*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Não se pode simplesmente pensar em
construir nova sociedade com a destruição do outro.
‘‘Um pouco
de fermento leveda a massa toda!’ Esta é uma lembrança pertinente do
apóstolo Paulo diante de uma confusão estabelecida por divisões acirradas na
comunidade dos Gálatas. Os conflitos naquele cenário encontravam justificativa
e sustento até mesmo na Lei e nas práticas tradicionais. A comunidade não
conseguia encontrar saídas, arquitetar consensos. Diante desse contexto, São
Paulo adverte ‘se vos mordeis e vos
devorais uns aos outros’ não haverá soluções e reconstruções. No momento
atual, não estaria, de alguma maneira, desencadeada essa dinâmica das agressões
nos segmentos da sociedade brasileira, particularmente no mundo da política? A
imprescindível necessidade de reconfigurar essa esfera no país parece ter caído
na dinâmica das ‘mordidas e voracidades’.
Não se pode
simplesmente pensar em construir nova sociedade com a destruição do outro.
Essencial e eficaz é exercer a cidadania com o necessário reconhecimento da
dignidade humana para, assim, corrigir os erros, reestabelecer a verdade e
realinhar processos. Nesse sentido, é oportuno refletir sobre a orientação do
apóstolo Paulo aos Gálatas, em busca da superação de descompassos que causam
abalos na dinâmica da vida da comunidade. O apóstolo recorre a um dito simples
que ajuda a compreender a responsabilidade de cada pessoa no zelo da própria
consciência, exercício fundamental para que toda a sociedade trilhe novos
caminhos. Ele recorda que ‘um pouco de
fermento leveda a massa toda’. Pensando a respeito da sociedade, isto
significa que cada cidadão precisa compreender que a sua própria conduta em
diferentes âmbitos, particularmente no exercício profissional, religioso e
representativo, tem amplo alcance na esfera coletiva.
‘Jogar pedras e esconder a mão’ não ajuda a sociedade a se
reconstruir. Os segmentos diversos
precisam de orientação para alcançar horizontes mais amplos, palavras com força
de agregação que efetivem as mudanças urgentes. Obviamente que há segmentos com
responsabilidade maior nessa tarefa de construir a necessária proximidade. Não
é pequena, por exemplo, a tarefa do setor religioso e confessional, por suas
instituições com força para orientar e agregar, motivar articulações e, assim,
estabelecer processos que podem gerar, com maior velocidade, respostas adequadas
às crises instauradas. Certamente, o Brasil carece mais dessa palavra incidente
e agregadora, que não está no domínio de ‘um
salvador da pátria’. As regionalidades desse país com dimensões
continentais podem muito contribuir a partir de seu tecido cultural e de suas
tradições, pois são capazes de inspirar articulações entre a representação
política, líderes religiosos, culturais e artísticos, empreendedores e,
obviamente, todo o povo. Essa união é
capaz de formatar novos hábitos, agendas e pautas com mais pertinência no
enfrentamento de problemas.
Na contramão desse
caminho estão as formas de participação política que se reduzem a
partidarismos. Ora, as soluções para os muitos problemas não estão apenas nos
âmbitos governamentais. Há saídas simples que acabam perdidas por falta de
competência, esforço individual, excesso de comodismo e preguiça, estreitamento
de horizonte. Situações que encastelam os indivíduos, os grupos e as
instituições na mediocridade. Cada cidadão não pode apenas criticar, como se
estivesse fora da ‘massa’. É preciso
e determinante se compreender como ‘fermento’
capaz de ‘levedar toda a massa’. Eis,
pois, um extenso e exigente processo de reeducação na cultura brasileira, que
exige análises e, sobretudo, a coragem de se fazer algo não simplesmente para
si, mas para toda a comunidade.
Sem dispensar
segmento algum, é preciso que, especialmente a classe política, em razão de sua
representatividade, consiga dialogar e, verdadeiramente, buscar o bem do povo.
Para isso, o parlamento, entre outras mudanças necessárias, deve deixar de ser
palco de ‘gladiadores’ que lutam por
interesses particulares, cartoriais e partidários. De maneira simples, à luz da
própria consciência, presidida por princípios éticos e morais, em todas as
circunstâncias, os cidadãos todos são convocados a se compreender, nas suas
atitudes, nos seus exercícios, como ‘fermento
que leveda a massa’.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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