*Artigo
de José Batista Libânio (1932 - 2014),
padre jesuíta, escritor e teólogo brasileiro.
Paulo VI, numa encíclica mariana,
incentiva a que se conserve o piedoso exercício do ângelus. O caráter simples,
bíblico e de longa tradição histórica reforçam o valor dessa oração.
‘A piedade
católica tradicional acostumou-se à hora do ângelus. Essa devoção qe lança
raízes na Idade Média e tem origem na tradição franciscana. Ao toque do sino,
quando do romper da manhã, os cristãos veneravam a Virgem Maria, recitando três
ave-marias, intercaladas por três versículos bíblicos. O primeiro reza : O Anjo
do Senhor anunciou a Maria e ela concebeu do Espírito Santo. Em seguida, se diz
: Eis aqui a serva do Senhor, faça em mim segundo a tua Palavra. E termina com
um último versículo : E o Verbo de Deus se fez carne, e habitou entre nós.
Recitam-se os
versículos bíblicos, comumente, em forma dialogal. A primeira metade reza quem
dirige a oração e a comunidade responde a outra metade. Após cada versículo,
diz-se uma ave-maria. Durante a Páscoa, modificam-se os versículos e omitem-se
as ave-marias.
Mais tarde,
começou-se a rezá-lo mais uma vez, ao meio-dia. E mais tarde ainda, pelo século
XIV, recitava-se o ângelus também ao entardecer. Daí em diante ficaram
consagrados os três momentos : às 6 horas da manhã e da tarde, e às 12 horas.
No século XV, percebeu o Papa Calisto III a semelhança da maneira de chamar à
oração do ângelus pelo toque do sino com o costume dos muçulmanos que ouvem
idêntico chamado à oração desde o alto dos minaretes. E então, em tempos de
guerra com os turcos, ele relacionou as duas orações – cristã e islâmica - e
prescreveu o ângelus em Roma a fim de obter a proteção da Virgem no combate
contra esses inimigos da fé católica.
S. Pedro Canísio,
com seu manual dos católicos, universalizou tal prática na cristandade. Os últimos
papas, sobretudo a partir de Pio XII, têm valorizado muito essa oração de tal
modo que à hora do ângelus, especialmente ao meio-dia, há sempre multidões na
praça de São Pedro. E quando o papa está em Roma, aparece na janela de seu
aposento de trabalho para recitar o ângelus com o povo, dirigindo-lhe algumas
palavras e concluindo com a bênção.
Paulo VI, numa
encíclica mariana, incentiva a que se conserve o piedoso exercício do ângelus.
O caráter simples, bíblico e de longa tradição histórica reforçam o valor dessa
oração.
A iconografia
sagrada conhece famoso quadro em que camponeses piedosos descobrem a cabeça,
inclinam-na para rezar, no fim do dia de trabalho, o ângelus.
A. Manzoni, famoso
escritor italiano, descreve com tons tocantes esse momento da devoção popular.
‘Quando surge e quando cai o dia
E o quando o sol a meio caminho o parte
Saúda-te o bronze, que as turbas piedosas
Convida a louvar-te’
As cidades
modernas dificultam o tocar dos sinos para não interferir numa vida social,
hoje regida por outros critérios. Mas ainda várias rádios tocam às 6 horas da
tarde alguma das famosas melodias da Ave-maria para que o fiel reze o ângelus.
Um toque religioso no final do dia serve de repouso para o corpo e para o
espírito no meio ao torvelinho da agitação urbana.
Enquanto a
sociedade secular oferece técnicas de relaxamento, a piedade popular criou
momentos de silêncio e contemplação. O espírito descola-se do peso do trabalho
e da faina diária para perder-se durante um momento no mistério. Este visibiliza-se
na reza do ângelus sob diversos aspectos. O conteúdo da oração é o mistério da
Encarnação. Recorda-se, repetindo os versículos da Escritura, a visita do anjo
São Gabriel que anuncia o plano da Encarnação e sua aceitação por parte de
Maria. No centro está a pessoa do Verbo feito carne, mas a atenção volta-se
também para a Virgem Maria que se transformou na figura feminina, símbolo da
piedade e da beleza religiosa. E finalmente as ave-marias cantadas ou
orquestradas são de compositores famosos, cuja melodia nos enleva. Todo esse
conjunto de fatores transforma tal momento em experiência de paz e de
religiosidade.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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