Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Josep Miró
‘Não
pretendo falar do secularismo em geral, mas do secularismo dos próprios católicos,
dentro da Igreja, porque é evidente que, se ele não existisse, a sociedade não
teria seguido ao longo da história este caminho de afastamento de Deus – ou,
pelo menos, não na proporção que esse afastamento atingiu. A origem dos danos,
por conseguinte, está entre nós mesmos e continua viva e atuante, apesar das
diversas respostas, em muitos casos acertadas.
Os
movimentos eclesiais, implícita ou explicitamente, foram respostas a esse
problema interno. Ao dizer isso, não estou menosprezando a força da dinâmica
social. É evidente que não. Mais uma vez, refiro-me e teorizo sobre a sociedade
desvinculada. A sociedade em si tem uma ontogênese cristã, que pode remontar a
São Paulo e Santo Agostinho, e que consiste na descoberta do valor da
consciência pessoal, da subjetividade. Mas, na lógica cristã, esta
subjetividade se encontra delimitada pela relação com Deus e, quando este
vínculo se rompeu, principalmente a partir do Iluminismo, o subjetivismo se
desenvolveu como uma torrente imparável e arbitrária.
Voltando
ao centro da questão, quero destacar que o que nos falta é algo muito elementar
e ao mesmo tempo difícil de conseguir, aquilo que os mestres da oração procuram
e que faz parte da riqueza comum dos grandes Padres da Igreja : viver e agir na
presença de Deus. Em outras palavras, a ruptura interior, o secularismo
católico, são maneiras de viver o cotidiano, individual ou coletivo, sem que se
esteja na presença de Deus.
Quando
as aulas de uma escola ou universidade católica não começam com uma oração ou
algum tipo de referência a Deus, estão declarando que não existe nenhuma
diferença entre essas instituições e as do âmbito laico ou mesmo ateu. Estão
dizendo que Deus não existe; e não basta enunciar a Sua existência em algum
documento cuidadosamente guardado ou em declarações oficiais. Deus só existe em
nosso coração quando permitimos que Ele viva todos os dias, em cada ato
cotidiano.
Não
existe um momento específico para Deus, pois a vida toda é orientada a Ele. E
isso é difícil para uma consciência acostumada com o pecado, para um espírito
que não foi alimentado previamente com a satisfação que essa presença
proporciona; por isso, o católico acaba fugindo desta necessidade, enganando a
si mesmo e se comportando como se Deus não existisse, apesar dos enfeites religiosos
que pode usar na sua forma de viver.
Viver
na presença de Deus tem muitas consequências, mas há uma que se destaca e afeta
a vida coletiva : a comunhão entre as pessoas. Deus se faz presente na medida
em que somos capazes de fazer essa comunhão surgir. E, na proporção em que a
comunhão é substituída pelo nada ou pelo enfrentamento, a ausência de Deus é
notável.
Quando
falamos de comunhão, que é um estágio superior, falamos também de construção da
comunidade, que é o melhor antídoto para a sociedade desvinculada. Construir
comunidade com todos aqueles com quem compartilhamos uma memória, um projeto,
uma vida; comunidade na escola, no trabalho, na política – e nesta última, até
mesmo entre os opostos, existe ou deveria existir um vínculo forte, uma união
construída pela vontade de buscar o melhor para a pólis. Isto se chama amizade
cívica, virtude apontada por Aristóteles para o bom governo da cidade.
Poderíamos traduzir isso, mais ou menos, como concórdia.
Uma
última reflexão diz respeito ao fato de que, em nossa época, a resposta
política e econômica precisa ser buscada precisamente na teologia. Em um mundo
secularizado radicalmente, como o nosso, só esta forma de pensar, esse
instrumento intelectual, nos leva a conceber as respostas às necessidades humanas
a partir da presença de Deus, buscando a perspectiva de Deus.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2020/07/21/por-que-nos-secularizamos/
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