*Artigo publicado na Revista Arautos do Evangelho,
Maio/2007, n. 65, p. 34 à 36
(Tradução, com adaptações, de ‘L’Ami du Clergé’ nº 39, de 23/9/1880)
‘‘Rogai por nós pecadores, agora... e na hora de nossa morte.’
Qual a razão de tanta insistência em pedir que Maria nos assista no fim de
nossa vida?
Na oração que
tantas vezes dirigimos a Nossa Senhora há duas partes distintas, as quais
convém analisar : uma diz respeito ao presente, a outra ao futuro. A primeira
muda continuamente no que diz respeito ao tema do pedido; a segunda não varia,
roga sempre a mesma graça.
Rogai por nós
agora é o pedido da hora presente, cujo objeto será diferente conforme nossas
necessidades. Por vezes será a solicitação de uma graça protetora, outras
vezes de consolo, às vezes de alívio e de cura de alguma enfermidade.
Mas, rogai por nós
na hora de nossa morte diz respeito ao futuro, e é sempre o mesmo pedido que
fizemos ontem, fazemos hoje, repetido 200 vezes no Rosário, e voltaremos a
fazer amanhã, se Deus nos conceder um novo dia e se nele rezarmos a Saudação
Angélica.
Então, por que a
Santa Igreja, por meio da Ave Maria, oração quotidiana e familiar a todos os
cristãos, até mesmo aos mais indiferentes, formulou este pedido : Rogai
por nós na hora de nossa morte? Só pode ser por razões muito dignas de sua
sabedoria; é porque na hora da morte a intercessão da Santíssima Virgem Maria
nos é soberanamente necessária e em extremo eficaz.
Necessidade da assistência de Maria nos derradeiros momentos
Para compreender
bem quão necessária é a assistência de Nossa Senhora em nossos derradeiros
momentos, deve-se lembrar que a hora da morte é propriamente a hora decisiva e
difícil entre todas. Nela será fixado nosso destino para toda a eternidade.
Quando cai uma árvore, à direita ou à esquerda, lá onde cai, fica, bem diz o
Eclesiastes (11, 3). Se cair para o lado certo, se morrermos na graça de Deus,
seremos felizes para sempre; mas se cair do lado errado, se morrermos na
inimizade de Deus, nosso lugar será junto aos réprobos. A hora da morte é a
hora do combate supremo. Se triunfarmos do demônio, todas as nossas derrotas
passadas serão reparadas, seremos vitoriosos para sempre, tomaremos lugar entre
os eternos triunfadores e o Rei do Céu nos cingirá com a coroa da glória
eterna.
Vejamos o bom
ladrão. Sua vida estava manchada por vários crimes. Tinha sido um infame
criminoso que tingiu suas mãos no sangue de irmãos; alguns instantes antes de
morrer, se arrependeu, foi perdoado, seus crimes foram apagados e – qual piedoso
ladrão do Céu, como é chamado -, por um instante de sincera penitência, foi
compartilhar as alegrias do Paraíso com os patriarcas e os profetas que
passaram a vida inteira na prática de boas obras.
Se, pelo
contrário, no último momento, nosso inimigo, o demônio, triunfar sobre nós,
nossas vitórias já adquiridas, por mais numerosas ou retumbantes que tenham
sido, nos serão inúteis. Nossas boas obras, embora tivéssemos vivido como
justos durante longos anos, estariam perdidas para sempre e se volatilizariam
como simples nuvem dispersa pelo vento. Ficaríamos como navegadores que, após
triunfarem sobre várias tempestades em alto mar, vêm soçobrar no próprio porto
de chegada.
