Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo do Padre James Martin, SJ
Tradução : Ramón Lara
‘Não
faz muito tempo, uma mulher veio até mim pedindo orientação espiritual. Como a
maioria dos acompanhantes espirituais faz, comecei estabelecendo algumas
diretrizes : a frequência dos encontros, o horário e a finalidade.
Então
perguntei o que esperava no acompanhamento espiritual. A primeira coisa que
disse foi : ‘Quero ajuda para entender o que está vindo de Deus e o que está
vindo de mim’ – ela apontou para a cabeça – ‘daqui’.
Como
essa mulher percebeu, nem tudo que chega em sua cabeça vem diretamente de Deus.
É claro que toda oração é mediada por nossa consciência, mas quando digo : ‘O
que vem de Deus e o que vem de mim?’ a maioria das pessoas sabe do que
estou falando. Há uma diferença entre a voz de Deus e nossa voz.
Digamos
que você esteja orando sobre a Multiplicação dos Pães e dos Peixes, a história
do Evangelho em que Jesus alimenta uma imensa multidão com apenas alguns pães e
poucos peixes. Você chega à frase ‘pães e peixes’ e a palavra ‘peixe’
acerta você. Você se lembra de uma refeição ruim que teve na semana passada em
um restaurante de frutos do mar. Você ainda não tem certeza se foi uma
intoxicação alimentar, mas definitivamente veio daquele prato com salmão. Sua
mente divaga e você promete para você mesmo que nunca mais voltará ao
restaurante.
Depois
de um tempo, você pensa : O que Deus está me dizendo aqui? Não devo seguir
Jesus? Seguir Jesus de alguma forma vai me deixar doente?
Em
resposta, diria que isso provavelmente é algo que surgiu em sua mente e pode
não existir nenhuma mensagem profunda aqui. Provavelmente é uma distração.
Agora
imagine que você está orando com a mesma passagem e algo diferente surge. Você
deseja se sentar e comer com Jesus. Não simplesmente por fome física, mas pelo
desejo de estar com ele. Você imagina como seria bom passar um tempo com ele,
como um companheiro. Você nunca pensou sobre o que significaria fazer uma
refeição com Jesus, e então você se lembra de uma comida com seu amado avô
quando era mais jovem. Ele sempre foi tão gentil e ouviu você com muita
atenção, como se você fosse a única pessoa no mundo, mesmo sendo apenas uma
criança. Seu avô fez você se sentir especial e amado. Você o vê como uma figura
de sabedoria real.
Estranhamente,
você começa a pensar em Jesus da mesma forma que pensa em seu avô – alguém com
quem você gostaria de estar, alguém que o ama.
Essa
segunda memória soa diferente da primeira, não é? Então, o que distingue os
dois? Como posso discernir o que vem de Deus e o que vem de mim? O que é uma
distração e o que não é? Ou talvez uma maneira melhor de colocar isso seja : Em
que devo prestar atenção?
Sendo
mais claro : não há uma maneira de discernir essas coisas, e o que ofereço aqui
são apenas algumas perguntas a se fazer nessas situações, que considero úteis
em minha própria vida e em ajudar outros em suas orações.
Primeiro,
o ‘espírito maligno’ está envolvido?
Vamos
voltar ao pensamento sobre aquele pedaço de peixe ruim. Se isso lhe causa
ansiedade, perturba seu espírito ou afasta você de sua oração, pode realmente
não ser simplesmente uma distração, mas o que Santo Inácio de Loiola chama de ‘espírito
maligno’, um impulso que o afasta de Deus e impede seu progresso
espiritual.
Nesse
caso, o espírito maligno está tentando afastá-lo de Deus ou, mais precisamente,
o espírito maligno está usando a distração para afastar você. A última coisa
que o espírito maligno deseja é que você se aproxime de Deus. Até mesmo usar um
pedaço de peixe servirá, para seus propósitos. Da mesma forma, você pode estar
pensando em seguir Jesus e depois começar a pensar : se eu seguir Jesus,
provavelmente terei que trabalhar com os pobres e então ficarei doente!
Exatamente como quando comi aquele peixe. Isso claramente não vem de Deus.
Em
geral, o espírito maligno tenta movê-lo para propósitos malignos ou,
inicialmente, um sentimento de desespero e desesperança. Como escreve Santo
Inácio nos Exercícios Espirituais, na pessoa boa o mau espírito procura ‘causar
angústia corrosiva, entristecer e levantar obstáculos. Desta forma, ele os
perturba por falsas razões destinadas a impedir seu progresso’.
