Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Cristina Fernandes Ferreira,
jornalista
‘À
porta do seminário comboniano de Kisangani, onde ensina o missionário português
Arieira de Carvalho, cada dia aparece mais gente a pedir ajuda, reflexo do
agravamento da situação sociopolítica no país que ameaça degenerar em guerra
civil.
«Todos
os dias vem muita gente bater-nos à porta. A pobreza é grande e as pessoas vão
de porta em porta para que alguém as ajude», disse, por telefone, este
padre português, natural de Viana do Castelo.
Aos
73 anos, José Arieira de Carvalho cumpre desde 2015 uma terceira missão na
República Democrática do Congo, onde já tinha estado por quase duas décadas
(1981-1989 e 1996-2006).
Ensina
uma turma de 35 jovens que se preparam para a vida missionária no seminário de
Kisangani, cidade do Nordeste do país, que descreve como «uma das mais
calmas da RD do Congo» atualmente, depois de anos de violência e sofrimento
causados pela guerra entre Ugandeses e Ruandeses no ano 2000.
Uma
calma e normalidade que contrastam, segundo o missionário português, com outras
zonas do mesmo Nordeste congolês, nomeadamente na província de Kivu, onde a
instabilidade política está a deixar campo aberto para «muitos roubos,
assassínios e ataques à mão armada».
«Praticamente
todos os dias há massacres, gente forçada a abandonar as aldeias», disse.
Na origem desta instabilidade, está o afastamento do atual chefe de Estado,
Félix Tshisekedi, da coligação de governo estabelecida em Maio de 2019 com o
partido do presidente cessante Joseph Kabila e o estabelecimento de uma ‘União
Sagrada’, a que se juntaram muitos dos deputados que estavam anteriormente
na Frente Comum do Congo (FCC), de Kabila.
«É
uma situação explosiva. O que isto vai dar, ninguém sabe, pode até dar uma
guerra civil», receia o missionário.
A
República Democrática do Congo realizou eleições em Dezembro de 2018, após
vários adiamentos e depois de Kabila ter sido sujeito a múltiplas pressões para
deixar o cargo.
Apesar
da vitória de Félix Tshisekedi, o partido de Kabila manteve uma maioria
parlamentar após a eleição, cujos resultados foram contestados pela oposição e
pela Igreja Católica, que sustenta que a votação foi ganha pelo candidato
opositor Martin Fayulu.
Desde
então, a República Democrática do Congo vinha sendo governada por uma coligação
entre as forças de Tshisekedi e de Kabila.
Quotidiano «caótico»
O
padre Arieira assinala também as consequências econômicas e sociais desta
instabilidade.
«As escolas estão abertas, mas os professores não são pagos. É por isso que várias escolas estão em greve. Os médicos nos hospitais também se queixam de que não são pagos», referiu.
O
missionário português apontou ainda o estado das estradas, que, segundo disse,
nas regiões interiores do país «praticamente deixaram de existir».
«As
estradas que vêm de Butembo ou Goma, que têm muitos produtos agrícolas que
abastecem uma boa parte do Congo, quase não existem e algumas vezes juntam-se
500 a 800 caminhões porque um encrava na estrada e os outros já não podem
passar», disse.
O
sacerdote descreve um quotidiano «caótico» a nível político, econômico e
social, numa comparação com os primeiros anos da sua passagem pelo país, altura
em que governava Mobotu Sese Seko.
«Essa
foi uma altura calma em que as condições de segurança eram razoáveis e a
agricultura e indústria funcionavam. Pouco a pouco, as coisas foram-se
deteriorando e dá impressão de que cada ano se deterioram mais», disse.
Num
país com potencial para ser um dos mais ricos do mundo por causa dos recursos
minerais e da fertilidade dos campos agrícolas, não existem indústrias e boa
parte dos produtos alimentares são importados.
«As
únicas fábricas que funcionam são as de cerveja. O Congo é um dos países mais
ricos do mundo, tem a maior floresta de África, tem ouro, cobalto e diamantes.
Todo o país é cultivável, mas importa arroz e produtos agrícolas, quando podia
fornecer esses produtos para toda a África», lamentou.
Para
o missionário comboniano português, toda esta riqueza acabou por se «tornar
uma maldição» para a República Democrática do Congo.
«Em
todos os países [da África] onde há mais recursos é onde há mais ataques e
massacres e as populações não lucram nada com isso, vivem na pobreza»,
disse.
O
sacerdote apontou que o ébola continua a matar entre a população, que sofre
ainda com a malária e a febre tifóide.
«O
ébola continua ativo, mas ninguém fala disso por causa da covid-19. Não passa
um mês sem que um dos nossos jovens seminaristas seja atacado pela malária.
Felizmente, já é fácil de tratar, mas as pessoas sem meios morrem por falta de
um comprimido que custa 5 ou 10 dólares», explica.
O
missionário disse ainda que a pandemia de covid-19 não atingiu muito o país,
onde apenas há registo de casos isolados [total de 323 mortes e 11 918 casos,
dados oficiais de 20/11/2020]. «Felizmente, porque se acontecesse, 50% da
população iria morrer», disse, lembrando que nos transportes ou nos mercados
«as pessoas vivem todas amontoadas».’
Fonte : *Artigo na íntegra https://www.combonianos.pt/alem-mar/atualidade/6/435/missao-em-zona-de-violencia/
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