Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
‘É a terceira vez que
a Igreja Católica no Brasil, por meio da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), promove a Campanha da Fraternidade dedicando-se, de modo
pertinente e profético, ao tema da fome : ‘Fraternidade e Fome’. A primeira vez
foi em 1975, a segunda, em 1985. Essa recorrência na promoção missionária e
evangelizadora da Campanha da Fraternidade, a partir do tema da fome, guarda
elementos interpelantes à cidadania civil e à cidadania do Reino, aos
discípulos e discípulas do Mestre Jesus. O Brasil voltou ao mapa da fome,
apesar de ser reconhecidamente um ‘celeiro’ do mundo. Muitos brasileiros sofrem
por não ter o que comer - há um Brasil que sente fome. Trata-se de problema
político e social, como também uma interpelação aos que creem em Cristo, o
Salvador e Redentor : ‘Dai-lhe vós mesmos de comer’, disse Jesus aos seus
discípulos, diante do sofrimento de uma multidão que estava faminta.
A Campanha
da Fraternidade, pela terceira vez, enfrenta o flagelo da fome. Há 48 anos,
quando a Igreja no Brasil convocou uma Campanha da Fraternidade sobre a fome
pela primeira vez, uma multidão dos adultos de hoje, em cargos importantes na
sociedade, eram crianças, ou nem tinham nascido. Tristemente, quase meio século
depois, o flagelo da fome de muitos brasileiros não foi superado. Comprova-se
que não bastam as indispensáveis estratégias lógicas da tecnologia e da
ciência. É preciso ir além, buscando a iluminação que vem da fé, com sua lógica
essencial à qualificação da humanidade. A fé é capaz de alicerçar um horizonte
inspirador na sociedade brasileira. A fome é um dos mais graves flagelos
que ameaçam o ser humano, humilhando a todos. Exige o alcance de soluções
com rapidez, pois leva a mortes, a sequelas que serão carregadas pelo resto da
vida, considerando especialmente a fragilidade das crianças, dos enfermos e dos
idosos. Por isso mesmo, o Papa Francisco afirma, profeticamente, na sua
mensagem dedicada à Campanha da Fraternidade 2023, que a fome é um crime - o
alimento é um direito.
A
Igreja Católica, servidora da humanidade, na promoção e defesa da vida, de modo
obediente ao seu único Senhor e Pastor, Jesus Cristo, convoca fiéis, homens e
mulheres de boa vontade, a enfrentarem a fome : ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’.
No caminho percorrido e celebrado durante a Quaresma, a liturgia da Igreja ecoa
o compromisso de conversão dos cidadãos do Reino de Deus. Essa conversão é
testemunhada quando se busca efetivar uma nova organização social e política
capaz de superar, urgentemente, o sofrimento de quem não tem o que comer. A
fome de Deus, a ser permanentemente saciada pela proclamação e escuta da
Palavra de Deus, deve fecundar o exercício cidadão de se buscar vencer a
carência alimentar de muitas famílias. Assim, os cidadãos devem trabalhar na
superação da fome, exigindo também do poder público um tratamento adequado para
combatê-la.
A
busca pela conversão não dispensa o compromisso com ações efetivas para promover
o direito de todos à alimentação. Afrontar o problema da fome encontrando
soluções urgentes é vivência fecunda deste tempo da Quaresma, em preparação
para frutuosamente celebrar a Páscoa. Assim, não se deve apenas esperar
soluções de instâncias governamentais. A sociedade, de um modo geral, deve
investir em novo estilo de vida, mais solidário com o próximo e com a casa
comum, na perspectiva da ecologia integral. Essa perspectiva da
corresponsabilidade leva a reconhecer que a fome não é problema somente de quem
padece por não ter o que comer. Todos, compreendendo os ensinamentos de Jesus,
devem buscar soluções criativas, evidentemente reconhecendo as
responsabilidades de governantes e líderes da sociedade.
A
gravidade do problema da fome, reiteradamente apontada pela Campanha da
Fraternidade, é mal que precisa ser erradicado ‘pela raiz’. Isto significa
investir sempre, e cada vez mais, na solidariedade, partilhando as dores do
próximo, que é irmão e irmã. A Doutrina Social da Igreja Católica ensina,
sublinhando ser questão de honra e fidelidade ao Evangelho de Jesus, sobre o
sentido da destinação universal dos bens da Criação : deve favorecer a todos,
ser garantido como direito. Essa lição da Doutrina Social da Igreja Católica
permite contestar modelos econômicos excludentes e perversos, que precisam ser
urgentemente substituídos, sob pena de um colapso geral - já há sinais muito
evidentes de diferentes colapsos na vida da humanidade.
Neste
momento, o apelo é à compreensão do desafiador flagelo da fome. Por se saber
que tem gente passando fome no Brasil, ‘cai por terra’ qualquer crítica aos
propósitos da Campanha da Fraternidade 2023. Eventuais críticas à Campanha
apenas escancaram o rosto dos indiferentes, distanciados da autenticidade da
fé. São atitudes que apenas indicam a importância daqueles que, efetivamente,
se dedicam à construção de um novo tempo, enquanto estão na peregrinação para o
Reino definitivo. Importante lembrar : entrarão no Reino definitivo os que
obedecem ao Senhor da vida, escutando, compassivamente, a sua interpelação : ‘Dai-lhes
vós mesmos de comer’. Seja, pois, acolhida, pela terceira vez, a convocação da
Campanha da Fraternidade, reconhecendo a presença de Jesus em cada pessoa que
sofre com a fome, na atenta escuta de Sua Palavra – ‘Tive fome e me destes de
comer’.
Fonte : *Artigo na íntegra
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