*Artigo
de Alberto Melloni,
historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia
e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha.
‘Francisco começou
a viagem mais difícil do seu pontificado. A que leva ele e milhões de jovens
reunidos em torno do coração doente da Europa doente. Na pasta, o papa carregou
os discursos que estamos ouvindo, o breviário, o rosário; e também a memória do
abbé Hamel, o padre que se tornou mártir em um gesto nada cego, pesando por
mentes muitos refinadas que encontraram em uma pequena paróquia da Normandia o
antípoda da grande festa de Cracóvia : mentes às quais podem ser dadas duas
respostas : ou aquela que diz ‘the show
must go on’, ou aquela que faz os milhões de jovens se ajoelharem em um
gesto de adoração do mistério do Cordeiro.
Francisco chega em
um país que modifica as suas prioridades de viagem. Ele também, assim como seus
antecessores, fez da peregrinação um púlpito (e não só por causa da
esperadíssima ‘avião-encíclica’, que
também ontem ele concedeu).
No mundo, ele
preferiu países esquecidos pelas superpotências (e, nos Estados Unidos, ele,
que, como se sabe, ‘não se mete’ na
política, atacou Trump em nome dos direitos dos migrantes, jogando na primeira
mão o seu curinga na corrida à Casa Branca).
Na Europa, com
exceção da visita ao Parlamento, ele tocou os lugares da dor dos refugiados. Em
Lampedusa, Tirana, Saraievo, Lesbos, ele repetiu aos cristãos que, se a Igreja não ouvir a voz do Cristo no pobre, corre o risco de se
tornar uma medíocre agência de boas obras às expensas do Estado. E lembrou ao
mundo que poder viver em alegre paz a um passo da tragédia da guerra é uma
ilusão.
A viagem à Polônia
é difícil porque essas mensagens do papa são ou inadmissíveis ou indesejáveis
nesta parte do continente, onde antieuropeísmo e xenofobia escrevem a agenda
política e religiosa. As nações como a Polônia, que estão pagando a última
parcela da mentira do socialismo real, opõem à ‘Europa dos direitos e das liberdades’, das quais Bergoglio fala,
uma Europa dos muros e das rejeições; sentem falta de identidades
étnico-religiosas, com o resultado de fazer crescer forças ora populistas, ora
neonazistas, sempre sectárias, muitas vezes antissemitas; que, como também já
acontece na Itália, limpam o campo das grandes coalizões e ridicularizam a
esquerda que se despedaça cada vez mais.
Esse coração
doente da Europa espera ser curado : não por um homem santo ou pela experiência
de massa, mas por um ‘exorcismo
consolador’ que liberte a Igreja e a Europa do demônio que lhe faz ver os
refugiados que fogem da guerra, e não a guerra, como um problema; que lhe
impede de lutar contra a guerra como inimigo com a mesma dureza com que o
terrorismo islamista ataca a paz e a socialidade simples da paz (uma
danceteria, uma missa, um restaurante, um check-in, um metrô).
De fato, é evidente que hoje existe um Islã endemoninhado. Mas o
cristianismo não é imune a nada. Auschwitz está aí para lembrar o silêncio dos
homens com o seu silêncio ensurdecedor. Rumores de guerra ucranianas e cemitérios
de guerra chechenos e balcânicos estão perto no tempo e no espaço para lembrar
que esta não é uma guerra religiosa, somente até alguém não entre em guerra em
nome da religião.
‘O mundo está em guerra porque perdeu a paz’,
disse o papa nessa quarta-feira : para lembrar a todos que os refugiados não
são um ‘brinquedo’ seu, mas o
resultado de uma catástrofe política na qual todos deram o pior : a
superficialidade europeia, a volubilidade estadunidense, as extemporaneidades
russas, o cinismo árabe, a ambiguidade wahhabita.
O pior também foi
dado por um catolicismo fraco no plano intelectual e espiritual, satisfeito com
conservadorismos de antiquário e com conformismos ideológicos de direita.
Adenauer, De
Gasperi e Schuman, falando em alemão e pensando em católico, lançaram as bases
de uma Europa que viveu em paz e democracia : se seu fruto foi a cultura do
projeto, da providência ou da serendipidade, isso não muda. Para que essa
Europa ainda possa desfrutar a democracia e a paz, enquanto vive em uma situação
econômica, cultural, demográfica devastadora, é preciso que ela aprenda a
derrubar os muros do medo.
Não só a Europa
que ele visita nestes dias, mas toda a Europa ampla, que vai e Moscou a
Casablanca e de Jerusalém a Edimburgo, deve esperar que, na mala para esta
viagem difícil, o papa tenha colocado também as trombetas de Jericó.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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