Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Santo Inácio e Juana da Áustria, uma das poucas mulheres na história da Companhia de Jesus e a única mulher a morrer jesuíta. Retrato de Alonso Sánchez Coello, por volta de 1557
*Artigo de Barton T. Geger, SJ
Tradução : Ramón Lara
‘Amigos
e colegas da Companhia de Jesus frequentemente perguntam se os jesuítas abrirão
a possibilidade das mulheres se juntarem a suas fileiras. As pessoas podem se
surpreender ao saber que a questão era um tema quente no início da fundação da
ordem, quando Santo Inácio de Loyola era seu superior geral. Inácio se opôs às
mulheres jesuítas por razões culturais, práticas e canônicas, mas outros
jesuítas não. Como resultado do conflito, um dos melhores amigos de Inácio até
processou a Companhia de Jesus.
Indiscutivelmente,
algumas das razões de Inácio não se aplicam mais, embora um fator ainda
represente um obstáculo substancial. Para resolver a questão, precisamos
esclarecer alguns conceitos.
Primeiro,
ser jesuíta e ser sacerdote são realidades distintas. Um homem torna-se jesuíta
quando faz votos de pobreza, castidade e obediência na Companhia de Jesus; por
outro lado, um jesuíta torna-se padre quando um bispo impõe as mãos sobre ele
no sacramento das ordens sagradas. Nem todos os jesuítas são padres. Aqueles
que optam por não ser ordenados são chamados de irmãos jesuítas. Para os fins
deste artigo, pressuponho que todos conhecem a impossibilidade da Igreja
Católica de ordenar mulheres, com base na constituição divina, que permanece
inalterado. Portanto, a questão é se a ordem pode admitir mulheres como irmãs
jesuítas.
Em
segundo lugar, a expressão ‘Jesuítas mulheres’ pode significar coisas
diferentes. Por exemplo, numerosas congregações seguiram o modelo da Companhia
de Jesus, fazendo do trabalho apostólico a ênfase principal de seu carisma, com
os Exercícios Espirituais no centro de sua espiritualidade e as Constituições
Jesuítas na base de suas próprias constituições. Um exemplo proeminente é a
Venerável Maria Ward (1585–1645), que fundou dois grupos : a Congregação de
Jesus e o Instituto da Bem-Aventurada Virgem Maria, este último também
conhecido como Irmãs de Loreto. As pessoas até chamavam essas mulheres de
jesuítas. Em espírito, então, as mulheres jesuítas existem há quatro séculos.
No
século 16, muitos católicos acreditavam que eram obrigados a obedecer a seus
diretores espirituais sob pena de pecado, e alguns até fizeram um voto nesse
sentido. Consequentemente, algumas mulheres raciocinaram : ‘Se eu prometi
obedecer ao meu diretor jesuíta, e ele jurou obedecer ao seu superior, então
não sou uma jesuíta?’ Ainda outras mulheres fizeram votos privados de
obedecer a Inácio e depois enviaram-lhe cartas indicando que estavam prontas
para receber uma missão. Eles assinaram seus nomes com ‘S.J.’, iniciais
da ordem.
Desde
a Idade Média, alguns institutos religiosos, como os dominicanos e os
franciscanos, tiveram filiais separadas para homens (as chamadas primeiras
ordens) e para mulheres (segundas ordens). Eles não moram nas mesmas
residências. As mulheres têm superiores femininas a quem juram obediência, que
por sua vez podem responder aos superiores maiores das primeiras ordens, ou aos
bispos ou outros clérigos. Por razões explicadas mais adiante neste artigo, a
cultura medieval esperava que as segundas ordens adotassem um estilo de vida
monástico, mesmo que seus homólogos masculinos fossem orientados para o
apostolado. Um exemplo foram as Irmãs Clarissas. Como as freiras não podiam
deixar seus conventos para frequentar as paróquias locais, a lei da Igreja
muitas vezes obrigava seus colegas do sexo masculino a atender às necessidades
sacramentais regularmente.
