* Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
‘As cenas de violência, que acompanham
as manifestações de protesto das mais diversas bandeiras, multiplicam-se por
toda parte. Ao mesmo tempo, a humanidade fica chocada com acidentes de toda
ordem, desastres naturais, a grande chaga da guerra e o desentendimento entre
pessoas, grupos e culturas. Aquela que uma vez foi chamada de aldeia global se
mostra diariamente em nossas casas. Há inclusive meios de comunicação que se
comprazem em mostrar, ao vivo e a cores, a miséria humana, tirada do fundo do
baú, aquela que outrora se encontrava escondida na sarjetas da vida ou
dissimulada através de mil truques. E o que dizer da exposição das pessoas e
seus eventuais deslizes, através das chamadas redes sociais? Para muitos, a
tentação que vem à tona é a do desânimo. Pode ser ainda a banalização da vida
das pessoas e de sua dignidade. Outros são levados inclusive ao desespero.
Há um futuro promissor para a humanidade? Será
que as previsões relativas ao aquecimento global ou outras projeções
pessimistas se realizarão? Bem perto de nós, como serão os próximos meses com
os eventos esportivos e políticos que se avizinham? Seremos capazes de nos
manter serenos e fiéis? Jesus, conversando com seus discípulos, reunidos no
Cenáculo, por ocasião da última Ceia, pronunciou palavras de fogo,
garantindo-lhes as forças necessárias para a caminhada neste mundo. Temos
certezas que nos permitem ir ao encontro dos outros sem receios, ajudando a
todos na descoberta dos sinais de vida e de esperança.
Para os cristãos existe um ponto de
referência, projetado pela esperança, uma virtude teologal. Virtudes teologais,
Fé, Esperança e Caridade (Cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica,
384-387), são aquelas que têm como origem, motivo e objeto imediato o próprio
Deus. São infundidas com a graça santificante, tornando-nos capazes de viver em
relação com a Trindade, fundamentam e animam o agir, consolidando e vivificando
as virtudes humanas. Elas são a garantia da presença e da ação do Espírito
Santo em nós. Pela fé, cremos em Deus e em tudo o que Ele nos revelou e que a
Igreja nos propõe para acreditarmos. Pela esperança, desejamos e esperamos de
Deus a vida eterna como nossa felicidade, colocando a nossa confiança nas
promessas de Cristo e apoiando-nos na ajuda da graça do Espírito Santo para
merecê-la e perseverar até ao fim da vida terrena. A caridade, por sua vez, é a
virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo
como a nós mesmos por amor de Deus. Jesus faz dela o mandamento novo, a
plenitude da lei. A caridade é o vínculo da perfeição (Cf. Cl 3,14) e o
fundamento das outras virtudes, que ela anima, inspira e ordena : sem ela ‘não sou nada’ e ‘nada me aproveita’, afirma São Paulo (Cf. 1 Cor 13,1-3).
A vida cristã tem sua origem em Deus,
que nos chama a partilhar de sua vida e nos oferece a salvação. Quer dizer que
a vida, quando começa no alto, tem sentido e rumo. Há uma meta a alcançar e
esta é a felicidade plena na eternidade, com Deus e com os irmãos. De fato,
Deus nos fez para chegar a esta realização completa e a maldade ou o pecado não
têm a última palavra.
Para manter viva a esperança, é
necessário acreditar que Deus tem algo a ver com a humanidade e pode, sim,
intervir na história humana e na vida das pessoas. Só Ele pode fazê-lo sem
violentar a liberdade, dom com que todos foram criados. Há um percurso a fazer,
para que se mantenha viva a certeza de sentido na vida humana nesta terra,
tantas vezes ‘vale de lágrimas’, mas
destinada a ser lugar de felicidade, ‘um
novo céu e uma nova terra, descendo do céu, de junto de Deus, vestida como
noiva enfeitada para o seu esposo, a morada de Deus-com-os-homens. Eles serão o
seu povo, e o próprio Deus-com-eles será seu Deus. Ele enxugará toda lágrima
dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem grito,
nem dor, porque as coisas anteriores passaram. Estas coisas serão a herança do
vencedor, e eu serei seu Deus, e ele será meu filho’ (Ap 21, 1.3-6).
O ponto de chegada é muito alto, mas
não é complicado caminhar até lá! Basta seguir a receita do Evangelho : Quem
ama enxerga e entende o que deve fazer : ‘Quem
me ama será amado por meu pai e eu o amarei e me manifestarei a ele’. Não é
apenas conversa, pois ‘quem acolhe e
observa os meus mandamentos, esse me ama’ (Jo 14, 15-21). Trata-se de
praticar os mandamentos! Depois, quem compromete assim sua liberdade e sai de
si para amar a Deus e cumprir os mandamentos, tem a certeza de que o Espírito
da Verdade, prometido por Jesus, permanece sempre dentro de si e a seu lado.
Sabendo que o Espírito Santo prometido age no mundo e na Igreja, não desfaleceremos
no caminho e a esperança permanecerá acesa.
Uma das consequências é o testemunho a
ser oferecido diante das pessoas. Mesmo quando aparece o sofrimento, é melhor
sofrer praticando o bem, se essa for a vontade de Deus, do que praticando o
mal. Cristo morreu, justo pelos injustos, para nos conduzir a Deus, mas recebeu
nova vida no Espírito (Cf. 1 Pd 3, 15-18). Quando alguém quer saber os motivos
da esperança que está em nossos corações, começamos com o Céu, mostramos o rumo
futuro, a meta da esperança, mas também olhamos para a terra, enxergando os
sinais de Deus existentes no momento presente, ao identificar o bem que é feito
e a bondade que se espalha ao nosso redor. Há muita caridade vivida, há muitos
gestos gratuitos e generosos, assim como tanta doação de vida. Há pessoas
acendendo sinais verdes de esperança, ao invés de se armar com o amarelo do
semáforo do medo ou interromper a caminhada com o vermelho que interrompe o
trânsito da vida. Que nossa vida corresponda à fé, esperança e caridade que nos
foram dadas de presente.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
de https://dioceseourinhos.wordpress.com/2014/05/26/razoes-da-esperanca/
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