Uma trágica defecção de última hora
Lembremos-nos da
história dos 40 mártires de Sebaste. Eram 40 soldados que, juntos, nas tropas
do exército romano, travaram inúmeros combates nesta terra, além de ganharem
combates no Céu, pela prática das virtudes cristãs, sob o estandarte de Jesus
Cristo. Para defenderem a Religião, compareceram diante do tribunal de seus
perseguidores, confessando valentemente sua fé, sem se deixarem intimidar por
ameaças nem seduzir por promessas. Foram todos jogados no calabouço e
condenados a morrer num lago gelado. Os anjos já os sobrevoavam, trazendo nas mãos
as coroas destinadas a esses gloriosos atletas, quando um deles, vencido pelo
frio, saiu do lago para um banho de água morna preparado com vistas à
desistência de algum deles. Pouco depois ele morreu (devido à mudança brusca de
temperatura), perdendo por um instante de fraqueza os frutos de uma longa vida
passada no exercício das virtudes, os méritos reluzentes de sua confissão de fé
e a glória de um martírio quase consumado, deixando seus companheiros imersos
na incomparável dor de sua defecção.
A hora da morte é
uma hora decisiva, mas é também uma hora difícil.
Angústias dos moribundos
Como são atrozes
as angústias dos moribundos, que não tenham perdido completamente a fé, quando
os remorsos da consciência, o temor do julgamento iminente e a incerteza quanto
à salvação eterna se unem para enchê-los de perturbação e pavor! Os demônios
redobram de raiva para agarrar essa presa que lhes escapa. Acorrem numerosos em
torno da cama do doente para tentar um supremo esforço.
Pudesse ainda o
moribundo reagir na plenitude de suas forças! Mas não pode! Nunca terá sido
atacado com tanta violência e jamais esteve tão fraco para se defender. A
deficiência do corpo provoca um desastroso contragolpe na alma. A imaginação
fica de todo desordenada. É como se fosse um campo aberto que os animais
selvagens – melhor seria dizer fantasmas dos mais lúgubres e dos mais
espantosos – atravessam livremente em todas as direções. O espírito fica
repleto de trevas, a vontade sem energia e cheia de languidez.
Necessidade imperiosa do auxílio de Deus na hora da morte
Como o socorro de
Deus é necessário nessa hora! Quão indispensável é a graça divina para
perseverar! Entretanto, a graça, sobretudo a graça da perseverança final, é um
dom de Deus que não nos é dado merecer, mas podemos obter infalivelmente pelas
nossas orações.
Ora, como por um
privilégio todo especial de Deus, o qual quer assim honrar sua Mãe, a
Santíssima Virgem é a Medianeira obrigatória por cujas mãos todos os favores do
Céu devem passar, a Ela é que devemos pedir esta graça das
graças. Compreendamos então por que a Santa Igreja nos leva a pedir tantas
vezes a assistência de Maria Santíssima para a hora de nossa morte.
Compreendamos também o motivo pelo qual ela nos incita a repetir todos os dias : Santa
Maria, rogai por nós na hora de nossa morte.
Nessa hora, intercessão infalível de Maria Santíssima
A intercessão de
Maria Santíssima nos é tão necessária quanto eficaz nessa suprema e solene
circunstância. Como são felizes as almas assistidas por Maria nessa hora! Elas
não podem perecer. Ainda que estejam cativas da tirania do demônio, esta boa
Mãe romperá seus grilhões e lhes obterá os frutos benfazejos de uma sincera
conversão, instando-as a fazerem verdadeira penitência. Lá estará Ela perto de
seu leito de dores, como uma mãe à cabeceira do filho moribundo, dissipando
suas angústias, acalmando suas dores, adoçando suas penas, proporcionando uma
santa paciência e tomando sua defesa ante os ataques furiosos e múltiplos do
espírito das trevas.
Quando chega a derradeira
hora de algum devoto de Nossa Senhora, diz São Boaventura, esta boa Mãe lhe
envia os espíritos angélicos que estão às suas ordens, juntamente com São
Miguel, seu chefe. E Ela, que é o flagelo do inferno – como diz São João
Damasceno – Ela que tem, por missão, o ódio à serpente infernal, lhe faz
sentir, sobretudo quando algum de seus devotos vai abandonar este mundo, todo o
seu vitorioso poder. Ela é para o demônio, nessa ocasião, terrível como um
exército em ordem de batalha. Torna-se contra ele como essa torre da qual fala
o Cântico dos Cânticos, onde mil escudos estão levantados com as armas dos mais
valorosos.
