A antiquíssima Argélia, povoada desde 10.000 A.C., situa-se na
parte ocidental do mundo árabe, no noroeste africano. Faz parte do Magreb, uma
das subdivisões da África do Norte, que também é composto pela Mauritânia,
Tunísia, Saara Ocidental e Marrocos, podendo se ampliar até a Líbia, no notório
grande Magreb.
Em sua derradeira colonização, o território argelino foi
ocupado militarmente após o desembarque da frota francesa em 05 de julho de 1830.
Desde então, passou por intensas transformações em seu aspecto cultural, político-social
e econômico.
Cronologia de uma catástrofe anunciada
Depois de um século de ocupação, a Argélia apresenta um cenário complexo e turbulento :
. 1938 - Ferhat Abbas alicerça
o movimento independentista ‘União Popular Argelina’ com o intuito de reaver a personalidade
árabe da colônia.
. 1943 - O mesmo Abbas
pede a sanção de um Estado argelino soberano, que é negado pelo governador
francês. Consequentemente, eclode a oposição ostensiva que não se deterá mais.
. 1954 - A Frente de
Libertação Nacional (FLN), capitaneada por Ben Bella, Ait Ahmed e Mohammed
Kedir, incita conflitos pela emancipação.
. 1962 - Tais conflitos determinam
a assinatura da independência no dia 3 de julho. Estabelecido o sistema de
partido único – e com o apoio do exército – Ahmed Ben Bella torna-se o primeiro
presidente.
. 1965 - Ben Bella é
destituído. O conselho de revolução, comandado pelo coronel Bounmedian, toma o
poder através de um golpe de estado.
. 1976 - A Argélia alcança
seus objetivos com o anúncio da Carta Magna : torna-se um país socialista, de
religião islâmica e língua árabe.
. 1978 - Falece Bounmedian.
. 1979 - Chadli Benjedid é
eleito presidente pelo congresso da Frente de Libertação Nacional (FLN).
. 1984 - Chadli Benjedid é
reeleito.
. 1989 - O
pluripartidarismo é reconhecido pela Constituição. Fundamentalistas e ressentidos com a Carta de 1976 crescem
vertiginosamente.
. 1990 - A Frente Islâmica
de Salvação (FIS), que promove diversas insurreições, ganha as
eleições gerais.
. 1992 - Em janeiro, o
processo eleitoral é interrompido e o presidente Chadli Benjedid é deposto. O poder passa às mãos de
Mohamed Boudiaf, da Alta Comissão do Estado (HCE). A Frente Islâmica de Salvação
(FIS) parte para a clandestinidade e todas as atividades políticas são
suspensas. Paralelamente, o Grupo Islâmico Armado
(GIA), facção extrema da FIS, promove a ascensão do terror. Em junho, com o
assassinato de Boudiaf, a Argélia é sugada por ondas incontroláveis de fúria.
A presença católica neste pedaço de mundo
‘A Igreja...estava imersa no mesmo processo e teve que fazer adaptações
de alcances não pensados. Com humildade evangélica e com muita lucidez e
intuição, foi adaptando-se ao que a voz do Reino ia manifestando na leitura de
fé e na atenção aos sinais dos tempos. Atrás ficava a ostentação dos bons
tempos de esplendor, das celebrações massivas, da vistosidade dos paramentos,
das grandes solenidades. Inaugurou-se a Igreja do silêncio,...das catacumbas,...das
minorias,...da esperança.
A Igreja da Argélia tem uma longa história. Aquela
florescente e próspera Igreja dos primeiros séculos do cristianismo, com
figuras tão relevantes como a de Santo Agostinho, foi dando, pouco a pouco lugar à
atual, tão reduzida numericamente, como viva e evangélica. Primeiro com a
conquista árabe-muçulmana, mais tarde com a ocupação francesa e atualmente com
a violência, que parece asfixiar as mais firmes esperanças; e a Igreja da
Argélia tem experimentado uma trajetória continuamente decrescente, no que se
refere à quantidade. Primeiro a independência, depois a arabização do ensino e
da administração diminuíram as possibilidades reais de trabalho para os
estrangeiros. Na década de 80, com a desvalorização do dinar e do dólar,
cidadãos procedentes dos países do leste europeu, não encontravam nenhum
incentivo para seguir trabalhando na Argélia. A sua retirada do país foi
baixando drasticamente o número de membros das comunidades cristãs’ (1).
Qual o sentido desta Igreja formada por uma cota insignificante de religiosos e leigos, num país constituído por 99% muçulmanos e 1% cristão? Depende. Sob o ‘olhar profano’, beira o desprezível. Sob
o ‘olhar sagrado’, é imprescindível. Haja vista o trabalho delicado
e penoso do Cardeal Leon Etienne Duval (1903 – 1996) à frente da Igreja
argelina em seus momentos mais obscuros. Ele acompanha de perto a rápida
e contínua diáspora de cristãos a seus países de procedência, estimulando a
abertura de colégios e de oportunidades de trabalho para reinseri-los nesta
sociedade conturbada.
‘A presença e o trabalho, especialmente dos religiosos, se
descentraliza, vai tomando uma aparência leiga, perdendo o seu estilo de grupos
seletos, situados em lugares exclusivos. É a realização viva do axioma paulino
de ‘fazer-se judeu com os judeus’, a partir da própria identidade.
Formam-se comunidades pequenas. O Cardeal Duval,
indiscutível líder carismático e espiritual desta Igreja, numericamente
decrescente, dotado de uma vigorosa personalidade, é referência não só para os
fiéis...O correr do tempo o aproxima da aposentadoria...mas deixar o cargo não o
impede de continuar vivendo a sua missão carismática que se traduz na escuta e
orientação’ (1).
