*Artigo
de Felipe Magalhães Francisco,
Mestre
em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.
Coordena
a Comissão Arquidiocesana de Publicações,
da
Arquidiocese de Belo Horizonte.
‘A idolatria é um
assunto muito delicado. Católicos são considerados idólatras pelos evangélicos,
por causa das imagens de santos e santas e da devoção à Nossa Senhora. Os
católicos, prontamente, teologizam, mesmo que com argumentação frágil, não
serem idólatras. A grande percepção que falta para os fiéis dos dois lados, no
entanto, é a presença da idolatria nas duas tradições religiosas.
Certamente, a
doutrina católica cuida, com diligência, para que a teologia subjacente às
devoções não ultrapasse o limiar do específico da fé cristã. Esse cuidado,
contudo, não significa que, nas práticas religiosas, tanto dos clérigos quanto
dos leigos e leigas, não haja sinais idolátricos. Por muito tempo, o catecismo
católico difundiu uma imagem de Deus distante, controlador, que conquistava
respeito a partir do medo. Nossa Senhora e os santos e santas ocuparam o lugar
afetivo da fé, nos fiéis. A linha da afetividade, bem sabemos, é muito tênue.
Igualmente, nos
meios evangélicos, tem crescido uma religiosidade de cunho mais personalista.
As fachadas dos templos sustentam banners e placas com grandes imagens de seus
líderes. Fiéis se alvoroçam para adquirir toalhas com o suor sagrado de seu
líder religioso, capaz de inúmeros e estupendos milagres. A força de uma ação
sagrada está não na fé, que move montanhas, mas nas mãos e vozes dos pastores e
pastoras, bispos e bispas e, até mesmo, de apóstolos.
Entre os jovens
católicos, cresce uma religiosidade de cunho visual, na qual a adoração ao
Santíssimo Sacramento, legitimamente aceita pela Tradição, ganha ares
idolátricos, quando não há verdadeira compreensão do que significa a presença
real de Jesus na eucaristia. Também entre os adultos tal tipo de religiosidade
idolátrica ganha expressão. O culto eucarístico fora da missa não tem mais seu
caráter comunitário e espiritual : mas é ocasião de psicologismos e surtos
psicossomáticos religiosos.
O que significa,
então, idolatria, já que mesmo as religiosidades legitimamente aceitas pela
Tradição, podem se tornar idolátricas? Idolátrica é a situação na qual aquilo
que é relativo, torna-se absolutizado. Para a fé judaico-cristã isso significa :
todas as coisas são relativas, isto é, estão em relação à alguma outra coisa;
só Deus é absoluto. O absoluto é aquilo que, para existir, não depende da
existência de nada mais. ‘Eu sou aquele
que sou’ (Ex 3,14).
Um exemplo a
respeito da eucaristia. Jesus se deu no pão e no vinho, sob os quais deu graça,
para que seus discípulos e discípulas fizessem parte de sua vida. Isso
significa que Jesus nos deu a si mesmo na eucaristia para que comamos e bebamos
de seu corpo e sangue eucaristizados. É próprio da eucaristia a manducação e a
finalidade disso é que tenhamos parte em Jesus, para que o Espírito nos
configure sempre à sua vida. O culto eucarístico fora da missa, popularmente
conhecido como adoração ao Santíssimo Sacramento, precisa se inserir nessa
dinâmica : levar-nos à participação na eucaristia, a fim de que estreitemos
nossos laços com aquele que se dá para nosso alimento. Fora disso, torne-se
religiosidade com fim em si mesma, ou seja, idolatria. Aproximarmo-nos do Corpo
e Sangue do Senhor precisa, necessariamente, desdobrar-se em consequências
éticas, caso contrário, a eucaristia serve apenas para nossa própria
condenação, como afirma Paulo (cf. 1Cor 11,29).
A mesma teo-lógica
pode ser aplicada às outras questões relacionadas às nossas religiosidades. Se
nossas práticas religiosas têm fim em si mesmas, tornando-se absolutas, são
idolátricas. Isso significa que cultuamos um deus criado à nossa própria imagem
e não o Deus de Jesus. Esse Deus, plenamente revelado a nós pelo rosto de
Jesus, é absoluto. E o que caracteriza esse ser absoluto é o amor : a relação
plenamente realizada entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, desde toda a
eternidade, basta para que esse Deus uno e trino exista. Nós, criaturas, somos
realização de um amor que é sempre desdobrar-se de excesso amoroso desse Deus.
É nele que somos chamados a depositar nossa confiança. Tudo o mais são
absolutização de coisas, situações e pessoas relativas, dependentes de relação
para subsistirem : todos têm pés de barro.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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