Uma
maneira simples de entender é olhar se você está sentindo desespero,
desesperança ou inutilidade, isso não vem de Deus, porque, como entendeu
Inácio, esses sentimentos levam à ‘prevenção do progresso’ na vida.
Também
tome cuidado com a linguagem ‘universal’ que geralmente é característica
do desespero, especialmente quando associada a afirmações negativas sobre você.
Sempre que você se pega dizendo coisas como ‘Nada vai ficar melhor’, ‘Todo
mundo me odeia’, ‘Ninguém me ama’, ‘Estou sempre falhando’ ou
‘Nunca serei capaz de mudar’, é um sinal comum da presença do espírito
maligno. Detenha-se ao usar esses termos universais e tente não dar ouvidos a
esses impulsos. Em contraste, escreve Inácio, o ‘bom espírito’, o
espírito que leva a Deus, é aquele que age da seguinte maneira : ‘É
característico do bom espírito despertar coragem e força, consolações,
lágrimas, inspirações e tranquilidade. Ele facilita e elimina todos os
obstáculos, para que a pessoa siga em frente fazendo o bem’.
O
espírito maligno pode ser reconhecido quando você se desespera; o bom espírito
quando você sente esperança.
Portanto,
quando você está tentando discernir o que é e o que não vem de Deus, este é um
bom ponto para começar.
Deixe-me
dar um exemplo de minha própria vida. Por algum tempo, quando jovem, lutei
contra um leve caso de hipocondria. Não foi debilitante, mas me fez focar
demais nos problemas físicos e ter medo de ficar doente; no processo, isso me
levou a me concentrar em meu próprio bem-estar de maneira egoísta.
Vinte
anos atrás, eu tinha que fazer uma cirurgia, que trouxe uma confusão de emoções
e desencadeou um pouco de hipocondria – e algum ‘pensamento universal’ :
‘Esta é a pior coisa de todas’. ‘Estou sempre ficando doente’. ‘Eu
nunca vou ser capaz de superar isso’.
Mas
também senti uma atração na outra direção : em direção a uma maior liberdade,
em direção a uma liberação do ego arrogante que sempre me fez focar em mim
mesmo, em direção à esperança.
No
meio disso, falei com meu diretor espiritual. Então, eu coloquei isso na forma
de uma pergunta. ‘É uma nova experiência’, disse-lhe, ‘de sentir
liberdade e esperança quando se trata de doença. Ainda assim, me sinto puxado
de volta ao sentimento de desespero. E isso parece do espírito maligno. Mas o
sentimento mais profundo, positivo e esperançoso, mesmo que seja novo, parece
que pode vir de Deus. É um novo lugar para eu morar, mas estou me perguntando :
é o bom espírito?’
Ele
praticamente saltou da cadeira e gritou : ‘Sim!’
Quando
você se desesperar, não dê ouvidos; quando você sentir esperança, siga-a.
Em segundo lugar,
podemos perguntar : isso faz sentido?
Se
estou orando durante um momento difícil da minha vida e me lembro
espontaneamente de outra época em que Deus estava comigo durante minhas lutas,
talvez possa ver nessa memória o desejo de Deus de que confie. Ou talvez tenha
a lembrança de um lugar que me traz muita calma e fico em paz. Essa é uma
maneira que Deus tem de nos acalmar.
Por
outro lado, se estou orando durante um momento difícil e me lembro de um e-mail
que esqueci de responder, o pensamento pode não vir de Deus. No contexto do que
estou orando, não se encaixa. Lembre-se de que você quer saber se isso faz
sentido.
Faz
sentido que Deus se aproxime de mim e me convide a confiar? Sim, isso parece
fazer sentido, ou pelo menos está de acordo com o que está acontecendo na minha
vida no momento. Faz sentido que durante um período de oração sobre algo sério,
Deus me lembre de responder aos meus e-mails? Provavelmente não.
Terceiro,
isso leva a um aumento de amor e de caridade?
Essa
mensagem vem do Evangelho de Mateus, no qual Jesus diz : ‘Pelos seus frutos
os conhecereis’. A voz de Deus pode ser conhecida por seus efeitos. Se
seguir este impulso leva a um aumento na caridade e no amor, então é mais
provável que venha de Deus.
Digamos
que você esteja orando por alguém de quem não gosta. Talvez você esteja pedindo
a ajuda de Deus para lidar com essa pessoa. De repente, você fica furioso com
algo que ele fez a você. Oh, eu adoraria dar um soco na cara dele! - você
pensa.
