*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
A política partidária instalou
incontestavelmente o caos na sociedade.
‘‘A terra estava deserta e vazia, as trevas
cobriam o abismo...’. Assim começa a narração do Livro do Gênesis,
permitindo uma analogia com o atual momento político do Brasil. A política
partidária instalou incontestavelmente o caos na sociedade. Está perdida a
capacidade para o diálogo que gera consensos e entendimentos. Não paira, absolutamente,
o Espírito de Deus no mundo da política. É uma escuridão que fomenta o caos -
um ‘salve-se quem puder’ que passa
por cima do bem comum como um trator. Não há esperança de que a política
partidária consiga, rapidamente, oferecer contribuições para os rumos da nação.
A lista de desmandos, escolhas absurdas, interesseiras e manipulações é
interminável. Comenta-se, em muitas esferas da sociedade, sobre a expectativa
do surgimento de um líder político capaz de gerar agregação e apontar novas
direções. Isso parece ser difícil de ocorrer, justamente pelo atual cenário
vivido pela política partidária. Quem seria capaz, agora, de reverter essa
difícil situação? O mundo da política partidária no Brasil configura-se como um
devastador desastre humano à semelhança das incidências horrendas que ferem o
meio ambiente.
A deterioração da
esfera política e o tratamento inadequado das questões ambientais se
desenvolvem a partir da mesma raiz. Aqui vale relembrar as palavras do Papa
Francisco, na sua Exortação Apostólica
Alegria do Evangelho, quando se refere à nova idolatria do dinheiro. O caos
vem dessa idolatria. É inexistente a nobreza de fazer política pelo bem comum,
com o objetivo de ajudar a nação a alcançar patamares de civilidade e de
funcionamentos que promovam, sem populismos, os seus cidadãos. A falta dessa
nobreza é resultado de carência na formação humanística que ilumina intuições,
capacita para o bem, muito acima do interesse de enriquecimentos ilícitos. O
Papa Francisco afirma que ‘uma das causas
desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro porque aceitamos
pacificamente o seu domínio sobre nós e nossas sociedades’. Essa verdade
explica os desajustes no tecido da cultura, que delineia a identidade da
sociedade e influencia suas direções.
O Papa Francisco
oferece a chave de interpretação desse caos instalado que produz, por exemplo,
a crise financeira que pesa sobre os ombros de todos. A base da desordem é a
negação da primazia do ser humano. Esse colapso antropológico tem muitas
feições. Descompassa relações, articulações de grupos e segmentos na
sustentação de uma sociedade que deve se mover no horizonte da justiça e da
solidariedade. É triste constatar o que ocorre na política partidária. O desejo
de ocupar cargos públicos não vem acompanhado do sentido cidadão mais profundo
de ajudar decisivamente na construção de uma sociedade solidária e justa.
Trata-se de interesse doentio pelo dinheiro, para alimentar ilusórias sensações
de poder e segurança. Uma ambição que produz essa economia sem rosto e sem um
objetivo verdadeiramente humano.
Ora, a idolatria
do dinheiro é perigosa, gera ilusões e desgasta o mais nobre sentido da
política, que é promover o bem comum. Essa idolatria é tão terrível que faz
crescer, de modo generalizado, a sensação de que não há mais tempo para fazer o
que é necessário. Isto fica explícito nas muitas lamentações e ladainhas
exaustivamente propaladas. O interesse mesmo é ganhar sempre mais, produzir
menos. Nada de sacrifícios e esforços para alcançar o bem de todos. Uma luz
precisa brilhar para iluminar essas trevas. E de onde ela pode vir? Em primeiro
lugar, da corresponsabilidade e seriedade cidadã de cada indivíduo.
Sistemicamente, essa luz pode e precisa brilhar com o fortalecimento, em
seriedade e audácia, dos diferentes segmentos da sociedade - empresarial,
religioso, judiciário, acadêmico e intelectual, artístico e outros mais. Cada
setor, pela seriedade e honestidade, tem o dever de dissipar as trevas que
preenchem o abismo onde está inserida a sociedade brasileira. Que venha de
todas as pessoas e grupos, pelo compromisso com o bem, a justiça e a verdade,
essa a luz que tem a força para resgatar o país do caos.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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