Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Marco Rizzi,
professor
‘Uma
curiosa exposição dedicada a Baltasar, um dos três Reis Magos, às vezes
representado com pele escura, está acontecendo no Getty Center Museum,
em Los Angeles. Mas para quem mora em Milão, não é necessário atravessar o
oceano para se encontrar com ele. A uma curta distância do cais do rio, no meio
da vida noturna, a torre do sino da igreja de Sant’Eustorgio tem uma
peculiaridade : no topo, não há como de costume uma cruz, mas uma estrela de
oito pontas. Trata-se do cometa que no Evangelho de Mateus, guia os
Reis Magos até a cabana de Belém, para adorar o menino Jesus.
Reis
Magos cujos corpos teriam sido trazidos a Milão desde Constantinopla no século
4 pelo bispo Eustórgio, que os teria depositado na igreja, posteriormente
dedicada à sua homenagem. Mas Federico Barbaruiva depois de derrotar Milão em
1162, os teria levado a Colônia, provocando a ira dos milaneses, enquanto no
século seguinte na cidade renana seu culto teria se desenvolvido enormemente em
torno da catedral fundada em 1249, atraindo massas de peregrinos e promovendo
um feira de sucesso. Somente em 1903 o cardeal de Milão Andrea Ferrari teria
obtido uma pequena porção das relíquias de seu colega de Colônia, Anton
Fischer, ainda hoje conservada em uma capela na igreja de Sant'Eustorgio.
No
entanto, Marco Polo, que morreu em 1324, conta ter visto seus túmulos na Pérsia
algumas décadas antes, e como ele outros viajantes da época. Como costumava
acontecer na Idade Média, a disseminação de um culto aumentava muito as
relíquias, as lendas e as representações do santo. Na realidade, apenas o Evangelho
de Mateus (capítulo 2) conta a história dos magos (assim em grego) que
vieram do Oriente seguindo uma estrela para homenagear o menino Jesus. Não há
informações mais precisas sobre os nomes, o número, a região de origem; apenas
a menção dos presentes : ouro, incenso e mirra.
No
mundo antigo, o termo ‘mago’ (esta é a tradução correta do grego) tinha
um significado ambíguo, indicando quem desempenhava um papel de mediação com o
divino, tanto em termos negativos e perigosos, quanto em termos mais positivos
e profícuos para os homens. A menção da estrela sugere que Mateus os
considerasse nessa segunda acepção, aproximando-os dos astrólogos, categoria
igualmente ambígua.
A
partir do século 3, os autores cristãos se esforçaram para eliminar todos os
vestígios de ambiguidade. Aproveitando o Salmo 72 (Os reis de Társis e das
ilhas trarão presentes; os reis de Sabá e de Seba oferecerão dons), entendido
como um anúncio do Messias, os Magos foram identificados com os reis orientais,
enquanto Orígenes foi o primeiro em fixá-los em número de três, com base nos
presentes oferecidos a Jesus. Além disso, nas primeiras representações do
episódio, seu número varia de dois a doze. No entanto, o que mais interessava
aos primeiros exegetas era sua origem não-judaica, tomada como uma demonstração
de como a salvação trazida por Cristo fosse destinada a toda a humanidade.
A
partir do século 4, no Oriente e no Ocidente, se multiplicam as lendas sobre
aqueles que agora se tornaram os três Reis Magos.
No
livro Siríaco da Caverna dos Tesouros, os presentes oferecidos ao
Salvador haviam sido encontrados em uma caverna, onde foram colocados por Adão
e Eva após serem expulsos do paraíso, em antecipação daquele momento. Nessa
história, os Magos são acompanhados por um exército poderoso e muitos servos,
tema frequentemente encontrado também na iconografia.
No
ocidente, Agnello de Ravenna, no século 9, foi o primeiro a relatar os nomes
com que ainda hoje são conhecidos : Gaspar, Baltasar e Melquior. Os três são
considerados os representantes de raças humanas, gerados pelos três filhos de
Noé - Sem, Cam e Iaphet - e, portanto, dos três continentes então conhecidos,
Ásia, África, Europa. Nos Collectanea atribuídos a Bede, o Venerável, um pouco
posteriores, o aspecto de cada um é especificado; de Baltasar, fala-se que era
fuscus, ou seja, escuro. A ele cabe representar a África, como confirmado no
século 12 por uma oração da mística e visionária Elizabeth de Schönau.
A
exposição no Getty Center investiga a difusão da iconografia ‘africana’
de Baltasar nos materiais das coleções do museu, manuscritos e iluminuras. Na
reconstrução dos curadores, a iconografia de Baltasar como negro africano se
espalha na arte europeia, coincidindo com o estabelecimento de relações
comerciais entre a Europa e a África. O papel decisivo, no entanto, teria sido
desempenhado pelo comércio de escravos das regiões subsaarianas.
A
partir de meados do século 15, tornou-se uma prática generalizada e lucrativa
com incursões portuguesas na África Ocidental. Assim, os artistas europeus
começaram a representar Baltasar como um homem negro, enquanto anteriormente
sua origem era mais sinalizada pela presença ao seu lado de um criado de pele
escura. Segundo os curadores, essa iconografia refletiria a mercantilização dos
negros africanos na Europa do século XV. Em suma, depois de Cristóvão Colombo,
os brancos europeus também são culpados pelos Reis Magos : escaparam de
Herodes, mas não do espírito do tempo (americano).’
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