Vinita
Hampton Wright, autora de Days of Deepening Friendship, oferece uma
maneira de compreender esses sentimentos. Você provavelmente perceberia que,
embora tenha tido esse sentimento durante sua oração, Deus não o está pedindo
para dar um soco no rosto desse sujeito. Então você passa desse desejo inicial
a pensar em como poderia confrontá-lo sobre algum defeito que você não tolera.
Você pode até orar sobre o que gostaria de dizer a esse amigo – para tirar o
peso das suas costas. Isso parece fazer sentido, então você pode ficar tentado
a pensar que Deus está por trás disso.
‘Ainda
assim, após uma reflexão’, como Vinita explicou, ‘você percebe que o
confronto pode ser bastante satisfatório para você, mas provavelmente não
aumentaria seu amor por essa pessoa, nem ajudaria a motivá-la a mudar para
melhor – então, não aumento no amor ou na caridade’.
Se
uma ação não leva a um aumento no amor e na caridade, o movimento provavelmente
não vem de Deus.
Quarto,
isso se encaixa com o que sei sobre Deus?
Isso
se encaixa com o Deus que você conhece das Escrituras, da tradição e da sua
própria experiência? Se você é cristão, isso se encaixa com o que você sabe
sobre Jesus?
Deus
não vai fazer você se odiar ou acreditar que nada pode dar certo novamente,
porque esse não é o Deus do Antigo ou do Novo Testamento, esse não é o Deus da
tradição da Igreja, esse não é o Deus revelado em Jesus, e esse não é o Deus
que você conhece. Deus dá esperança, não desespero.
Para
muitas pessoas, Deus frequentemente se manifesta em um sentimento de calma. À
medida que isso acontece, você pode começar a reconhecer como Deus é ‘percebido’
na oração. Santo Inácio começou a ver que era assim que Deus trabalhava nele.
De
certa forma, você conhece a voz de Deus, de modo que, quando a ouvir novamente,
você possa reconhecê-la.
Quinto, é
uma distração?
Às
vezes, é óbvio que um pensamento perdido que vem à sua cabeça pode não ser de
Deus. Se você está orando, seu estômago ronca e você pensa em comer um bom
hambúrguer com todos os acompanhamentos, essa noção provavelmente não vem de
Deus. Quanto mais você orar, mais será capaz de peneirar as distrações.
Pense
nisso como uma conversa com um amigo. Se você estiver conversando com alguém
sobre um assunto importante e de repente notar uma mancha em sua camisa, se
desviar e começar a reclamar que a lavanderia estragou sua roupa, você
perceberá que está distraído.
É o
mesmo na oração. Normalmente, você pode dizer o que faz parte da conversa e o
que não é. Da mesma forma, com a prática você pode dizer quando uma distração é
um convite para outra conversa nova.
Sexto, é
a realização de um desejo?
Esta
é talvez a pergunta mais difícil, e não é frequentemente abordada em livros
sobre oração. Como você pode saber se o que você pensa é o que você gostaria
que Deus lhe dissesse?
É
aqui que é especialmente importante testar as coisas. Às vezes, o que queremos
ouvir é realmente o que Deus nos diz. Se você está ansioso, ore a Deus por
alívio e se sentir calma, provavelmente é Deus. Não há nada de errado em
conseguir o que se deseja na oração. Isso não é necessariamente a realização de
um desejo; é Deus dando a você o que você precisa.
Por
outro lado, você precisa ter cuidado para não simplesmente invocar a resposta
que deseja na oração. O melhor antídoto para isso é a paciência, aguardando o
momento em que Deus fale com clareza.
Sétimo, é importante?
Em
minha experiência, Deus entra em nossa oração dessas maneiras diretas com mais
frequência quando há um assunto importante em mãos. Isso não quer dizer que
Deus não possa entrar em nossa consciência sempre que Deus quiser ou sobre
qualquer assunto. Mas normalmente (novamente, em minha própria vida e em minha
experiência como acompanhante espiritual), se essa intervenção ocorrer durante
um momento de urgência, pode ser considerada um sinal da presença de Deus.
Discernir o que vem de Deus e o que pode vir de
você é mais uma arte do que uma ciência. Mas é uma arte especialmente
importante a dominar na vida espiritual.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1497064/2021/02/7-dicas-sobre-o-que-ouvir-na-oracao-a-voz-de-deus-ou-a-minha/
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