*Artigo
de Lev Chaim,
jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil radicado na Holanda
‘Há tempos que não
me emocionava tanto com um programa de um dos canais da televisão holandesa : ‘Olhar na alma’. O apresentador Coen
Verbraak é quase invisível, mas efetivamente presente com a voz e suas
perguntas intrigantes a um determinado grupo de pessoas, com a mesma profissão,
e com bastante experiência em missões no exterior, bem longe de casa.
Ele faz a
entrevista inteira com um personagem, depois com o outro e aí por diante, mas
todos separados entre si. Só aparece o rosto do entrevistado em 90% do tempo e,
como eu disse, o rosto do apresentador só vem à telinha muito rápido, quando ele tem que fazer uma pergunta chave,
para o desfecho da história.
Na montagem do
programa, estas entrevistas inteiras são cortadas e remontadas na cena em que
ele faz a mesma pergunta a todos. Desta vez, os entrevistados foram os
militares de alta patente das três forças, com histórias que a primeira vista
você não contaria em um programa de televisão qualquer.
‘O que faz desta sua profissão interessante
para você?’ Muitos responderam : a camaradagem dos colegas, a confiança que
você adquire na vida exercendo esta profissão de general ou comandante de
esquadrão de aviões caças. ‘É claro que
vocês estão em muitos momentos importantes fora de casa, longe da família. Como
se acostumar a isto’ : um dos militares, olhando na câmara, pensativo,
disse que não viu nascer o seu primeiro neto, aliás, uma criança deficiente. ‘O que isto fez com você?’, perguntou o
apresentador : Uma dor profunda,
inigualável, que faz com que eu admire ainda mais a minha querida esposa.
Um chefe do
esquadrão de pilotos disse que uma vez ele ficou doente em casa por alguns
meses e tudo deu errado. Brigou com a esposa, pensou em suicidar-se, mas
finalmente, com um bom tratamento, voltou a ativa e com tudo. A maneira calma
com que ele contou isto, sabendo que tudo isto foi visto pelo país inteiro é o
que impressionou ainda mais. É como se eles estivessem fazendo um seminário
para o colegas mais jovens, como se os preparassem para enfrentar tudo que
viesse pela frente.
Um oficial da
marinha, que trabalha num submarino na costa do Mediterrâneo, por exemplo, com
poucas palavras passou emoções intensas que o fazem mais próximo da realidade
cruel deste mundo de hoje. Contou que uma vez, ele
e sua tripulação se depararam com um lixo boiando no mar. O submarino subiu e constataram
que eram corpos de homens, mulheres e crianças, todos náufragos, provavelmente
na tentativa de atravessar o Mediterrâneo rumo à Europa. Contando que ao
ver tão de perto aqueles corpos, ele engoliu em seco várias vezes. Não era mais
uma coisa irreal, que se fala nos jornais, nas TVs e nos rádios, mas estava
ali, a sua frente, sem qualquer disfarce. Ele deu ordens para que recolhessem
os corpos para serem entregues à marinha costeira.
Ao contar tudo
isto, você nota emoção embutida em cada palavra, cada gesto, em cada olhar do
entrevistado. E tudo dito pausadamente, pensando bem na escolha da palavra
certa para descrever todo aquele horror, como se tivéssemos o privilégio de
mirar bem fundo, mais bem fundo mesmo, a própria alma combalida daquele
militar. É claro que tem uns que nos emocionam mais que os outros, mas no
conjunto, uma coisa ficou clara : esses militares, que um dia pensaram ser
heróis, sem dúvida, tornaram-se mais humanos. Emocionante.
Tal qual contou
uma senhora, psicóloga da marinha, quando estava no Afeganistão em missão.
Através do seu IPad, ela conseguiu ver pedaços da primeira dança de sua netinha
no teatrinho da escola. Os sacrifícios de uma profissão tão discutida, as vezes
tão mal entendida, pegaram-me de surpresa e deixaram-me emocionado. Para tudo se
paga um preço, principalmente para esses militares que vão tão longe defender
os ideais democráticos de seus países e organizações internacionais. Curti o
programa ‘Olhar na alma’!’
Fonte :
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