*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘Distante do que
significa ter ‘ouvido de mercador’,
desejar e ter ouvido de discípulo é um programa de vida, que exige compromisso
com ações que possam gerar respostas e atingir metas importantes, que
transformem a realidade do povo. Incontestavelmente, trata-se da qualificação
do papel que se exerce, nas diferentes circunstâncias, pensando particularmente
as consequências e incidências sobre a vida dos outros e nos rumos da
sociedade. O silêncio desta Sexta-feira Santa ecoa como insistente convite para
que se conheça e se assuma a postura interior de se ter ouvidos de discípulo. A
carência dessa postura favorece a multiplicação de arbitrariedades e promove o
esvaziamento de diálogos decisivos na construção da sociedade.
Ouvidos de
discípulo é referência, na profecia de Isaías, ao servo de Javé, que testemunha
o dom recebido da escuta. Receba-o, preze-o e agradeça a Deus por este dom.
Dádiva que o faz portador de uma sabedoria, capacitando-o para suportar e
enfrentar adversidades sem perder o rumo. Uma escuta que, continuamente, abre
os ouvidos do discípulo para estar em condições de dar respostas que fazem a
diferença. Graça de Deus que está na contramão da soberba do saber e da tirania
de definir rumos, ou enjaulá-los, na rigidez provocada pela inexistência do
exercício da escuta.
Os ganhos
qualificadores de se ter ouvido de discípulo
O horizonte do
caminho da paixão e morte de Jesus projeta para a humanidade, pela celebração
desta Sexta-feira Santa, os ganhos qualificadores de se ter ouvido de
discípulo. A profecia que leva a dizer a verdade e ao compromisso com a justiça
e o bem nasce na mente e no coração de quem tem esse ouvido. Discípulo é aquele
que vai à escola. Não como professor. Menos ainda como os que acreditam saber
de tudo, pois se valem dos lugares que ocupam para definir, sem a escuta
necessária, os rumos da sociedade, o atendimento de suas demandas e, com essa
conduta, permanecem distantes da competência para gerar o novo que possibilita
sair da crise, devolver esperanças aos corações.
Quem escolhe a
escuta como dinâmica para a configuração de sua maestria se abre ao que é dito
por quem está acima de tudo e de todos – Deus – e consequentemente à escuta dos
pobres. Capacita-se para o diálogo amplo e plural que a sociedade exige no
complexo processo de definição de suas dinâmicas e busca de novas saídas. Quem
escuta se torna servidor. Uma obrigação de fé e também uma nota inteligente no
desempenho de papéis cidadãos. Quem não escuta manda a partir do pedestal
ocupado. Quem escuta dialoga e se deixa interpelar por clamores e necessidades
que formatam posturas adequadas e, assim, permitem a superação de equívocos.
Essa postura é antídoto para teimosias e tudo que obscurece os caminhos para as
resoluções criativas e solidárias.
Construir para os
homens um novo tempo
Os cristãos, nesta
Sexta-feira Santa, celebrando a Paixão e Morte de Cristo, ao acompanhar os
passos de sua amorosa escuta de Deus, na sua corajosa entrega de si pela
salvação do mundo, são interpelados a contemplar o Mestre, Senhor e Salvador.
Ele é Servo por escutar amorosamente o seu Pai, obediente ao desígnio n’Ele
realizado de salvar a humanidade, de construir para os homens um novo tempo na
força do amor que o leva a morrer na cruz e a ressuscitar. A atitude exemplar
de Jesus é certamente o caminho inspirador que a sociedade brasileira precisa
para reencontrar rumos e redefinir saídas.
O silêncio é
condição para a escuta que permite identificar os clamores dos pobres, alcançar
equilíbrio nas relações, cultivar o bem no coração da humanidade e promover a
beleza que recupera a sensibilidade perdida. É urgente aceitar o convite que
esta Sexta-feira Santa brada em seu silêncio. Trata-se de convocação para que
todos adotem o ouvido de discípulo e, assim, avanços possam se tornar
realidade. Ouvir como discípulo é tarefa que ilumina a cidadania e, entre
outras fundamentais conquistas, possibilita entendimentos para a efetivação da
reforma política, sem enrolações interesseiras. O ouvido de discípulo permite
também escutar as muitas razões para que não se efetive a diminuição da
maioridade penal. Evita irracionalidades, favorece o gosto pelo diálogo entre
poderes e segmentos, criando condições para o aparecimento de líderes, que
estão em falta, com capacidade humanística para priorizar as urgências dos mais
pobres.
Desenvolver o
ouvido de discípulo é uma prática com força de remédio para curar as rudezas
dos corações e das mentes que perderam o sentido nobre de pertencimento a um
povo, de fidelidade à sua identidade. É a cura para corações e mentes que ao
ferir o tecido cultural e humanístico fazem da vida um inferno verdadeiro, com
desfigurações, violências e barbáries. Queiramos todos cultivar o ouvido de
discípulo.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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