Não, um servidor
de Maria não pode perecer! – declara São Bernardo. – Não, aquele por quem
Maria se dignou rezar não pode mais ter dúvida de sua salvação e de sua ida à
glória do Céu! – diz Santo Agostinho.
Não, aquele pelo
qual Maria rezou uma vez não perecerá! Não, quem recitou piedosamente todos os
dias a Ave Maria não será abandonado na última hora! – exclama também Santo
Anselmo. Esta oração possui todas as qualidades capazes de torná-la
infalivelmente vitoriosa.
Em primeiro lugar,
ela é santa em sua motivação. Com efeito, o que pedimos por ela? A
perseverança final ‘na hora de nossa
morte’. Depois, ela é humilde. Por ela confessamos a Maria Santíssima
nossa miséria, revestindo-nos de um título que nos convém tão bem : ‘pobres
pecadores’.
Ela é também confiante,
pois nos dirigimos à mais poderosa intercessora que possa haver, Àquela que é
chamada de ‘Onipotência suplicante’,
em vista de sua santidade proeminente e de sua dignidade incomparável de Mãe de
Deus : ‘Santa Maria, Mãe de Deus’.
Esta oração
é perseverante. Qual oração pode ser mais perseverante? Ainda que,
por suposição, só rezássemos uma Ave Maria por dia, quantas vezes durante nossa
vida teríamos pedido a Ela para interceder por nós na hora da morte? E como
será então se rezarmos ao menos uma dezena do Rosário? Mais ainda se tomarmos o
costume de rezar diariamente um terço inteiro? Será possível que Maria
Santíssima, tão zelosa de nossa salvação, não nos ouça? Não! Isso é impossível!
A isso se opõem as promessas, os juramentos de Jesus Cristo Nosso Senhor
relativos à oração, assim como a bondade e a ternura de sua Mãe Santíssima.
Tomemos, pois, a
resolução de rezar todos os dias de nossa vida, com uma nova fé, uma nova
confiança e um novo cuidado, esta curta mas tão bela e eficaz oração da Ave
Maria. Assim obteremos a cada dia aquelas graças particulares das quais
precisamos e, sobretudo, a graça necessária no fim da vida, a maior delas, a
mais importante de todas as graças, a graça da perseverança final.
Santo André Avelino
Segundo se narra,
na hora da morte de Santo André Avelino, um grande servo de Maria, seu leito
estava envolto por mais de dez mil demônios; durante sua agonia, ele teve de
travar contra o inferno um combate tão terrível que deixou estupefatos todos os
religiosos ali presentes. Viram seu rosto decompor-se e ficar lívido. Ele
tremia em todos os seus membros, rangia os dentes, lágrimas abundantes corriam-lhe
pela face, testemunhando a violência do assalto ao qual estava sujeito. O
espetáculo arrancou lágrimas de todos os assistentes. Cada qual redobrava as
orações e tremia por si, ao ver um santo morrer dessa maneira. Uma única coisa
consolava os religiosos : o moribundo muitas vezes voltava o rosto para uma
imagem da Virgem, indicando assim pedir seu socorro e lembrando-lhes ter dito
várias vezes durante a vida que Maria Santíssima seria seu refúgio na hora da
morte.
Afinal, aprouve a
Deus pôr um término a esse combate, outorgando ao santo a mais gloriosa
vitória. As agitações cessaram, o rosto do moribundo retomou sua serenidade
primeira; viram-no permanecer tranquilo, mantendo o olhar em direção à imagem,
inclinar-se em sinal de reconhecimento e, em seguida, expirar docemente nos
braços da Santíssima Virgem, que ele tanto invocara em vida e que vinha fazê-lo
sentir sua todo-poderosa proteção naquele supremo momento.
Imitemos a devoção
de Santo André Avelino e, como ele, em nossa última hora seremos assistidos e
socorridos pela misericordiosíssima Rainha dos Céus.’
Fonte :
* Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2018/02/28/a-intercessao-de-nossa-senhora-na-hora-da-morte/
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