Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
‘A última semana da
Quaresma é a Semana das Dores, referência forte cultivada pela religiosidade
popular às sete dores da discípula exemplar, Maria - Mãe de Jesus, o
crucificado-ressuscitado. As sete dores de Maria estão narradas na Palavra de
Deus e, pode-se afirmar, são também sofrimentos da humanidade. As dores de
Maria apontam, assim, para as chagas da civilização contemporânea. Ao mesmo
tempo, oferecem caminho para superá-las. Constituem uma espiritualidade com
força de recomposição e cura. Itinerário espiritual para se buscar a força
necessária à superação das tristes cenas do cotidiano, especialmente aquelas
que apontam para a crescente desconsideração da vida humana. Essa
desconsideração exige atitude : buscar a superação de todo tipo de mágoa, mal
com força de dominação que pode levar o ser humano a sucumbir-se.
A
exemplaridade de Maria está expressa no seu olhar de Mãe e Discípula, como bem
retrata a arte iconográfica e escultórica : a dor do sofrimento e o mistério da
fé, fazendo brotar uma luz de esperança, nascida da certeza inigualável do que
é revelado pelo amor de Deus. É impossível curar as dores humanas sem a
referência maior deste amor de Deus. Procurar o amor divino é uma necessidade
essencial e encontrá-lo é a fonte inesgotável da força maior que sustenta o ser
humano. A primeira espada de dor que aflige Maria, referida pela profecia de
Simeão - o homem justo, revela a humanidade ferida pelo pecado, causa de
sofrimentos e de desdobramentos que impedem a conquista da fraternidade
solidária. A consequência é um mundo de disputas que presidem o viver humano,
fazendo prevalecer lógicas egoístas, interesseiras e povoadas de
indiferentismos.
A
desolação crescente da exclusão social, com diferentes tipos de discriminações,
é também evidenciada a partir das vítimas de arbitrariedade dos poderosos, que
são obrigadas a deixar suas terras. Uma situação retratada na segunda dor de
Maria - a fuga da Sagrada Família para o Egito. Essa dor explicita o descaso
daqueles que buscam favorecer poucos, sacrificando muitos que são obrigados a renunciar,
forçosamente, às próprias raízes, abandonar seus laços culturais, para defender
a própria vida. A segunda dor de Maria aponta para o sofrimento dos migrantes,
mas também ensina o que significa ser peregrino - aprender a viver sem apegos a
bens. Um remédio para superar o egoísmo que multiplica os pobres da terra.
A
perda do menino Jesus no templo, a terceira dor de Maria, possibilita encontrar
um sentido maior para a própria vida - a vocação de cada um no horizonte do
amor de Deus. O Filho Salvador e Redentor da humanidade revela o horizonte
largo e sempre desafiador da vontade do Pai. Deus se expressa na obediência de
seu Filho Jesus, que caminha para a morte. Esse caminhar de Jesus rumo ao
calvário alcança o coração da Mãe, sua quarta dor, revelando a coragem da
Discípula exemplar, que se fundamenta na fé, mesmo quando o suplício ultrapassa
limites humanos. Maria suporta essa dor a partir de sua confiança incondicional
em Deus, Pai de amor. O coração da Mãe dolorosa alcança a compreensão lúcida do
sentido da morte de seu Filho, sua quinta dor, nas sombras da tristeza. Essa
compreensão lúcida descortina o tempo novo do amor vitorioso sobre todo ódio. O
martírio de Cristo, à luz da fé vivida por Maria, não se trata de fracasso, mas
de comprovada vitória da vida sobre a morte. A Mãe que teve diante dos seus
olhos a morte de seu filho, exemplarmente testemunha a justiça divina,
cooperando com a salvação da humanidade.
A
dolorosa acolhida do Filho morto nos seus braços de Mãe, golpeado pela maldade,
sexta dor de Maria, testemunha a verdade da oferta no altar da cruz. O silêncio
profundo do momento derradeiro de todo esse sofrimento se configura no
sepultamento de Jesus, fecundado pela certeza da vida que supera a morte,
sétima dor de Nossa Senhora. As sete dores de Maria são verdadeira escola, na
exemplaridade de seus gestos que expressam a confiança incondicional no amor
maior. Revelam dores da humanidade que, no seu reverso, guardam o caminho para
a construção de uma sociedade redimida, marcada pela força inigualável do
Evangelho, que abre as portas do Reino de Deus. As dores de Maria são também os
sofrimentos da humanidade. As lições da Discípula exemplar são escola do amor e
da confiança em Deus.’
Fonte : *Artigo na íntegra
Nenhum comentário:
Postar um comentário