terça-feira, 7 de julho de 2020

O luto e a dor humana

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

Why “It is better to go to the house of mourning.” – Targuman

*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

 

Há um clamor silencioso, mas ensurdecedor, que vem do luto das famílias de vítimas da Covid-19 


‘O mundo acompanha, pelos meios de comunicação, a dor do luto sofrida, anonimamente, por uma grande multidão, revelando, de maneira desconcertante, o sofrimento humano, provocado pela pandemia da Covid-19. Muitas famílias sequer tiveram a oportunidade para se despedir de seus entes queridos. Uma dor sem bálsamo, um peso necessário ante as exigências para a prevenção de novas contaminações. Há, pois, um clamor silencioso, mas ensurdecedor, que vem do luto dessas famílias. Esse clamor deve sensibilizar a sociedade, para que seja adotada a lógica da compaixão solidária, capaz de aliviar a dor dos enlutados e de promover a aprendizagem de um novo jeito de viver. 

É preocupante a indiferença em relação ao luto vivido pelo outro. Essa indiferença, entre tantas outras, aumenta ainda mais o risco de um colapso humanitário. A insensibilidade para a dor do outro, que é irmão, impede a construção de um tempo novo para a humanidade, pois leva à banalização da vida – um dom precioso. Sua preciosidade deve ser tratada com ternura, nobre reverência e sempre a partir de gestos solidários entre as pessoas. É nessa perspectiva da solidariedade que se deve, inclusive, lidar com as muitas perdas que fazem parte da vida. No caminho oposto – o da indiferença – é ainda mais difícil passar pelo luto, não somente aquele provocado pela morte, mas também pelo fim de ciclos. Cegamente, muitas vezes, as pessoas não aceitam nem a perda daquilo que, na verdade, constitui oferta para o bem de todos. Em vez da consolação, essas pessoas cultivam a revolta. 

O luto é inevitável nas circunstâncias da vida humana, mas pesa muito mais aquele que se origina nas irresponsabilidades, a exemplo do que é imposto pela atual pandemia. O luto torna-se especialmente pesado quando não é vivido adequadamente, pois não se alcança a sua fecundidade dolorosa, a força de redenção que surge nos limites próprios da condição humana. Não se pode tratar o luto com indiferença. Trata-se de experiência a ser vivida considerando a singularidade de sua dor, a consolação que se recebe das pessoas próximas, a oportunidade para aprendizados e qualificação da própria existência, alcançando sentidos profundos sobre o dom da vida. 

Assim é o luto cristão, caminho experiencial terapêutico que se distingue por estar fundamentado na esperança. Essa experiência no contexto da fé cristã é convite a vislumbrar, para além da separação terrena, o reencontro com Deus. Os cristãos consideram seus falecidos não como pobres mortos – eles são os que nos precedem e nos esperam diante de Deus. A morte provoca uma separação muitas vezes desconcertante. Há os que ficam extremamente desconsolados e até deixam de enxergar sentido na vida. O luto cristão se assenta na certeza da vida pós-morte. Assim, reorienta o viver de enlutados, ajuda a permear o coração com recordações consoladoras dos que morreram. E, mesmo na impossibilidade do contato, na invisibilidade, continua forte a presença de quem parte, ajudando a superar tristezas e angústias dos que ficam. 

A fé cristã leva à certeza da vida eterna, conquistada com Jesus – Filho de Deus. Sua morte e ressurreição abriram as portas da vida que nunca passa. A morte é um trânsito pascal, significação luminosa que devolve a certeza de uma vitória definitiva. Essa certeza, se cultivada, ameniza a sensação de fracasso que a perda e a partida sempre trazem. A dor da morte impõe sempre o luto, alguns ainda mais dolorosos, sobretudo por circunstâncias incompreensíveis à racionalidade humana. O cristão também sente o trauma da morte biológica, com as suas angústias e sofrimentos, mas deve deixar-se orientar sempre por uma luz amorosa : a vitória da vida sobre a morte, bálsamo para a dor humana. No caminho indicado por essa luminosidade, os que professam a fé em Jesus devem se comprometer com a vida, zelar por ela em todas as suas etapas. Isto inclui saber sobre a tarefa cristã de se dedicar aos enlutados, sensibilizar-se ante a dor do próximo, que é irmão, tratando-a com o bálsamo da consolação e da solidariedade. 

Neste contexto contemporâneo de tantas feridas, de corações tomados pela dor, é urgente que cada pessoa busque ser presença solidária, compartilhando palavras que devolvam a esperança. Trata-se de cumprir missão paraclética, isto é, consoladora, responsabilidade de todos – uns cuidando dos outros, unidos, para levar luz aos momentos de luto e aliviar a dor humana.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/artigo/8902/2020/07/o-luto-e-a-dor-humana/


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