Alguns
institutos possuem uma terceira ordem de leigos. Os arranjos variam muito, mas
geralmente os institutos concordam em fazer do cuidado espiritual de suas
ordens terceiras uma parte formal de seus ministérios, enquanto os leigos se
dedicam à oração e obras de caridade. Um bom exemplo é Santa Catarina de Siena,
uma leiga tradicionalmente retratada com o hábito dominicano. Esses membros de
uma terceira ordem podem viver juntos em suas próprias comunidades; mas talvez
com mais frequência, os indivíduos continuam morando em casa e cumprindo suas
outras obrigações relacionadas à vida familiar e ao emprego secular.
A
Companhia de Jesus nunca teve uma segunda ou terceira ordem, embora uma
organização leiga chamada Congregação Mariana, que funcionou efetivamente como
o equivalente a uma terceira ordem durante séculos.
Após
o Concílio Vaticano II, por iniciativa da 31ª Congregação Geral dos Jesuítas em
1965, os Jesuítas em todo o mundo começaram a experimentar laços mais estreitos
com os aliados leigos, sem os chamar de ordens terceiras. Em 1992, a Província
de Wisconsin, nos Estados Unidos, iniciou um programa chamado Ignatian
Associates. Pessoas solteiras e casadas fizeram promessas privadas de
simplicidade, disponibilidade apostólica e fidelidade à missão da Companhia. Os
superiores provinciais jesuítas enviaram indivíduos, e até casais com filhos, a
obras jesuítas em cidades diferentes.
Infelizmente,
as tensões cresceram entre os parceiros leigos e o círculo mais amplo de
religiosos da Companhia de Jesus. Estes ressentiram-se do que consideraram
elitismo por parte dos primeiros e do tratamento preferencial dado aos
primeiros no que diz respeito a cargos e promoções. Com algumas exceções
edificantes, os leigos frequentemente não podiam ou não queriam se mudar.
Consequentemente, em 2008, a Congregação Geral 35 encerrou o envolvimento da
Companhia nessas experiências, mas os Ignatian Associates continuam existindo e
aceitando novos membros. Alguns membros ainda servem em obras jesuítas.
Finalmente,
o termo ‘mulheres jesuítas’ pode denotar mulheres que fazem votos
perante um membro autorizado da Companhia de obedecer a seu superior geral e,
portanto, são filiadas à ordem em um sentido mais estrito. Durante a vida de
Inácio, quatro mulheres fizeram esses votos. Para avaliar o significado de suas
histórias, aqui estão quatro razões pelas quais Inácio resistiu a sua admissão.
A
justificativa de Inácio
Os
primeiros jesuítas conceberam a Companhia de Jesus a partir da formação e da
mobilidade dos seus membros, prontos a qualquer momento para ir a qualquer
lugar onde as necessidades da Igreja fossem maiores. Numa época em que a grande
maioria dos europeus vivia e morria a menos de 30 quilômetros de onde nasceram,
essa foi uma inovação significativa. Nem mesmo as ordens mendicantes deram
tanta prioridade à mobilidade de todos os seus homens por uma questão de
princípio.
No
entanto, não existiam forças policiais estáveis, mas estradas escuras repletas
de bandidos, as pousadas não eram seguras e os viajantes muitas vezes
caminhavam ou cavalgavam no meio de exércitos em confronto. Em uma ocasião, um
bandido emboscou Inácio na estrada e o espancou até matá-lo quase um
centímetro. Outra vez, ele foi interrogado e revistado por soldados que o
consideraram um espião. Anos depois, como superior geral, Inácio até recebeu
notas de resgate de piratas que haviam sequestrado jesuítas. Ele foi obrigado a
recusar, para que seus pagamentos não incentivassem mais do mesmo.
Em
suma, Inácio considerou impraticável para a Companhia de Jesus expor as
mulheres aos perigos das viagens apostólicas regulares, ainda mais porque a
cultura desencorajava fortemente as mulheres a viajar sem acompanhantes
masculinos. A inquisição certa vez prendeu Inácio por cinco semanas, sob a
suspeita de que ele havia encorajado mãe e filha a fazerem uma peregrinação
sozinhas. E uma vez ele veio ao resgate de duas peregrinas, uma mãe e uma
filha, que os soldados estavam molestando. A mãe vestira a filha de menino em
uma tentativa inútil de evitar atenção.
