*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘O silêncio desta
Sexta-feira da Paixão não é apenas uma inquietação para uma sociedade que não
costuma silenciar. Trata-se de possibilidade única para fixar o olhar em um
momento fundamental capaz de corrigir dinâmicas equivocadas da sociedade, de
cultivar no coração humano a sensatez e a sensibilidade necessárias para
condutas solidárias. No centro desse momento principal está Cristo Crucificado:
a escolha de Deus para revelar ao mundo o seu supremo amor, ensinando a cada
pessoa que o caminho é amar o próximo. Deus deu o seu Filho Único por amor à
humanidade, para a salvação do mundo.
O amor é, pois, o
único parâmetro de toda medida, de toda meta, de todo o sentido a ser dado à
vida, de toda a razão para se viver. Ultrapassa o limite de normas e leis.
Oportuno é lembrar que Jesus desafia a compreensão reduzida à norma de um
mestre da lei, instigando-o a compreender que o horizonte maior e verdadeiro é
o amor. E a paixão, morte e ressurreição de Cristo, acontecimento
insubstituível e inigualável, a sua condição de Filho de Deus – Deus e homem -,
o tornam fonte inesgotável do amor.
O horizonte
religioso e confessional ensina que Cristo Crucificado, morto e ressuscitado é
a referência para que o ser humano defina seus caminhos. Perder esse fundamento
central oferecido no silêncio da Sexta-feira Santa é um risco perigoso, pois
esse momento é a possibilidade de reencontrar rumos perdidos e de superar
dinâmicas que provocam descompassos no coração da humanidade. É justamente o
distanciamento da reverência a Cristo Crucificado, a indiferença em relação à
paixão e morte de Jesus, que explicam as dificuldades da sociedade para
articular-se em novos padrões civilizatórios, à altura de outros avanços e
conquistas.
Diferentemente de
reconhecer o ensinamento de Jesus, que entrega sua vida para salvar a
humanidade, o mundo insiste nas escolhas mesquinhas, nas interpretações das
leis que estão muito aquém do alcance do amor. Com entendimentos estreitos, não
são conseguidas as respostas urgentes esperadas. A quebra do silêncio
meditativo na Sexta-feira Santa, que qualifica o coração a partir do misericordioso
gesto de Jesus Cristo, Deus e Homem, comprova o preço alto que se paga numa
sociedade em que outras pessoas – e não Jesus – são compreendidas como
parâmetro para juízos.
A pretensão humana
de ser em si o parâmetro ético de decisões e escolhas, com subjetivismos
destruidores, é um equívoco. Há uma referência maior que pode oferecer
fundamentos adequados para normatizações e escolhas acertadas. Essa referência
é o amor, que tem como fonte Cristo Crucificado. Na oferta que faz de si, Jesus
manifesta a sua autoridade, alicerce que sustenta a vida humana no amor de
Deus. Reconhecer que Deus amou tanto o mundo a ponto de oferecer o seu Filho
Único para a salvação da humanidade é necessidade urgente para evitar situações
que são terríveis: os envolvidos em corrupção, os terroristas que atentam
contra a vida, os juízes e os representantes do povo que também a ameaçam
quando consideram legalizar o aborto, cidadãos que não se comprometem com as
práticas que objetivam a ética, o bem, a paz e a justiça.
O silêncio da
Sexta-feira Santa, a coragem de fixar o olhar n’Ele, o crucificado, fecunde em
cada coração uma instigante interpelação para se orientar a partir do amor, do
amor em Cristo Jesus revelado. Desse modo, ecoe nos corações a lógica
inigualável e convincente de Deus, que amou tanto o mundo e por isso deu o seu
Filho Único para que todo aquele que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida
eterna.’
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