Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Papa Francisco chega sozinho à praça de São Pedro e reza pelo fim da pandemia, em 27 de março
*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘Cada
vez mais, me surpreendo com o modo que Francisco conduz a Igreja. Sobretudo
depois que estudamos a fundo a história dessa instituição complexa e milenar.
Posso dizer que é um pontificado especial por várias razões. E para dar uma
resposta à provocação feita pelo título deste artigo, argumentarei sem
proposições ‘religiosas’.
Muitos
não se dão conta da força deste pontificado, justamente por interpretarem o
catolicismo somente por meio de seus dogmas e normas canônicas. A
instituição assume um papel na sociedade, e diferente das demais confissões
cristãs, possui um ‘aparato estatal’ que lhe permite exercer uma certa
influência. O papa é, do ponto de vista secular, o soberano do Estado do
Vaticano, e precisamos analisar, de maneira concreta - e menos apaixonada -, se
ele tem conduzido bem ou não esse governo.
Às
vezes, dá a impressão que o pontífice trave uma corrida contra o tempo para ‘colocar
a casa em ordem’. E essa postura é mais que compreensível, afinal, ele foi
eleito para isso. O colégio de cardeais votou num candidato com personalidade
forte o suficiente para assumir essa tarefa. E acertaram em cheio.
A
meu ver, é um dos pontificados que mais acertam no quesito ‘gestão de crise’.
Francisco trabalha por antecipação, lutando contra uma estrutura bastante lenta
e engessada, que arrasta consigo os vícios de uma trajetória, acumulados desde
papado de Avinhão. Ele consegue dar respostas práticas para temas espinhosos, e
é motivado não pelo afã de satisfazer as exigências da opinião pública; mas
para garantir a sobrevivência do próprio catolicismo.
Durante
esta pandemia, por exemplo, Francisco tem assumido um papel fundamental,
demonstrando, através de suas próprias iniciativas, que a igreja não está
alheia ao clamor da sociedade. E não só : quer ser a protagonista dessa rede de
solidariedade e reconstrução. Por conta disso, o santo padre,
incontestavelmente, é um líder muito respeitado fora dos sagrados palácios. E
tem conseguido, com sucesso, chamar a atenção de muitas pessoas para a palavra
da Igreja.
Não
é difícil encontrar alguém que, mesmo sem professar a fé católica, tenha
citado, ao menos uma vez, algo que ele tenha dito. Há o despertar do interesse
pelo que o papa tem a dizer; aliás, tem sempre alguém na expectativa do seu
parecer. E dessa vez - menos mal - não somente sobre assuntos ligados à
religião. Francisco vê o cristianismo como ‘fermento na massa’, como
espaço de encontro, não como um antro de proselitistas, como Bento XVI já havia
precisado. Ele quer convencer o mundo que o cristianismo ainda tem algo a
dizer, mesmo que muitos de seus seguidores ainda o caricaturem e parte da
sociedade ainda o rejeite.
O
papa argentino concebe a cúria romana não somente como um organismo que
coordena as ações da Igreja, mas um ente representativo desta mesma Igreja, que
é romana e universal. Após os vários escândalos que acabaram ofuscando o
pontificado brilhante de Bento XVI, os cardeais optaram pelo frescor de uma
igreja ‘nova’, como a latino-americana, de modo que, através dessa
escolha audaciosa e sem precedentes, a credibilidade da instituição fosse, de
alguma forma, resgatada. E nesse processo, escolheram um papa que pudesse dar
mais ênfase aos fundamentos do cristianismo em detrimento da manutenção desse
corporativismo eclesial estéril.
E
abraçar uma reforma não é para qualquer um. Para se ter uma ideia, na história
do catolicismo foram realizadas somente cinco grandes reformas da cúria romana.
E Francisco coordena uma das mais audaciosas já realizadas. ‘Ir às
periferias existenciais’, que se tornou o mote deste pontificado, é também
tocar nas mazelas da própria igreja. Apesar de ele ter a consciência, no
tocante à reforma, que possivelmente serão seus sucessores a colherem seus
frutos.
Os
avanços diplomáticos de Francisco têm sido significativos. A começar pela lista
de países que, até então, jamais tinham sido visitados por um pontífice. A
reaproximação discreta com a China - visando a abertura de uma nunciatura
apostólica que possa garantir a segurança dos cristãos do território -; a
declaração de Abu Dhabi, que em parceria com as alas mais moderadas do
islamismo, lança um apelo pelo fim do terrorismo e pela difusão dos valores
inegociáveis e uma série de outras iniciativas servem para reforçar a
importância do catolicismo para a sociedade. A passos lentos, a Santa Sé se
arrisca muito mais que antes. Com perdas e ganhos, mas com aberturas que se
refletirão no futuro. E a história comprovará isso.
Francisco
é um papa a ser estudado com afinco. Precisamos estar atentos a cada palavra
que ele diz, pois nenhuma é em vão. Todas as suas atitudes fazem parte de um
projeto de ‘relançamento’ do cristianismo, revolucionando a forma de
concebê-lo a partir da sua própria essência.
As
dificuldades que ele enfrenta ao assumir essa missão, não foram vividas com
exclusividade por ele. A diplomacia corajosa de João XXIII levaram-no a
enfrentar e vencer vários leões. A coragem diplomática de Francisco, por sua
vez, se depara com os mesmos resistentes de sempre, que concebem a igreja como
uma confraria, não como organismo vivo que é capaz de transformar a sociedade
através do seu testemunho.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1460201/2020/07/por-que-precisamos-defender-francisco/
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