Uma
segunda dificuldade foi a preocupação de Inácio em preservar a mobilidade de
seus sacerdotes. Ele não queria que fossem responsáveis pelo cuidado pastoral
das freiras de clausura, jesuítas ou não, o que exigiria que os padres
permanecessem no mesmo lugar. Pela mesma razão, Inácio não queria que os
jesuítas fossem bispos ou pastores paroquiais, duas decisões pelas quais o
santo incorreu na ira de muitos clérigos e nobres que acreditavam que era
elitista ou desatento ao bem maior.
Terceiro,
Inácio era altamente sensível à reputação pública da ordem. Ao se recusar a
trabalhar com uma segunda ordem, estava minimizando as oportunidades de
acusações de má conduta sexual. Rumores sobre suas relações íntimas com
devotas, benfeitoras, místicas e beatas (mulheres solteiras conhecidas por sua
santidade e obras de caridade) dificultaram muito seu próprio ministério. As
pessoas acusaram dois dos primeiros jesuítas, Francis Xavier e Jean Codure, de
dormir com seus dirigidos. Na verdade, a aprovação papal da recém formada
Companhia de Jesus foi quase totalmente frustrada quando um jovem chamado
Miguel Landívar acusou Inácio e seus companheiros de heresia e ‘comportamento
imoral’, o que significa falta de castidade heterossexual e homossexual.
Landívar estava com raiva porque Inácio se recusou a deixá-lo fazer parte do
grupo. O tumulto público em Roma durou oito meses antes que Inácio pudesse
refutar as alegações de Landívar no tribunal.
O
clima religioso agravou o problema. Numa época em que os temores de heresia
eram abundantes, as acusações de má conduta eram um meio fácil e eficaz de
minar o trabalho de místicos e inovadores. Rumores giravam em torno de Santo
Antônio Zaccaria e da condessa Luisa Torelli, sua dirigida espiritual, enquanto
fundavam os Barnabitas e as Angélicas. O teólogo dominicano Melchior Cano, um
crítico feroz da Companhia – chamou os jesuítas de ‘emissários do Anticristo’
– afirmou que os jesuítas e as angélicas dormiam regularmente nas mesmas camas
para mortificarem suas paixões.
Uma
quarta dificuldade era (e ainda é) que a Companhia é um tipo particular de
ordem religiosa chamada de clérigos regulares. Outras ordens desse tipo, que se
originaram no início do século 16, incluem os teatinos, os barnabitas e os
somascos. Pelo menos em teoria, o sacerdócio ordenado é essencial para os
carismas dos clérigos regulares, razão pela qual as pessoas frequentemente os
chamam de padres reformados. Em contraste, o monaquismo havia começado como um
movimento leigo na igreja antiga; e entre os fundadores mendicantes encontramos
o exemplo de São Francisco de Assis, que não era sacerdote.
No
entanto, em comparação com outros clérigos regulares, o sacerdócio é vital para
o carisma jesuíta. Como Inácio explicou nas Constituições, o propósito da ordem
é trabalhar em obras que sirvam à maior glória de Deus, que também chamou do
bem mais universal. Ou seja, quando apresentados a duas ou mais opções ao
serviço de Deus, os jesuítas devem se esforçar para discernir e escolher as
opções que prometem um impacto mais amplo ou mais duradouro. Inácio pensou que,
sendo todas as missões da Igreja urgentes, os padres devotos e educados seriam
úteis em contextos de maior necessidade, e podiam envolver as pessoas mais
profundamente por meio do ministério sacramental – eles são mais universais,
por assim dizer – do que pessoas devotas que são incultas ou não ordenadas.
Nesse sentido, o sacerdócio é tanto um símbolo quanto o meio mais propício para
o fim adequado da Sociedade.
