
síntese entre ternura e vigor.
Não
pretendamos, pois, arrancar o joio; demonstremos com nossa vida que, ser trigo,
é mais humano.
Nossa
vida está repleta da graça divina. Vivemos mergulhados na Graça que nos
santifica. Ser santo(a) é viver em plenitude nossa humanidade. É aprender a descobrir
e a redescobrir a ‘presença de Deus em tudo e tudo em Deus’ (S. Inácio).
Já
foi dito que o ser humano nunca é tão grande como quando sabe reconhecer e
aceitar sua fragilidade, sua limitação... Reconhecer e aceitar sua própria ‘humanidade’,
diante de Deus e dos outros, significa percorrer um caminho em direção a uma
visão positiva, madura e profunda de si mesmo.
Com
isso, já não desperdiçamos as nossas energias para tentar, inutilmente, afastar
de nós algo que faz parte de nossa vida e que devemos aprender a integrar, a
preencher de sentido, a transformar... Às vezes, no mal que queremos extirpar,
há um bem que não sabemos descobrir.
Com
efeito, temos sempre a tentação de querer extirpar logo e totalmente o joio do
nosso coração, arriscando-nos a arrancar com ele, pela raiz, os germes do bem
que estão crescendo com dificuldade e que exigem uma atitude muito diferente,
isto é, paciência e delicadeza, capacidade de intuição e clarividência,
disponibilidade para alimentar uma sadia tolerância para conosco.
Todo
este processo de integração interior se faz visível na integração com os outros
com quem convivemos.
Parece
claro que, nós seres humanos, ficamos incomodados com o diferente, com aquele
que sente, pensa e crê de outra maneira. Se a isso agregamos a necessidade de ‘ter
razão’, característica do ego, poderíamos explicar a origem de tantas
intolerâncias, fanatismos, juízos, processos inquisitoriais e
condenações...
Tanto
as religiões, como os grupos sociais, insistem em ter tudo bem clarificado e
estabelecido, para evitar sobressaltos. Detrás de tudo isso, o que se busca é
assegurar a sobrevivência e defender-se da ameaça da insegurança ou da
necessidade de mudanças. Sair das próprias posições e convicções, no campo
religioso, social, político, cultural é, para muitos, um processo doloroso.
A
parábola que estamos comentando (joio e trigo) é um chamado à tolerância e à
paciência. A virtude da tolerância não é sinônimo de ‘bonzinho amorfo’,
nem constitui um relativismo suicida. Tolerância é respeito e valorização da
pessoa, acima das diferenças, acima das atitudes contrárias e inclusive,
segundo Jesus, frente às agressões recebidas : ‘Amai vossos inimigos e orai
por aqueles que vos perseguem’.
A
personalidade fanática tende a ver a realidade dividida completamente em duas :
tudo é branco ou preto, verdadeiro ou falso, bom ou mau, trigo ou joio; para
ela, não existem outras tonalidades. Por isso, ela se converte em juiz
implacável que salva ou condena, assume atitudes fascistas ou nazistas, com a
ilusão da raça pura, da ideologia pura, da religião pura...
Niels
Bohr, um dos grandes iniciadores da física quântica, afirmou que ‘o oposto
de uma verdade profunda pode ser também outra verdade profunda’. E para ele
não se tratava de uma crença ou de uma opinião pessoal, mas de uma constatação,
fruto de seus experimentos com partículas sub-atômicas.
Há
um fato inegável : ninguém é igual a outro, todos temos algo que nos
diferencia. Por isso existe a biodiversidade, milhões de formas de vida. O
mesmo, e mais profundamente, vale para o nível humano. Aqui as diferenças
mostram a riqueza da única e mesma humanidade. Podemos ser humanos de muitas
formas e devemos ser tolerantes, como toda a realidade é tolerante. A
intolerância será sempre um desvio e uma patologia e assim deve ser
considerada.
Texto bíblico : Mt 13,24-43
Na oração : O rigorismo não faz parte do
caminho da Graça. O caminho da graça se chama compreensão e tolerância. A
melhor resposta é dar a oportunidade para que o trigo amadureça. A melhor
solução é abrir possibilidade para que o joio seja transformado. É questão de
saber esperar. E disso, o amor é especialista.
- Frente ao joio presente em seu interior, que
atitudes assume : auto-julgamento? Moralismo? Intransigência?
- E frente ao outro, que ‘pensa, sente e ama de
maneira diferente’, como você se situa?’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1460351/2020/07/aceitar-o-joio-nos-humaniza/