Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Susana Vilas
Boas, LMC
(Laïcs missionnaires Comboniens)
‘Desde
que a História é História que parece existir um atrito incontornável entre as
gerações. De um lado, os jovens não se reconhecem com aquilo que lhes é imposto
pela sociedade; por outro, os mais velhos – as autoridades da sociedade –
queixam-se dos desleixos e da rebeldia dos mais novos. O incessante
questionamento dos jovens, «porque é que tem de ser assim?»,
contrabalança com o abanar da cabeça dos adultos, enquanto murmuram o habitual
«no meu tempo não era nada disto, havia respeito, os mais novos obedeciam
aos mais velhos», etc. Seja como for, os que hoje parecem não entender os
mais jovens também já foram, outrora, os reclamadores do Estado social. Que
quer isto dizer? Que simplesmente se renderam às forças da autoridade social da
sua época? Claro que não! Se assim fosse, a sociedade na qual cresceram seria
igual à anterior e igual à atual. Ora isso não se verifica. Isto quer apenas
dizer que é sempre mais fácil recorrer à resignação do que ponderar e realizar
mudanças de fundo. Os adultos conhecem as dificuldades de lutar contracorrente
e, de algum modo, procuram proteger os mais jovens. Muitas vezes, este desejo
de proteção assume um carácter impositivo e quase cega e bloqueia a relação
intergeracional. Contudo, fará sentido baixar os braços face a esta
possibilidade? Não será, antes, questão de lutar para um caminhar conjunto em
que a experiência de uns auxilia às mudanças que outros querem realizar?
Diz-se
que burro velho não aprende línguas, por isso, os mais jovens são chamados a
dar um primeiro passo para uma relação fecunda entre gerações. Não porque os
mais velhos são incapazes de o fazer, mas porque a ousadia que tanto
caracteriza a juventude facilita o início de um caminho que nunca se faz
sozinho. A vocação não existe isolada dos outros, nem subsiste se se pretender
vivê-la unicamente de mãos dadas com os que pensam como nós. Ousar trilhar um
caminho de discernimento vocacional acompanhado é ousar confrontar-se consigo
mesmo, com as suas inseguranças e com a própria fragilidade daquilo que se
deseja. Afinal, a vocação não é fruto de um desejo egoísta, mas do sonho de
Deus que se encontra com a autenticidade daquilo que somos – sem nos mutilar
nem nos bloquear naquilo que verdadeiramente nos faz felizes e nos torna
pessoas realizadas.
Acompanhamento
vocacional : uma perda de tempo?
Diz
a escritora e jornalista brasileira Clarice Lispector que «quem caminha
sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado com certeza
vai mais longe.» Ora, quando se fala de vocação, fala-se sempre de ‘chegar
mais longe’, ainda que, quase sempre, isso não signifique chegar depressa.
Por outro lado, isso também não significa ficar parado! Antes, pôr-se a caminho
e, fazendo face às dificuldades, viver a descoberta da vocação de modo seguro,
aprofundado e autêntico.
Este
caminho acompanhado não pode ser confundido com um caminho cheio de gente!
Muitas vezes, pensamos que o fato de fazermos parte de um grupo de jovens e de ‘trabalhar
muito na Igreja’ basta para este acompanhamento vocacional. Afinal, Deus
faz-se presente nestes grupos e nestas atividades – podemos senti-Lo! No
entanto, como adverte o Papa Francisco, nos grupos a que pertencemos «têm a
sensação de viver o amor fraterno, mas o seu grupo talvez se tenha tornado um
simples prolongamento do próprio eu. Isto agrava-se se a vocação do leigo for
concebida unicamente como um serviço interno da Igreja (leitores, acólitos,
catequistas, etc.), esquecendo-se que a vocação laical é, antes de mais nada,
a caridade na família, a caridade social e a caridade política» (Cristo
Vive, n.º 168).
O
compromisso da caridade é aquele que brota da fé – uma fé capaz de transfigurar
o mundo! Não se trata de entender a vocação como uma ação de caridadezinha, mas
de a entender como entrega e serviço de amor à humanidade. Não existe, por isso
mesmo, uma vocação que esteja alheada da justiça, dos direitos humanos ou da
misericórdia. Antes, estas são a base de toda a vocação – na medida em que nela
se inscreve o sentido e a própria essência do ser humano. Assim, discernir e
lutar para se viver a autenticidade da vocação e lutar verdadeiramente por
estes valores que, como sabemos, não são fáceis de alcançar... leva tempo...
exige força e a comunhão do máximo de forças que se possam juntar a nós. No
entanto, a felicidade não é uma corrida contra o tempo, mas
uma caminhada com o tempo – um tempo que se vive humanamente,
de mãos dadas e nunca de modo isolado.
Onde leva o caminho
vocacional?
Perante
os desafios do mundo de hoje, às tantas injustiças, à violência, à fome e à
destruição da vida, o papa propõe aos jovens um caminho de discernimento
vocacional integral : um caminho que não fecha os olhos à realidade, mas,
antes, que vai para lá do próprio umbigo. Trata-se de um caminho que se
constituiu pela construção de uma amizade social, que é bem diferente dos
caminhos da resignação e da imposição. Construir este caminho não é fácil. É
sempre «preciso renunciar a qualquer coisa, é preciso negociar, mas, se o
fizermos a pensar no bem de todos, podemos fazer a experiência maravilhosa de
deixar de lado as diferenças para lutar juntos por um objetivo comum» (Cristo
Vive, n.º 169).
O
caminho que percorremos só pode ser autêntico se vivido em comunidade; uma
comunidade que, apesar das suas dificuldades, dos diferentes modos de pensar e
agir, só subsiste de mãos dadas com todo o género humano. Esta luta não é perda
de tempo! «O empenho social e o contato direto com os pobres continuam a ser
uma oportunidade fundamental para descobrir ou aprofundar a fé e para discernir
a própria vocação» (Cristo Vive, n.º 170).
A vocação na e para a
comunidade
Apesar
das diferenças e das dificuldades de diálogo é na comunidade que frutifica a
vocação; é nela que germina a ‘vida em abundância’ que ansiamos; não
porque esta vida leve a ‘ver-se livre da comunidade’, mas porque permite
viver com ela e para (ao serviço) dela. Não se trata de se tornar escravo da
comunidade, mas de tornar a nossa ação nela como um serviço que integra e
espelha aquilo que verdadeiramente somos e desejamos ser. Se hoje fazemos ‘muitas
coisas para a Igreja’, ousar viver a vocação levará a sermos ‘muita
coisa na Igreja’! Já não se tratará de uma atividade/responsabilidade que
temos de fazer para os outros, mas de um serviço nosso – no qual nos realizamos
e por meio do qual vamos trilhando os caminhos da nossa vocação.
Ousar
percorrer um caminho na e para a comunidade
implica ousar a mudança – tanto a nossa (porque somos obrigados a uma
descentralização, a um olhar para lá do nosso eu) como comunitária (na medida
em que nos tornamos, na comunidade, embaixadores do bem comum e construtores de
um mundo mais justo e mais humano). Atento a este desafio da mudança,
exorta-nos o Papa Francisco, dizendo : «Por favor, não deixeis para outros o
ser protagonista da mudança! [...] Continuai a vencer a apatia, dando uma
resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão surgindo em várias
partes do mundo» (Cristo Vive, n.º 174).’
Fonte : *Artigo na íntegra https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/361/acompanhamento-vocacional-e-vida-na-comunidade/
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