Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Fabrício Veliq,
teólogo
protestante
Desde
sua origem, o cristianismo e seus discípulos tiveram que lidar com diversas
questões que os tiravam de alguma possível zona de conforto e suas próprias
visões de Deus, justamente por Jesus ter sido muito diferente daquilo que se
esperava dele. Exemplos desse tipo podem ser dados em coisas que, para nós,
cristãos e cristãs do século XXI, parecem besteiras, contudo se mostravam de
uma importância significativa e algumas vezes, fundamental para essa nova
religião que se iniciava.
Um
desses exemplos é o batismo de Jesus. O cristianismo nascente precisava lidar
com o fato de que Jesus havia sido batizado por João, que fazia um batismo de
arrependimento para todos e todas as que vinham até ele. Ora, se de acordo com
o cristianismo, Jesus não havia cometido nenhum pecado, qual o motivo dele ser
batizado por João? Os próprios Evangelhos tiveram dificuldades em lidar com
isso, bastando, para isso, perceber como que as narrativas vão sendo mais
elaboradas à medida que o tempo de escrita vai se passando. Marcos e Lucas
escrevem um pequeno trecho sobre isso. Mateus, por sua vez, já incorpora outros
elementos na narrativa, como por exemplo, a resistência de João Batista com
relação a esse batismo, a fim de dar a entender que João via Jesus como
superior a ele. O evangelho de João, último escrito, por sua vez, nem menciona
essa questão.
Outro
exemplo é a própria morte de Jesus crucificado. Era sabido naquela época que a
morte por crucificação era imposta pelo Império Romano a todos e todas que se
levantassem contra César, como exemplo para que outras pessoas não tentassem se
revoltar contra seu governo. Como falar que o crucificado, o morto como
bandido, entre bandidos, era o messias prometido para a salvação do povo de
Israel?
Há
vários outros exemplos que poderíamos citar, mas somente esses dois mostram a
imensa dificuldade que essas questões traziam para um cristianismo nascente que
precisava dar respostas a questões totalmente passíveis de interrogação para
aquele tempo e que, além disso, ainda pregava que um nazareno subversivo era,
de fato, a encarnação de Deus na Terra e modelo a ser seguido por todos e
todas.
Ainda
hoje Jesus continua sendo um problema, principalmente para os diversos
cristianismos que caminham na contramão daquilo proposto por ele, tais como o
neoliberal e seu irmão gêmeo, o cristianismo da teologia da prosperidade, uma
vez que Jesus os interpela mostrando que a mensagem de riqueza que anunciam em
nada tem a ver com a mensagem de amor que ele anunciava como marca
característica de Deus.
Também
se mostra como um problema para aqueles e aquelas que querem pensar um Jesus
que não viveu na carne, mas somente como um ser celestial e glorificado que não
é desse mundo e que saía fazendo milagres a torto e a direita para anunciar o
Reino de Deus, imaginando que ele não sofria os desejos, angústias, paixões,
alegria e necessidades fisiológicas como qualquer outro ser humano. No lugar,
preferem trazer para seus discursos certa ideia mitológica a respeito de sua
pessoa que distorcem totalmente aquilo que os Evangelhos narram a respeito de
Jesus de Nazaré, o que ‘andou por toda
parte fazendo o bem e libertando a todos os que eram oprimidos pelo diabo’
(At 10,38).
Como
consequências dessa visão de Jesus como alguém desconectado da sua carne tem-se
a pregação de uma nova que não é boa nova, antes, má nova para aquele e aquela
que a escuta, uma vez que traz, em sua maioria, moralismos que oprimem e jogam
sobre os ombros das pessoas uma carga extremamente difícil e pesada de se
carregar, e que visam somente à manutenção do poder daqueles e daquelas que se
usam desse tipo de discurso.
Diante
disso, Jesus sempre será um problema para a sociedade e para o cristianismo, uma
vez que sua vida e sua entrega em amor a Deus e ao próximo revela que o ser
humano desejado por Deus deve fazer o mesmo e a religião que carrega seu
discurso deve se ater menos a regras morais e mais a ações efetivas de amor no
mundo.’
Fonte
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