*Artigo
de Irmã Rita Maria Gomes, NJ
‘A pergunta sobre
quem é Jesus continua atual. Ela surge no momento exato em que Jesus entra na
cena pública, no meio de seu povo, como uma pessoa fora do comum. Mais
precisamente, quando Jesus começa suas andanças pela Galileia e arredores
falando com sabedoria e agindo com uma autoridade não encontrada nos homens ‘de religião’ de sua época. Esse fato
gerou a admiração de muitos que passaram a segui-lo, ainda que não soubessem
bem a quem seguiam.
Muitas foram as
tentativas de resposta, naquele tempo e na contemporaneidade. Escreve-se sobre
Jesus nas diferentes áreas das ciências e cada abordagem tem o seu valor e nos
aproximam dessa figura tão encantadora e surpreendente. Os primeiros ensaios de
resposta que temos foram dadas pelos seguidores mais próximos de Jesus e estão
consignadas nos Evangelhos.
O Evangelho [de
Jesus Cristo] segundo Marcos nos diz quem é Jesus através de uma narrativa
vivaz e colorida, orientada justamente pela interrogação ‘quem é este?’ A primeira vez que Marcos levanta a questão sobre a
identidade de Jesus não traz uma pergunta direta e sim indireta.
Em Mc 1,27, após
ensinar na sinagoga de Cafarnaum e expulsar um espírito impuro, a audiência se
pergunta : ‘O que é isso? Um ensinamento
novo, e com autoridade : ele dá ordens até aos espíritos impuros, e eles lhe
obedecem!’ Em Mc 4,41, quando Jesus acalma a tempestade, seus discípulos
espantados se perguntam : ‘Quem é este, a
quem obedecem até o vento e o mar?’
Em Mc 6,1-6, as
perguntas se multiplicam e começam as tentativas mais diversas para dar conta
dessa personagem. Afinal quem é ele? Nesse trecho, Jesus estava ensinando na
sinagoga de Nazaré e os presentes ali questionam : ‘De onde lhe vem isto? Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E esses
milagres (atos de poder) realizados por suas mãos? Não é ele o carpinteiro, o
filho de Maria, irmão de Tiago, Joset, Judas e Simão? E suas irmãs não estão
aqui conosco?’ Assim, a primeira tentativa o liga à sua origem familiar e
na linha do descrédito. Em Nazaré ele não pode realizar nenhum milagre por
causa da incredulidade do povo.
Em 6,14-16, as
possibilidade de resposta se alargam e a pessoa de Jesus recebe identificações
com personagens da tradição profética. Uns dizem que é João Batista que
ressuscitou dos mortos; outros dizem que ele é Elias; e ainda outros dizem que
é um profeta como um dos antigos profetas. Herodes, após ouvir as opiniões,
afirma : ‘Esse João, que eu mandei
decapitar, ressuscitou’.
Em Mc 8,27-30, a
última vez que a pergunta sobre a identidade de Jesus aparece no texto marcano,
é feita pelo próprio Jesus e é dirigida aos discípulos: ‘Quem os homens dizem
que eu sou?’ A resposta é uma repetição quase idêntica à do texto de Herodes :
João Batista, Elias ou um dos profetas. Em seguida, Jesus pergunta : ‘E vós, quem dizeis que eu sou?’ A
resposta agora vem de Pedro : ‘Tu és o
Cristo’.
Há um crescendo na
apresentação de Jesus através das relações dele com as outras personagens. Os
primeiros a se questionarem é um grupo coletivo indistinto na sinagoga. Depois
os discípulos, os conterrâneos de Jesus na sinagoga de Nazaré, a autoridade
governante (Herodes) e, novamente os discípulos. No início, a pergunta não é
nem mesmo sobre ele, mas a respeito de seu ensinamento com autoridade.
Desde o início
Jesus é uma figura que causa admiração em muitos, mas não se sabia direito como
defini-lo. O mais incrível é que, na narrativa marcana, as personagens transcendentes, ou seja, os espíritos
impuros sabiam quem ele era a partir do momento mesmo em que faz sua aparição.
Assim, em Mc 1,24,
o espírito impuro antes de ser expulso diz ‘eu sei quem tu és: o Santo de Deus!’
Mais, em Mc 1,34, o texto diz que ‘ele curou a muitos e expulsou muitos
demônios, e não lhes permita falar porque sabiam quem ele era’. Também em Mc
3,11, os espíritos impuros caem aos pés de Jesus gritando: ‘Tu és o Filho de
Deus’.
A proibição aos
espíritos impuros de declararem quem é Jesus está em função do leitor. A
intenção da narrativa é levar o leitor de Marcos a fazer o caminho do
reconhecimento de quem é Jesus. É no nível humano, terreno que a identidade de
Jesus necessita ser esclarecida, conhecida e confessada e não no nível
transcendente.
Sigamos em frente
pois a resposta ainda não foi de todo dada, ou ao menos, não de forma
satisfatória. Após a confissão de Pedro, ‘Tu
és o Cristo’ (8,29), Jesus não diz se ele está certo ou errado, embora
saibamos ser acertada a resposta de Pedro porque o Evangelho abre com a
afirmação ‘Evangelho de Jesus Cristo,
filho de Deus’ (Mc 1,1). Jesus simplesmente começa a anunciar sua paixão,
morte e ressurreição. Um escândalo para os discípulos.
Jesus anuncia seu
destino trágico três vezes (Mc 8,31; 9,31-32; 10,33-34) e em todas elas aparece
o elemento da incompreensão. Era necessário superar a ideia nacionalista de um
messias glorioso, vitorioso, conforme a ideia humana.
A glória e a
vitória do Cristo se dá pelo caminho da cruz. Assim, para Marcos Jesus é o
Messias : Filho do Homem crucificado e Filho de Deus ressuscitado. É aquele que
padece as dores e morte humanas porque é humano mesmo sendo Filho de Deus.
Jesus vence a morte ao morrer e ressuscitar. A morte não pôde detê-lo.
Por isso, é
necessário caminhar com Jesus, como os discípulos fizeram, para que seja
possível reconhecer nele o messias, o enviado de Deus que não corresponde às
nossas expectativas, mas nos leva a conhecer e aceitar o projeto de Deus para o
ser humano : ir ao encontro de Deus por seu Filho.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1147467/2017/04/quem-e-jesus-a-revelacao-da-identidade-de-jesus-em-marcos/
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