*Artigo
de Junior Vasconcelos do Amaral,
presbítero na Arquidiocese de Belo Horizonte (MG)
‘Marcadamente
rápido e conciso, o evangelho de Marcos, ou ‘segundo evangelho’, se destaca na literatura antiga (volta do ano
70 d. C.) como a invenção do gênero literário Evangelho (1), que significa ‘boa
notícia’, ‘boa nova’ ou ainda ‘boa
mensagem’. Uma composição literária, aparentemente, realizada em apenas um
tempo, em poucos dias, com traços literários lacônicos, que tinha pouco a falar
e disse apenas o essencial. Se bem que em alguns pequenos episódios Marcos é
bem detalhista, como na cura da hemorroíssa e na ressurreição da filha de
Jairo, (em 5,21-43), na execução de João Batista (6,17-29), na unção em Betânia
(14,3-9) e no Getsêmani (14,31-42). Claro que ser conciso não significa
negligenciar o essencial.
Com apenas
dezesseis capítulos, o evangelho de Marcos é escrito em terceira pessoa, em
grego simples e com poucas palavras advindas diretamente da boca de Jesus,
diferentemente de Mateus e João. Marcos não tem discursos longos, exceto o
capítulo 13, que coincide com o seu discurso apocalíptico-escatológico. O
narrador deste evangelho destaca sobremaneira o título cristológico Filho
(uiós), tanto filho de Deus (uiós tou theou) como filho do Homem (uiós tou
anthrōpou), colocando em evidência, de forma especial, a exousia, o ‘poder-autorizado’ de Jesus por parte de
Deus, o Pai. Jesus age, segundo Marcos, com poder-autoridade extraordinário,
levando as pessoas a se questionarem a respeito de sua ação (cf. Mc 11,28).
Para Jesus, sua
filiação é humana, ele é Filho do Homem (Mc 2,10; 8,31; 9,9.31-32; 10,32-34;
13,26; 14,62, estas últimas duas aparições do termo Filho do Homem correspondem
ao sentido escatológico, da revelação final, numa espécie apocalipse), para o
narrador Jesus é filho de Deus (1,1), embora seja incerta do ponto de vista da
crítica textual esta afirmação, que não está presente em todos os manuscritos
antigos (2). Da parte do Pai, ele é ‘Filho
amado’ (uios mou o` agapētos) em 1,11. Na boca do endemoninhado geraseno, Jesus
é ‘filho do Deus altíssimo’, em Mc
5,7. Na transfiguração, em Mc 9,7, Jesus é, novamente nomeado por Deus, ‘filho
amado’ (uios mou o` agapētos). No Sinédrio, em 14,61, o sumo sacerdote pergunta
: ‘És tu o Cristo, o Filho de Deus Bendito?’ e Jesus responde : ‘Eu sou’, acrescentando, ‘E vereis o Filho do Homem sentado à direita
do Todo-Poderoso, vindo com as nuvens do céu’. E, por fim, em Mc 15,39,
pela boca do centurião ele é intitulado verdadeiramente filho de Deus (alēthōs
outos o` anthrōpos uios ēn theou).
Mas é no capítulo
8 de Marcos, na metade do evangelho, que se destaca o título-clímax da
narrativa : Messias. Jesus é, segundo Simão Pedro, o Messias, o Ungido (8,29).
Então, no versículo seguinte Jesus proíbe severamente que eles contem a alguém
a seu respeito, pondo em evidência o ‘segredo
messiânico’. Desse modo, pode-se notar que, em Marcos, Jesus é um messias
diferente, ele mesmo afirma que o Filho do Homem ‘deve sofrer muito, ser rejeitado, ser morto e, depois de três dias,
ressuscitar’ (8,31). Pedro não compreende tais palavras e o recrimina.