Então
por que a Sociedade tem irmãos Jesuítas? Em 1546, Inácio pediu ao papa Paulo
III a permissão para aceitar leigos qualificados (irmãos) e padres devotos, mas
sem educação (coadjutores espirituais) na Companhia como trabalhadores
temporários que poderiam aliviar as demandas práticas e pastorais feitas à
Companhia. Inácio pretendia dispensá-los quando não precisasse mais de seus
serviços. Diante disso, faz sentido que não os considerasse membros plenos da
Companhia. Na prática, entretanto, e desde o início, esses homens passaram toda
a sua vida na Companhia. Parece que os superiores raramente ou nunca demitiam
bons irmãos e padres, presumivelmente porque seus serviços eram sempre
necessários e porque haviam formado laços fraternos com seus companheiros. Como
resultado, já no próprio mandato de Inácio como superior geral, um irmão do
Colégio Romano chamado Juan de Alba lamentava que os irmãos fossem membros de
segunda classe da ordem.
Para
ser franco, as tensões continuam a respeito do lugar dos irmãos e coadjutores
espirituais na Companhia. Muitos têm sofrido o fato de os irmãos não poderem
ser superiores maiores (superiores provinciais ou regionais) ou superiores de
comunidades locais. Da mesma forma, os coadjutores espirituais não podem votar
nas congregações provinciais, nem ser eleitos superiores provinciais ou membros
votantes das congregações gerais. Nenhum destes grupos faz o quarto voto
especial de obediência ao papa em questões de missão, que Inácio considerava
uma marca registrada do carisma jesuíta. Desde o Concílio Vaticano II, muitos
jesuítas desejaram mudar a lei e a prática da Companhia nessas questões. Outros
jesuítas, bem como alguns papas recentes e outros clérigos da cúria romana,
opuseram-se a permitir que os irmãos fizessem o quarto voto, alegando que seria
incompatível com o caráter sacerdotal da Companhia, conforme especificado na
Fórmula do Instituto, a Carta aprovada por Paulo III em 1539. A Fórmula é lei
pontifícia, o que significa que a Companhia não pode alterá-la sem a aprovação
papal.
Após
sua conversão, Inácio dependeu muito de mulheres ricas para financiar sua
educação e viagens. Em Barcelona, especialmente, seus devotos formaram uma
espécie de círculo inaciano dedicado à oração e a obras de caridade. Pouco
depois da fundação da Companhia, Inácio enviou dois jesuítas a Barcelona, os
quais estabeleceram amizade com essas mulheres.
O
centro do círculo era Isabel Roser, esposa de um comerciante de tecidos, que
Inácio conhecera cerca de um ano após sua experiência de conversão. Os Rosers
levaram Inácio para sua casa, pagaram sua peregrinação a Jerusalém e, depois,
suas aulas de latim e filosofia em Barcelona. Isabel permaneceu em contato com
Inácio durante suas viagens subsequentes. Isabel lhe enviava fundos conforme
necessário e recrutava outras mulheres nobres para o círculo de Barcelona. Mais
tarde, Inácio se referiu a ela como ‘a mãe boa e gentil que você tem sido
para mim há tanto tempo’.
O
marido de Isabel morreu em 1541, um ano após a fundação da Companhia. Nesse
momento, decidiu ir a Roma e fundar uma congregação de mulheres sob a
obediência de Inácio. Contudo, Inácio tentou dissuadi-la em várias cartas, mas
seus dois amigos jesuítas apoiaram o plano, sugerindo que mudaria de ideia se
ela apresentasse seu caso cara a cara. Mas quando Isabel chegou à porta de Inácio,
ele se manteve firme.
Isabel
escreveu então uma carta a Paulo III na qual pedia que o papa ordenasse a
Inácio que recebesse seus votos e os de sua serva, Francisca Cruyllas. Como um
presságio das dificuldades que viriam, ela também pediu ao papa que anulasse a
ordem de Inácio de que seus dois amigos jesuítas deixassem Barcelona. O papa
acedeu ao primeiro pedido e, em 25 de dezembro de 1544, as duas mulheres e uma
terceira, Lucrezia di Brandine, professaram votos simples perante Inácio.
Isabel doou o restante de sua propriedade à Companhia, e as mulheres mudaram-se
para a Casa de Santa Marta, uma residência para mulheres fundada por Inácio.
