*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘As dinâmicas da
vida em sociedade carecem de imprescindível convicção : o bem do outro,
particularmente dos mais pobres, deve estar acima de qualquer outro bem ou
razão. Por isso, torna-se importante refletir sobre a responsabilidade social,
que precisa orientar funcionamentos
empresariais e presidir a consciência individual. O senso de responsabilidade
social é indispensável para conduzir a sociedade desigual e empobrecida na
direção da justiça e da prática cidadã de se buscar o bem comum. Isso é
incontestável e há de ser uma convicção que inspire o comprometimento com a
solidariedade. Porém, lamentavelmente,
há sempre o sério risco de se dedicar ao tema da responsabilidade social apenas
de maneira teórica. Nesse sentido, são
construídas reflexões até bem arquitetadas, ancoradas em citações. Mas ficam
apenas no campo das teses, não se efetivam em ações. Então, a abordagem sobre a
responsabilidade social se torna mera conveniência, estratégia para conquistar
a simpatia da sociedade ou do poder público.
Também, torna-se mero caminho para reunir apoios a projetos sociais que
são verdadeiras migalhas, quando comparados ao lucro que seus autores acumulam
em seus negócios.
Quando o discurso
social conquista a simpatia de eleitores, mas não se desdobra em ações dos
eleitos, reduz-se a mera conveniência. Da mesma forma, quando instituições -
particularmente governamentais e empresariais - adotam slogans em que
manifestam o ‘compromisso social’,
mas disponibilizam pouco para reverter quadros de pobreza e exclusão, apenas
instrumentalizam o discurso da responsabilidade social para conquistar
simpatia. A apropriação desse discurso por mera conveniência pode, até mesmo,
ocorrer por parte de organizações religiosas, que correm o risco de pregar
certos valores relacionados à solidariedade, mas pouco fazem para mudar a
realidade dos mais pobres. Responsabilidade social é, permanentemente, uma
lição a aprender, prática que precisa ser exercida, compromisso para ser
assumido. Quando os indivíduos, os funcionamentos empresariais e governamentais
não a traduzem em práticas, torna-se apenas um discurso conveniente. O Papa
Francisco sublinha, na Exortação sobre a alegria do Evangelho, que ‘a solidariedade é uma reação espontânea de
quem reconhece a função social da propriedade e o destino universal dos bens
como realidades anteriores à propriedade privada’.
Nesse sentido,
tranquilizar a própria consciência enquanto se acumula bens sem servir,
decisivamente, ao bem comum, é um equívoco.
O bem de todos é, obviamente, mais importante que um simples usufruto
familiar, partidário, institucional, empresarial. Sobre toda produção - lucro e
aumento de posses - pesa uma hipoteca : o que deve ser devolvido aos pobres.
Cada pessoa tem, no dízimo ofertado em suas comunidades de fé, a oportunidade
para participar de projetos e campanhas que beneficiam a sociedade. E o mundo
empresarial também é desafiado a apoiar projetos grandes, importantes e
indispensáveis para o bem de todos. Iniciativas capazes de resgatar muitas
pessoas de cenários marcados pelas misérias materiais e tantas outras que ferem
dignidades, esfacelam a cidadania.
Urgente é cultivar
a coragem para ‘por a mão no bolso’ e
apoiar iniciativas que promovam a inclusão social e o bem dos mais pobres,
agindo de modo coerente com os ensinamentos cristãos. Práticas assim são remédio para evitar que as
estruturas se tornem pesadas, propícias para hibernar a corrupção e a
mesquinhez. Quanto mais a cidadania for balizada no sentido nobre e altruísta
da solidariedade, mais a cultura ganhará força para manter funcionamentos que
estão na contramão de tudo o que desgasta o patrimônio público. Para isso é necessário ouvir o clamor do
povo, que deve ser acolhido no coração de cidadãos, de instituições e empresas,
e assim se convencer sobre a necessidade de investir e apoiar projetos
dedicados ao bem de todos. Nesse caminho, quem puder ajudar não hesitará, mesmo
que isso signifique diminuir o próprio lucro. A consciência generalizada de que
o bem comum deve ser prioridade é um sonho, uma ousada meta. Porém, deixar de
buscá-la significa alimentar o recrudescimento da violência, da indiferença que
compromete a paz, e da ilusão de que a vida segura e civilizada é para poucos.
Quando o tema da
responsabilidade social é convicção e não conveniência, nutre-se a coragem para
investir em projetos necessários para o bem comum, a promoção da cultura, dos
valores e das tradições que são riquezas de um povo. Essa convicção desperta,
em todos, a consciência de que é fundamental participar, nos diferentes
cenários, das iniciativas que busquem devolver a inteireza da dignidade humana.
Para assumir a responsabilidade social como convicção, também é oportuno ouvir
esta palavra interpelante do Papa Francisco : ‘É preciso repetir que os mais favorecidos devem renunciar a alguns dos
seus direitos, para poderem colocar, com mais generosidade, os seus bens a
serviço dos outros’.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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