'Conquista de Constantinopla', de David Aubert
(Wikipedia/ Domínio público)
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘Como
a história do cristianismo é transmitida para o público em geral? O que está
por trás de uma seleção criteriosa dos fatos? Por que alguns eventos históricos
e personagens receberam tanto destaque e outros não? Se formos analisar a fundo
essa operação, chegaremos à conclusão que uma interpretação maniqueísta da
história do cristianismo é algo que perdura há séculos.
Nos
deparamos sempre com aquele antagonismo radical entre cristãos e pagãos,
bárbaros e romanos, cruzados e invasores. É como se, no caso dos cristãos, seja
um sacrilégio constatar que a história da religião com maior número de adeptos
do mundo também é feita de sombras. É quase um pecado dizer que a maioria das
campanhas militares das cruzadas medievais visavam muito mais a expansão dos territórios
que a propagação da fé ou a defesa dos territórios sagrados, por exemplo. Negar
fatos históricos, reproduzidos após anos de pesquisa criteriosa, é mais um
indicativo dessa imaturidade na fé revestida de ‘zelo’ que caracteriza
muitos católicos da atualidade.
Por
outro lado, há quem, em vez de contribuir com a reflexão, acaba fazendo o
contrário. Muitos ataques gratuitos contra a Igreja Católica também são
desprovidos de qualquer fundamento científico. Se por um lado o iluminismo
gerou um primeiro impulso na busca dessas respostas, no século 18, esse mesmo
movimento também foi uma verdadeira fábrica de análises incompletas a respeito
do catolicismo.
E
muitos desses conceitos iluministas ainda hoje compõem as principais cartilhas
da disciplina de história. Um deles foi a afirmação de que a Igreja teria
propagado ‘o mito da terra plana’. A instituição, ao contrário,
praticamente desconsiderava essa teoria, a qual foi desenvolvida por um monge
grego do século 6, chamado Cosme Indicopleustes. Só para citar um
exemplo.
Porém,
em resposta aos ataques, a Igreja acabou respondendo mal. E assim ela passou a
produzir uma narrativa paralela caracterizada majoritariamente por triunfos.
Vemos essa tendência se repetir entre os religiosos que fazem sucesso nas redes
sociais atualmente – o areópago virtual onde cada qual se sente no direito de
antepor a ideologia à pesquisa científica. Absolutismo historiográfico : as
redes sociais tem sido um antro daquelas que a praticam.
É
difícil questionar um popstar da fé sem, no mínimo, ser
tachado de herege. E assim se coloca em descrédito o trabalho sério de
historiadores de carreira que simplesmente identificam que a história do
cristianismo é composta por uma trajetória tão humana como a de qualquer outra
religião ou instituição. Uma história feita de luzes e sombras, disputas e
conquistas, erros e acertos.
Já
nos primeiros séculos, os escritos hagiográficos eram alguns dos meios mais
eficazes de propagação da religião nascente. Muitas dessas histórias, reunidas
numa espécie de coletânea, elencavam os feitos heróicos de alguns personagens.
Tal narrativa criou a consciência coletiva de que a perfeição e o heroísmo
seriam as principais características de uma história protagonizada por
cristãos.
Passou-se
a reproduzir a história do cristianismo sem aquela interdisciplinaridade
proposta pela Nouvelle Histoire dos anos 70, a qual combate justamente
esse positivismo praticado por muitos escritores católicos na atualidade.
Confiamos à teologia a tarefa de produzir veredictos por causa do medo que
ainda temos de chegar às faíscas de verdade que muitos fragmentos nos deixaram.
A resposta imediata de que ‘foi a providência divina’ é muito mais
cômoda que os porquês salutares que perturbam, mas enriquecem a existência.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1409238/2019/12/historia-dos-cristaos-entre-manipulacao-e-verdade/
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