quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

O problema é Jesus!


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Jesus sempre será um problema para a sociedade e para o cristianismo.
*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante



Desde sua origem, o cristianismo e seus discípulos tiveram que lidar com diversas questões que os tiravam de alguma possível zona de conforto e suas próprias visões de Deus, justamente por Jesus ter sido muito diferente daquilo que se esperava dele. Exemplos desse tipo podem ser dados em coisas que, para nós, cristãos e cristãs do século XXI, parecem besteiras, contudo se mostravam de uma importância significativa e algumas vezes, fundamental para essa nova religião que se iniciava.

Um desses exemplos é o batismo de Jesus. O cristianismo nascente precisava lidar com o fato de que Jesus havia sido batizado por João, que fazia um batismo de arrependimento para todos e todas as que vinham até ele. Ora, se de acordo com o cristianismo, Jesus não havia cometido nenhum pecado, qual o motivo dele ser batizado por João? Os próprios Evangelhos tiveram dificuldades em lidar com isso, bastando, para isso, perceber como que as narrativas vão sendo mais elaboradas à medida que o tempo de escrita vai se passando. Marcos e Lucas escrevem um pequeno trecho sobre isso. Mateus, por sua vez, já incorpora outros elementos na narrativa, como por exemplo, a resistência de João Batista com relação a esse batismo, a fim de dar a entender que João via Jesus como superior a ele. O evangelho de João, último escrito, por sua vez, nem menciona essa questão.

Outro exemplo é a própria morte de Jesus crucificado. Era sabido naquela época que a morte por crucificação era imposta pelo Império Romano a todos e todas que se levantassem contra César, como exemplo para que outras pessoas não tentassem se revoltar contra seu governo. Como falar que o crucificado, o morto como bandido, entre bandidos, era o messias prometido para a salvação do povo de Israel?

Há vários outros exemplos que poderíamos citar, mas somente esses dois mostram a imensa dificuldade que essas questões traziam para um cristianismo nascente que precisava dar respostas a questões totalmente passíveis de interrogação para aquele tempo e que, além disso, ainda pregava que um nazareno subversivo era, de fato, a encarnação de Deus na Terra e modelo a ser seguido por todos e todas.

Ainda hoje Jesus continua sendo um problema, principalmente para os diversos cristianismos que caminham na contramão daquilo proposto por ele, tais como o neoliberal e seu irmão gêmeo, o cristianismo da teologia da prosperidade, uma vez que Jesus os interpela mostrando que a mensagem de riqueza que anunciam em nada tem a ver com a mensagem de amor que ele anunciava como marca característica de Deus.

Também se mostra como um problema para aqueles e aquelas que querem pensar um Jesus que não viveu na carne, mas somente como um ser celestial e glorificado que não é desse mundo e que saía fazendo milagres a torto e a direita para anunciar o Reino de Deus, imaginando que ele não sofria os desejos, angústias, paixões, alegria e necessidades fisiológicas como qualquer outro ser humano. No lugar, preferem trazer para seus discursos certa ideia mitológica a respeito de sua pessoa que distorcem totalmente aquilo que os Evangelhos narram a respeito de Jesus de Nazaré, o que ‘andou por toda parte fazendo o bem e libertando a todos os que eram oprimidos pelo diabo’ (At 10,38).

Como consequências dessa visão de Jesus como alguém desconectado da sua carne tem-se a pregação de uma nova que não é boa nova, antes, má nova para aquele e aquela que a escuta, uma vez que traz, em sua maioria, moralismos que oprimem e jogam sobre os ombros das pessoas uma carga extremamente difícil e pesada de se carregar, e que visam somente à manutenção do poder daqueles e daquelas que se usam desse tipo de discurso.

Diante disso, Jesus sempre será um problema para a sociedade e para o cristianismo, uma vez que sua vida e sua entrega em amor a Deus e ao próximo revela que o ser humano desejado por Deus deve fazer o mesmo e a religião que carrega seu discurso deve se ater menos a regras morais e mais a ações efetivas de amor no mundo.’


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