*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Os progressos atuais da humanidade
são incontestáveis em vários campos do saber e da cultura.
‘As
crises que pesam sobre os ombros da sociedade, sacrificando os cidadãos,
precisam ser enfrentadas, mas não de modo qualquer. Sua superação exige a
permanente consideração do tecido da cultura, substrato que alicerça a
determinação na busca de soluções, na elaboração de respostas e na configuração
de um modo cidadão de ser que empurre o conjunto da sociedade na direção da
justiça almejada, da paz sonhada e dos equilíbrios políticos sociais.
Quando
comprometida a qualidade do tecido da cultura, o caminho é percorrido em areia
movediça, com surpresas desinteressantes e com pouquíssima resiliência para se
alcançar metas com força de efetivar novos cenários. Não basta, por isso mesmo,
que o esforço de dar nova dinâmica à economia, com a superação dos seus
descompassos em desempregos, desigualdades, corrupção e indiferenças, se faça
pela via dos números. Por critérios frios na definição das taxas de juros, da
lucratividade ou fortalecimento egoísta de setores.
O Papa Francisco,
nesse horizonte, reforça a importância dessa compreensão com uma advertência
pertinente. Na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, no capítulo segundo,
sobre a crise do compromisso comunitário, sublinha a responsabilidade de cada
cidadão. É preciso que cada pessoa, particularmente os formadores de opinião,
construtores da sociedade, intelectuais e religiosos, assuma o compromisso de
indicar soluções eficazes para as crises e os problemas. E mais, adverte a
todos pelo desencadeamento dos processos de desumanização que podem se tornar
irreversíveis, dentre eles, o da violência que permeia todos os âmbitos de
nossa vida em sociedade.
Nesse contexto, vale refletir com profundidade sobre as várias faces dessa
violência, desde a doméstica, com estatísticas absurdas de agressões a
mulheres, crianças e idosos, silenciada na privacidade dos lares, às sofridas
pelos cidadãos e que atentam contra a inteireza da dignidade humana, até
aquelas perpetradas com inteligência doentia nos atos de terrorismo, na
corrupção e pelas grandes organizações criminosas.
Os progressos
atuais da humanidade são incontestáveis em vários campos do saber tecnológico e
da cultura, mas ainda não são capazes de fazer frente a essa triste realidade.
São igualmente desafiadoras a exclusão social e a pequenez na estatura cidadã,
que precisa urgentemente alavancar processos de mudanças e operacionalizar
ações que tenham força para transformar a realidade que hospeda a cidadania no
conjunto da sociedade contemporânea.
Vale-nos reportar
ainda ao Papa Francisco, na citada exortação apostólica, quando constata o
desvanecimento da alegria de viver, em consequência do recrudescimento da
violência e da falta de respeito, patentes especialmente na imensa desigualdade
social. Prova da incompetência de governantes e de segmentos variados da
sociedade, na efetivação das mudanças capazes de reconfigurar os humilhantes
cenários que atingem frontalmente a cidadania.
Os saltos velozes,
qualitativos e quantitativos, verificados no progresso científico e nas
inovações tecnológicas, nos diferentes âmbitos da natureza e da vida precisam
contar com a qualidade do tecido da cultura, do qual cada cidadão é portador.
Esse tecido cultural, como substrato no caráter e na compreensão do mundo, é
determinante para que tenha impacto em cada cidadão de modo a formar os
sentidos comunitário e social que deem rumos novos e soluções às crises.
A exemplaridade da
cultura mineira, que se desdobra em muitas, convence e explicita o quanto a qualidade
do tecido cultural alavanca possibilidades enormes de progresso, pelos valores
em tradição, patrimônio, religiosidade, e até na culinária e nas dinâmicas
familiares. Patrimônio que exige tratamento adequado por parte de todos,
particularmente de seus líderes. Não se pode pensar que o conjunto de uma
sociedade regional ou local se desenvolva e aposte em outros crescimentos,
esperando que os recursos ‘caiam do céu’.
Ou ainda, que os investimentos venham de fora, criando relação de submissão a
novas formas de poder, muitas vezes anônimo.
A culturaé um
capital da mais alta relevância no desenvolvimento e nas transformações urgidas
pe la realidade. Uma sociedade, como a mineira, precisa debruçar-se mais sobre
os seus segmentos, da história às expressões variadas, da geografia aos seus
monumentos e ao jeito de ser do povo, para contabilizar os preços dessa rica
cultura. Em razão, especialmente, das necessidades de desenvolvimento, de
soluções dos problemas urgentes e do desenho de novos cenários é indispensável
que nosso tecido cultural tenha mais investimento em educação, consciência
social e político-cultural. É preciso ir além das lamentações, das constatações
e da falta de força nas ações.
O tecido da cultura existente pode ser o ‘pé de apoio’ para se dar
um salto adiante e não enjaular-se na mediocridade de alguns governantes,
líderes religiosos, intelectuais. Mergulhados e afogados na burocracia, não
apostam em processos e projetos, não valorizam a oportunidade de estar e de ser
parte dessa cultura chamada sociedade mineira. Assim, paga-se o preço de não
avançar e de habituar-se a estilos acanhados demais, vivendo na pobreza, apesar
de fazermos parte de uma história de grandes riquezas e sermos detentores de um
patrimônio singular em sua relevância.
A cultura expressa
nos hábitos, na consciência histórica e política, na valorização ‘quase bairrista’ do nosso patrimônio com
sua inteligente utilização e cuidado, é a alavanca para mudar e fazer crescer,
com força maior do que os royalties e certos ‘dinheiros’, redimindo, assim, dirigentes, lideranças - cidadãos
todos - da mediocridade. É hora de buscar novos rumos e respostas.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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