O Papa Francisco caminha com o rabino argentino Abraham Skorka, à esquerda, e Omar Abboud, um líder muçulmano da Argentina, depois de orar no Muro das Lamentações em Jerusalém em 26 de maio de 2014. (CNS photo/Paul Haring)
*Artigo
do Rabino Abraham Skorka,
Tradução : Ramón Lara
O
diálogo inter-religioso sempre foi uma prioridade para mim. Aprendi a
importância do meu mentor, o rabino Marshall T. Meyer, um protegido do grande
rabino Abraham Joshua Heschel. Conheci Jorge Mario Bergoglio há quase 20 anos,
quando ele era bispo auxiliar em Buenos Aires. Reconhecemos, um no outro, um
parceiro para a promulgação de nosso compromisso comum de diálogo entre as
religiões. Nos anos seguintes, nos engajamos em numerosas conversas sinceras,
que ambos consideramos profundamente significativas e transformadoras.
Em
preparação para o encontro em Abu Dhabi, me pergunto por que meus diálogos com
o futuro Papa Francisco afetaram tão poderosamente a nós dois. Parece que foram
palavras além de trocas superficiais de informações e se tornaram experiências
espirituais e pessoais profundas. Como essas palavras chegaram a incorporar o
que Francisco descreveu como ‘o caminho
da amizade’ que judeus e católicos empreenderam desde o Concílio Vaticano
II?
Primeiro,
colocamos conscientemente Deus no centro de nossas trocas. Conversamos sobre
Deus e como nos aproximar de Deus. Queríamos aprender com as experiências de
Deus um do outro. Isso nos deu a certeza de que Deus estava nos acompanhando em
nossa jornada.
Manter
o foco em nossos relacionamentos com Deus nos manteve humildes e mais abertos
uns aos outros. Como Francisco escreveu em Sobre o Céu e a Terra, o livro que
escrevemos em conjunto : ‘Para o diálogo,
é preciso saber como abaixar as defesas, abrir as portas do lar e oferecer
calor e acolhida’. Entendemos que Deus criou todas nós a imagem divina,
permitindo-nos ver o reflexo de Deus nos rostos um do outro enquanto abríamos
cada vez mais nossos corações.
Além
disso, nunca tentamos persuadir - ou dissuadir - um ao outro de qualquer coisa.
Como o Papa Francisco recordou : ‘Aqui
havia uma base de total confiança, e nenhum de nós negociou nossa própria
identidade. Se tivéssemos feito isso, não teríamos podido conversar. Teria sido
uma farsa... E nenhum de nós tentou converter o outro’. Por causa de nossa
confiança, ‘nosso diálogo foi livre’, como Francisco me lembrou quando
compartilhei um rascunho deste ensaio com ele. O respeito pela integridade
religiosa um do outro, na verdade, nos ajudou a aprender juntos. ‘Minha vida religiosa ficou mais rica com
suas explicações, muito mais rica mesmo’, observou meu amigo.
Francisco
e eu também entendemos que as demandas do presente - o esforço comum pela paz,
o alívio da fome, o fim da destruição do nosso ecossistema global - eram
urgentes. Além das diferenças e das distâncias percebidas que separaram judeus
e cristãos por séculos, uma importância muito maior foi dada ao fundamento
ético comum que compartilhamos na Bíblia, o que nos permite trabalhar juntos.
Crucialmente,
cada um de nós tentou entender a identidade religiosa do outro em seus próprios
termos e compartilhar as preocupações de cada um. Lembro-me da dor de Francis
sobre o antissemitismo. ‘Um cristão não
pode ser um antissemita’, declarou repetidamente como Papa. Ele também
afirmou que ‘um ataque direto ao Estado
de Israel é [uma forma de] antissemitismo’ porque ‘Israel tem todo o direito de existir em segurança e prosperidade’.
Embora
Francisco tenha expressado esses sentimentos por causa de seu profundo respeito
pelos direitos humanos e pelo povo e a tradição judaica - e não por causa de
nossa amizade - sua capacidade de sentir empatia pela mágoa dos outros foi um
grande presente que muitas vezes enriqueceu nossos diálogos.
Finalmente,
valorizamos as diferenças dentro de nossas semelhanças. Aprendemos que seria
uma blasfêmia a Deus se permitíssemos que definir as diferenças nos separassem
como filhos de Deus e como irmãos. O diálogo é o imperativo de nossa era.
Francisco certa vez me escreveu que ‘a
semente da paz, uma vez semeada, não será destruída. Você tem que esperar o
nascimento do tempo que favorecerá seu crescimento, orando e seguindo o
mandamento do amor’.
Esta
é a mensagem que espero trazer para Abu Dhabi. Esforçar-se por uma autêntica
amizade e paz através do diálogo não é uma ilusão. Na verdade, é o destino da
existência humana.
Este
artigo também foi publicado, com a manchete ‘Um papa e um rabino em Abu Dhabi’, na edição de 4 de fevereiro de
2019.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1332032/2019/02/rabbi-skorka-o-que-minha-amizade-com-o-papa-francisco-me-ensinou-sobre-o-dialogo-inter-religioso/
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