Em dezembro de 1980, como
Arcebispo coadjutor, Dom Henri Teissier sucede Duval.
Nesta época, a Argélia, numa
associação colegiada, possui quatro dioceses (Argel, Oran,
Constantine-Hipona e Laghouat) para conduzir seu rebanho na ‘casa do Islã’. Fiéis a Jesus Cristo, permanecem discretos e
vigilantes enquanto interpretam os acontecimentos à luz da fé.
Em outubro de 1993,
algumas pessoas do consulado francês são sequestradas e logo postas em
liberdade para divulgar a mensagem categórica de seus raptores : todos os estrangeiros devem partir até
primeiro de dezembro. Ao término do período, quatro
são mortos aleatoriamente, abrindo a temporada de desumanos e macabros assassinatos,
inclusive de milhares de argelinos predestinados ao anonimato.
A morte atroz de Henri
Vergès (dos Irmãos Maristas) e Paul-Hélène (das Irmãzinhas da Assunção), em 8 de maio de 1994, evidencia
aos religiosos a perda da ‘imunidade’,
compartilhando o mesmo destino da multidão : ficar à mercê da cólera de fanáticos
radicais.
Vizinhos incitam a fuga para o exterior. Simultaneamente, a diplomacia das
embaixadas pede aos seus cidadãos que abandonem o país, caso não tenham
motivos sólidos para ficar.
Os bispos alegam que é o momento oportuno para ‘um discernimento eclesial,
comunitário e pessoal’. Em agonia, as comunidades religiosas tentam se equilibrar entre
a dispersão de seus membros e a (in)sensatez daqueles que desejam perseverar. Dos que optam pela permanência, eis os 19 mártires, de 8 congregações distintas, sistematicamente abatidos entre os períodos de 1994 e 1996 (2). Clique nas datas abaixo para maiores detalhes :
. 08.05.1994
. 08.05.1994
. Irmão Henri Vergès (Irmãos Maristas)
. Irmã Paul-Hélène
Saint-Raymond
(Irmãzinhas da Assunção)
(Irmãzinhas da Assunção)
. Irmã Esther Paniagua
Alonso
. Irmã Caridad Alvarez
Martín
. Padre Jean Chevillard
. Padre
Alain Dieulangard
. Padre
Charles Deckers
. Padre Christian Chessel
. Irmã
Angèle-Marie
. Irmã Bibiane
. Irmã Odette Prévost
. 21.05.1996 – (Monges Trapistas)
. Dom Christian de Chergé
. Irmão
Luc Dochier
. Dom
Christophe Lebreton
. Irmão
Michel Fleury
. Dom
Bruno Lemarchand
. Dom
Celestin Ringeard
. Irmão Paul Favre-Miville
. 01.08.1996 – (Bispo de Oran, Dominicano)
. Dom Pierre Claverie
O Magreb, o Saara e os tempos atuais
‘O Saara
costumava ser uma zona econômica próspera, famosa por suas longas caravanas de
camelos carregando sal (na Idade Média, valiam mais do que o ouro). Mas os
tempos – e as rotas – mudaram e agora os países nas margens ao sul do deserto,
todos ex-colônias francesas, estão entre os mais pobres do mundo’.
Para aqueles que vivem e
se relacionam com os povos desta zona inóspita, o Saara é uma extensão ampla e
única. E não o retalho de diversas nações.
Muito abaixo das areias escaldantes
deste território depauperado, a natureza abriga recursos valiosos, verdadeiros
objetos de desejo e cobiça :
. o Níger, com suas
reservas colossais de urânio, abastecem as usinas nucleares da França
. o Mali possui a maior
produção mundial de ouro e
. a Argélia dispõe de campos
de gás e petróleo
Acima das areias, embora
seja difícil determinar os limites de atuação, quadrilhas aparelhadas e moradores
do deserto – que optam pela criminalidade – raptam estrangeiros para negociar
polpudos resgates, utilizam mutuamente rotas antigas para escoar o contrabando
de armamentos, munições e mercadorias, além do tráfico de seres humanos e drogas
com o objetivo deslavado de enriquecimento, autossuficiência, jihad universal, etc...
Por exemplo, os militantes fundamentalistas islâmicos da Nigéria (Boko Haram e Al-Shabab) mantém conexões com
outros jihadistas do Saara :
. na década de 1990,
guerreiros tuaregues, uniram-se aos insurgentes muçulmanos expulsos da Argélia,
espalharam-se pelo Magreb, firmaram parceria com a Al Qaeda e atacaram todos os
países da região
. após a queda do coronel
Khadafi, na Líbia, os tuaregues voltaram ao Mali fortemente treinados e armados, difundindo o medo, coordenando rebeliões e atacando audaciosamente uma refinaria de gás na Argélia
Analistas internacionais
acreditam que os rebeldes não estejam mais fortes; na verdade, os Estados em
que operam estão fragilizados pela ‘pobreza,
vácuo de poder, desordem institucional, tensões étnicas, fronteiras
artificiais...e problemas institucionais pós-coloniais ainda não resolvidos’.
Em suma, é neste panorama que devemos orar por todos.
Fontes :
(1) Rodríguez Muñoz, Irmã
María Jesús e Martín de la Mata, Irmã María Paz, (Agostinianas Missionárias
(AM)). Testemunhas da
Esperança - Mensageiras do Amor, Aparecida - SP, Editora Santuário, 2005.
(2) Bigotto, Irmão Giovanni Maria, postulador marista das causas dos santos, livreto ‘O Sangue do Amor, Os Mártires da Argélia 1994-1996’, 2006.
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