Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘Bater no peito é
um gesto simbólico, forte. É a demonstração de uma consciência iluminada para a
necessidade inadiável de conversão e mudança no contexto atual, com suas
lacunas e crises de todos os tipos. Sabe-se que não se avança sem inovações na
tecnologia, nos funcionamentos das instituições, na adoção de novas estratégias
capazes de alcançar soluções para os desafios contemporâneos. Tudo isso é
importante. Mas, acima de tudo, é preciso promover transformações no jeito de
ser de cada cidadão, para que famílias, comunidades, instituições, toda a
sociedade, sejam constituídas por pessoas qualificadas. Assim, fica claro
que a conversão e a mudança podem ser os pilares insubstituíveis para que as
consciências tornem-se a força capaz de dar novo rumo à humanidade. Eis o maior
desafio existencial e ético-moral.
Sem a necessária
revisão interior, permanecem os passivos e atrasos. São perdidos valores
culturais e religiosos. Habitua-se a conviver com a incompetência
humanístico-existencial nos mais diversos ambientes. Os indivíduos se tornam
espectros, sem força para desencadear necessárias transformações. Contentam-se
a realizar um ‘voo cego’, sem rumos,
desprovido de clarividência. Quando não se revisa a própria consciência,
a tendência é agir com certa permissividade na defesa de interesses espúrios,
revelando mesquinhez. O resultado é uma sociedade moralmente
desarticulada, com segmentos e instituições que servem como ancoradouro dos
medíocres. O ser humano perde a capacidade e a sensibilidade para reconhecer o
inestimável valor do semelhante - a expressão do que é nobre e grandioso na
promoção do bem.
As muitas
dificuldades enfrentadas atualmente podem ser, em grande parte, resultado do
que é produzido nas mentes daqueles que não adotam o gesto ritual, com força de
tocar a consciência, de bater no próprio peito. Esse gesto simbólico significa
reconhecer, humildemente, as próprias limitações. É o primeiro passo para se
viver processos de requalificação. Hoje, bate-se no peito como sinal de várias
outras coisas : para se gabar do pouco que se fez, para a autopromoção, para
justificar o que é da própria conveniência, para querer apresentar-se como
melhor do que o outro, para tentar conquistar admiração, enaltecendo o que
julga possuir em termos de qualidades. Perde-se, assim, a oportunidade de se
exercitar na indispensável tarefa de reconhecer os próprios limites. Com isso,
corremos o risco de acentuar formas perigosas de individualismo.
Progressivamente,
as pessoas tornam-se menos habilitadas para o necessário embate de ideias e
perspectivas, dinâmica fundamental para a revisão das próprias convicções e,
consequentemente, para o amadurecimento. Sem abertura para mudança, indivíduos
se agarram a critérios que produzem juízos equivocados. Na contramão de
processos de conversão, vê-se o aumento de posturas enrijecidas, pela
manutenção de reações e considerações cristalizadas, levando a humanidade a
conviver com tantas situações cruéis : preconceitos, ódios, indiferenças.
São alimentadas disputas e tornam-se cada vez mais distantes as
possibilidades de reconciliação. Essas situações revelam mediocridades
humanísticas e espirituais.
E o tempo precioso
da Quaresma, delicadeza de Deus para com o seu Povo, é a oportunidade para
resgatar o nobre sentido de bater no peito como experiência
existencial-penitencial, investimento para corrigir a própria conduta,
compreendendo-se como instrumento para promover convivências saudáveis. Ao
bater no próprio peito, reconhecendo limitações, com abertura para evoluir,
cada pessoa torna-se agente no processo de qualificação do tecido social,
humanístico, religioso e cultural no mundo contemporâneo. Pode oferecer, assim,
contribuição para edificar uma civilização fraterna e solidária, capaz de
superar os variados tipos de violência.
O gesto de bater
no peito, com humildade e altruísmo, exige vencer qualquer postura narcísica.
Ao invés disso, o olhar deve dirigir-se para a pessoa capaz de transformar o
coração de todos : Jesus Cristo, contemplando o seu caminho redentor de paixão,
morte e ressurreição. Bater no peito, com a abertura para reconhecer as
próprias limitações, cultivando a disponibilidade para evoluir, é exercício que
ilumina consciências. Caminho indispensável para o surgimento de líderes
capazes de cumprir a missão que assumiram, cidadãos que prezam e têm gosto pela
solidariedade fraterna, gente que reconhece e valoriza os bens históricos,
culturais e ecológicos.
Bater no peito,
sem medo e até por gosto terapêutico, examinar a própria consciência,
reconhecer erros e mediocridades, um esforço da razão e, acima de tudo, com
abertura para a graça de Deus, com o olhar fixo n’Ele, o Cristo. Aí está o
exercício transformador que qualifica a interioridade humana para alcançar
novos propósitos, a alegria de sair da própria prisão existencial para fazer-se
instrumento do amor e da verdade, edificando um tempo novo, o tempo de Deus!’
Fonte :
Nenhum comentário:
Postar um comentário