Jesus replica : ‘Vá-te para trás de mim,
Satanás’. Pedro deve voltar ao seu lugar de discípulo e seguidor, pois não
pode ensinar Jesus a ser o que ele não é, pois Jesus mesmo afirmará depois a
que veio : não para ser servido, ‘mas
para servir e dar a vida em resgate de muitos’ (Mc 10,45).
Da metade do
Evangelho em diante (8,27 – 16,8), depois de curar a muitos na primeira parte
(1,1–8,26) e de expulsar demônios, ensinar e começar seu processo de
peregrinação para Jerusalém, que formalmente se iniciará em Mc 10,1, Jesus continua
a ensinar e no capítulo 14 dá-se início à narrativa da Paixão, que se estenderá
até 16,8, com a afirmação ‘Jesus
ressuscitou, não está mais aqui’, em 16,7, ‘ide a Galileia, lá o vereis’. O Evangelho termina, segundo os
manuscritos antigos em 16,8 e o restante Mc 16,9-20 corresponde a um acréscimo
tardio, uma reedição, para um fim abrupto com o medo e silêncio das mulheres,
que haviam ido, corajosamente, ao sepulcro de madrugada (cf. 16,8).
É válido lembrar,
portanto, que o Evangelho de Marcos como uma narrativa primitiva é uma boa
notícia sobre o Reino de Deus, pois em 1,14-15 o narrador de Marcos afirma que ‘depois que João foi preso, Jesus veio para a
Galileia, proclamando a Boa Nova de Deus : Completou-se o tempo, e o Reino de
Deus está próximo. Convertei-vos e crede na Boa Nova’. O Reino de Deus
(Basiléia tou Theou) corresponde ao principado e soberania de Deus num tempo
novo (kairós). Seu cumprimento é agora, pois completou-se o tempo. Assim, o
Evangelho de Marcos está constituído sobre um querigma para hoje, a
mensagem-anúncio, dos apóstolos é para o dia que se chama hoje. O Reino é o
cumprimento das promessas de Deus na vida de Jesus. Em Jesus, Deus,
decisivamente, entra na história dos homens para levá-los a salvação, à
redenção eterna. Por isso, desde o início do Evangelho segundo Marcos Deus age
com poder-autoridade em Jesus, curando, exorcizando e libertando as pessoas de
suas mazelas, dos poderes demoníacos, de seus pecados (cf. Mc 2,1-12). Assim,
no Evangelho de Marcos descobrimos para o sentido de nossa fé, um Jesus
libertador, um Messias servidor, que veio para inutilizar o mal e dar hegemonia
ao bem e revitalizar a bondosa criação de Deus.
Por fim, somos
interpelados pela mensagem da Boa Nova do Reino de Deus, muito presente no
segundo evangelho, e convidados a seguir Jesus pelo caminho, servindo nossos
irmãos a exemplo da sogra de Pedro, que depois de curada passou a servir a
todos (Mc 1,29-31), e convidados ainda a segui-lo até o fim, tal como as
mulheres que o seguiam o serviam até a cruz (15,40-41), e por isso
testemunhá-lo em sua ressurreição (Mc 16,1-8), que também, pela fé, será a
nossa ressurreição.’
(1) - O autor do evangelho de Marcos criou com sua obra um novo
gênero literário. (PESCH, R. Il vangelo di Marco. Prima parte, introduzione e
commento ai capp. 1,1-8,26. Brescia: Paideia, 1980. p. 33). Com o título de seu
livro (Mc 1,1) Marcos deu início ao processo denominado ‘Evangelho’, livro no qual o autor proto-cristão resumiu a tradição
de Jesus com a ajuda da comunidade. Pode-se entender ‘Evangelho’ não no sentido de denominar um livro, mas um gênero
literário.
(2) - SEGALLA, Giuseppe. A cristologia do Novo Testamento. São
Paulo: Loyola, 1992. P. 77.
Fonte :
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1147437/2017/04/evangelho-de-marcos-um-anuncio-para-o-dia-que-se-chama-hoje/
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