Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Salvatore Cernuzio,
publicada por Vatican Insider
Tradução : Luisa Rabolini
‘‘Penso
na Líbia, nos campos de detenção, nos abusos e violência de que os migrantes
são vítimas. O que chega até nós é uma versão destilada’. Palavras ditas na
semana passada na missa pelos sete anos de sua visita a Lampedusa, a ilha ao
sul da Itália procurada por refugiados vindos da Argélia, Tunísia, Líbia,
Bangladesh.
A
versão completa da realidade dramática de milhares de refugiados, feridos no
corpo e na alma durante as viagens da esperança, Padre Carmelo La Magra, pároco
de San Gelando em Lampedusa, a vê todos os dias diante de seus olhos. ‘Não
são apenas os relatos que ouvimos na ilha. Certas histórias são contadas não
por palavras, mas pelos sinais que trazem os corpos dos migrantes :
queimaduras, feridas, facadas’. Leia a entrevista do padre Carmelo à
revista Vatican Insider.
Padre Carmelo, o Papa
está certo quando fala de versões ‘destiladas’?
É
claro que ele está certo. O que chega é uma versão aceitável, do nosso ponto de
vista, sobre o sofrimento que os migrantes vivenciam. Histórias edulcoradas que
não nos incomodam. Isso é feito para não perturbar os corações ou para que
sejam aceitas determinadas escolhas políticas. Aqui, ouvimos testemunhos
diretos, vemos vídeos de pessoas penduradas de cabeça para baixo ou tratamos
queimaduras nos ombros dos meninos, facadas nas solas dos pés. Essa é realidade
: histórias escritas na carne das pessoas, não teorias.
Alguma coisa mudou
desde a visita do papa, com seu apelo para não desviar o olhar diante dessa
emergência?
Perguntamo-nos
isso todos os anos e a resposta é sempre a mesma. Nada mudou, certamente nada
mudou para melhor. O grito do Santo Padre foi ouvido por pessoas de boa
vontade, por muitos crentes, mas parece ter caído no vazio entre aqueles que
têm poder ou os papéis de responsabilidade. Posso dizer que a situação piorou?
Eu não sei, eu só sei que ainda estão sendo feitos acordos com aquela Líbia de
que o Papa Francisco estava falando hoje, ainda estão em vigor decretos de
segurança, o período de ‘portos fechados’ já passou, mas aqueles que
fazem resgate no mar ainda são culpabilizados e se tende a dificultar quem
tenta expressar um acolhimento. As pessoas morrem no mar, as pessoas ficam
esperando dias e dias nos navios sem motivo. Basta pensar no que aconteceu até
ontem em Malta, com 52 seres humanos em um navio que não tinha permissão para
atracar. Por que fazer as pessoas sofrerem? Para quem está naquelas condições,
um dia a mais faz a diferença.
Qual é a situação em
Lampedusa neste momento?
Vários
migrantes ainda estão presentes nos hotspots. Os desembarques continuaram nos
últimos dias, após um intervalo devido ao vento que impedia as partidas. De
fato, porém, nesses meses nunca foram interrompidos. Embora alguém tenha dito
que a presença de ONGs era o chamariz, na verdade, nos últimos meses sem ONGs,
o número de chegadas aumentou. Graças a Deus, algumas voltaram ao mar para
prestar socorro. Além disso, as transferências também se tornaram mais rápidas
e regulares.
‘Esta é realidade dos migrantes : histórias escritas a golpes na carne’.
Que tipo de trabalho o senhor realiza em Lampedusa? Imagino que a
atividade pastoral comum como pároco em um contexto tão difícil não seja
suficiente.
Como
padre e pároco, meu compromisso, em primeiro lugar, é proclamar o Evangelho aos
lampedusanos e a todos os que passam por aqui. Fiquei impressionado com as
palavras do papa nesta manhã sobre reconhecer o rosto de Cristo nos irmãos em
dificuldade. Esse é um desafio para a nossa comunidade paroquial; existem
muitos fatores que dificultam a compreensão dessa verdade do evangelho. A
tarefa do pároco é mediar, ressaltar que as necessidades não têm nacionalidade,
que qualquer um que tiver necessidade precisa ser ajudado.
Como isso é
concretamente aplicado?
Dando
voz aos migrantes para garantir seus direitos ou oferecer apoio material, às
vezes alimentos, roupas ou outros auxílios durante o tempo em que estiverem
aqui. Ou, ainda, ajudando os doentes visto que um dos maiores problemas de
Lampedusa é a precariedade da assistência sanitária. Estamos falando de uma
pequena ilha e, como tal, deve ser posta em condições de acolher bem, de ter as
estruturas estáveis. Por exemplo, em maio, descobrimos que não havia lugares
suficientes para acomodar pessoas que passavam o dia ao sol e as noites ao frio
no píer. Então, oferecemos ao prefeito a disponibilidade de recebê-las nas
salas da paróquia.
O senhor recebe
críticas pelo que faz?
Sim,
aconteceu e acontece. Alguns insultos, às vezes até ameaças, especialmente
através das mídias sociais. Mas, tudo bem, não é nada relevante, coisa do
dia-a-dia ... As ofensas continuam lá nos fóruns do Facebook.
Nestes quatro anos
como pároco de Lampedusa, o senhor viu centenas de histórias de vida passarem
diante de seus olhos. Qual foi a mais marcante para o senhor?
São
muitas e todas tão intensas que me parece errado escolher algumas. É claro que
permanece viva a memória de uma história tão tenra quanto dramática : no dia 7
de outubro de 2019, houve um grande naufrágio perto de Lampedusa e os
resgatados foram trazidos ao píer. Todos tentaram rastrear seus entes queridos.
A certa altura, vi um pai chegando, era jovem, com um bebê nos braços. Ele
estava procurando por sua esposa, e gritava no meio da multidão. Tentei
ajudá-lo, mas em algum momento percebi que não trariam mais nenhum sobrevivente
para o píer. Foi uma grande dor dizer a esse jovem que não havia sinal de sua
esposa. O que mais me impressionou é que, naquele momento, sequer lhe foi
permitido chorar. Ele pegou o menino e o abraçou, dizendo algo sobre a mãe que
não estava lá. Embora destruído pela dor, ele quis colocá-la de lado para
garantir uma chegada serena ao seu filho já assustado. Dificilmente creio que
esquecerei essa cena.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/periscopio/2242/2020/07/o-naufragio-da-humanidade/
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