quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A Tenda de Abraão

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
 *Artigo de Padre Fernando Domingues,
Missionário Comboniano


Era uma tenda mesmo grande, baixa mas muito larga, como as que usam ainda hoje os beduínos do deserto. Chamam-lhe a ‘tenda de Abraão’. Vê-se que já tem muitos anos, mas não era certamente a que usava Abraão para acolher a sua família nos desertos do Médio Oriente por onde peregrinou. Esta estava plantada num terreno de areia, mesmo à entrada da casa dos missionários combonianos, em N’Djamena, capital do Chade.

Para que serve? E que ligação tem com o velho patriarca Abraão?

Notei-a logo ao chegar da longa viagem desde Moundou, 500 quilometros mais ao sul, onde tinha estado uma semana a guiar o retiro anual de um grupo de missionárias e missionários.

Mas voltemos à Tenda de Abraão.

A tenda, e a casa ao lado, são usadas para toda uma série de atividades de diálogo com vários grupos de fiéis muçulmanos de N’Djamena. A casa comboniana encontra-se no meio de um bairro muçulmano, e é bonito ver como, logo às 4 da manhã, se ouve bem clara a voz dos muezins que, do alto dos minaretes das mesquitas vizinhas, convidam alto e bom som : «Deus é Grande! Acordem e venham para a oração: é melhor rezar do que dormir!» Na estrada que passa ali a poucos metros da tenda, cinco vezes por dia, vêem-se grupos de fiéis que se reúnem logo que se ouve a voz do muezim, estendem os seus tapetes da oração e fazem as suas orações enquanto se prostram e se ajoelham todos ao mesmo tempo.

Naturalmente, alguns deles não estão interessados em dialogar e fazer amizade conosco, mas muitos outros gostam de conhecer a nossa religião pois somos todos ‘filhos de Abraão’. Eles consideram-se ‘filhos de Ismael’, o primeiro filho de Abraão, e nós somos membros do povo de Deus que descende de Isaac, o filho de Abraão e de Sara.

O gesto lindo do Papa Francisco que, em Bangui, convidou o chefe religioso muçulmano a saudar a multidão com ele, dando a volta juntos no papamóvel, dá bem a ideia de que os ‘filhos de Abraão’, mesmo se muito diferentes na fé que professam, podem conviver e construir a paz no país que habitam.

Voltando ao Chade, é bom recordar que um dos feriados nacionais neste país é dedicado à convivência pacífica de todos os Chadianos, e as celebrações desse dia são sempre feitas em conjunto por pessoas de boa vontade, de todas as religiões presentes no território.

Quando um dia Abraão estava a perder a esperança sobre o futuro incerto da sua família, Deus disse-lhe : «Alarga a tua tenda!» De fato, a sua descendência ia ser numerosa como as estrelas do céu (Gen 15,5).

Também da parte dos ‘descendentes de Isaac’ a tenda de Abraão não pára de se alargar. No dia em que viajamos de Moundou para N’Djamena, ao fim da tarde encontramo-nos na capelinha ali ao lado para celebrarmos a eucaristia. Eu olhava para o rosto dos meus irmãos e irmãs missionários e pensava : «Que maravilha, há poucas dezenas de anos os missionários eram quase todos do Norte do mundo; agora, o encarregado da tenda de Abraãa é um sudanês, missionário nestas terras já lá vão doze anos; o mestre dos noviços vem do Congo; um colega da África do Sul, sentado à minha beira, foi ordenado sacerdote há alguns meses, e amanhã parte daqui num jipe com outro nosso missionário para a sua missão que fica na fronteira com o Sudão.»

A ‘Família de Abraão’ não pára de crescer. Oxalá possamos todos, cada um a partir da sua fé, construir um mundo que seja uma grande tenda de irmãos que respeitam as diferenças uns dos outros e colaboram juntos para o bem de todos.’


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