Muitas
mulheres leigas e freiras na Espanha e na Itália assistiram a esses
acontecimentos com entusiasmo. No entanto, se havia alguma esperança real de
que Inácio mudasse de ideia, Isabel fez poucos esforços ao seu favor. De acordo
com os jesuítas em Roma naquela época – admitindo que eles poderiam ter
enfeitado um pouco a história, pelas resistências – ela exigia conversas quase
diárias com Inácio. Durante suas frequentes crises de doença, insistia em
cuidar dele, enquanto proibia os jesuítas de entrarem em seu quarto. Isabel
continuou criticando os clérigos da Cúria papal, exigia os melhores diretores
espirituais jesuítas em Roma e gastava o dinheiro da Companhia sem consultar
Inácio. Um irmão jesuíta descontente foi designado para ser o servo de Isabel,
cuidando de seu cavalo e limpando seus aposentos – embora, para ser justo com
Isabel, pois mulheres ricas que se juntavam a conventos muitas vezes tinham
permissão para ter seus próprios criados.
Em
maio de 1546, a pedido de Inácio, o papa rescindiu sua permissão. Na época, os
dois sobrinhos de Isabel estavam em Roma, irritados por ela ter dado sua
herança à ordem (pois não tinha filhos.) Eles a convenceram a processar a
ordem, dizendo que Inácio era um hipócrita e um ladrão que nunca havia levado a
sério a ideia de acolhê-la. Mas Inácio manteve registros cuidadosos de seus
presentes e despesas. Ele os apresentou no tribunal, demonstrando que Isabel
devia dinheiro à Companhia.
No
final, Isabel Roser e Francisca Cruyllas ingressaram em conventos em Barcelona
e Lucrezia di Brandine em Nápoles. Isabel escreveu uma carta comovente para
Inácio em dezembro de 1547, pedindo perdão pelas dificuldades que havia
causado, morrendo em 1554, dois anos antes de Inácio.
Juana
da Áustria é a única mulher que morreu sendo jesuíta. Juana era irmã do rei
Filipe II da Espanha e tornou-se governante interina quando Filipe se mudou
para a Inglaterra para se casar com Maria Tudor. Juana tinha apenas 19 anos.
Estiveram presentes na corte espanhola seu diretor espiritual, Francisco de
Borja, S.J., e um pregador da corte, Antonio Araoz, S.J. Pouco depois de
assumir sua regência, ela informou aos dois jesuítas seu desejo de ingressar na
Companhia.
Os
padres Borja e Araoz estavam entusiasmados; na verdade, Araoz foi um dos dois
jesuítas que encorajou Isabel uma década antes. Inácio estava em uma posição
difícil, pois precisava do apoio da princesa para que a Companhia sobrevivesse
na Espanha. Recusá-la totalmente não era uma opção. Mas os conflitos de
interesses e os inevitáveis ciúmes políticos e eclesiais tornaram toda a
situação um tanto absurda. Dadas suas responsabilidades políticas, por exemplo,
era impossível para ela viver os votos de pobreza ou de obediência de qualquer
forma prática, e teria que ser dispensada de qualquer voto de castidade assim
que um casamento político fosse imposto a ela.
Em
outubro de 1554, Inácio se encontrou com os jesuítas em Roma para discutir suas
opções em relação a um certo Mateo Sánchez. O nome era um pseudônimo de Juana,
caso alguém interceptasse suas cartas. Inácio decidiu permitir que Juana
fizesse votos perpétuos simples, do mesmo tipo que faziam os escolásticos
jesuítas. Isso significava que, no que dizia respeito a Juana, ela era obrigada
perante Deus a manter seus votos por toda a vida; mas seus votos não prendiam
Inácio, e ele poderia libertá-la dos votos a qualquer momento.
Depois
disso, Juana se dedicou a criar uma cultura de modéstia e devoção religiosa na
corte espanhola, de modo que observadores desavisados começaram a descrever o
palácio como um convento. Ela fez doações para os colégios jesuítas de Roma e
Valladolid, supervisionou projetos para os pobres e para a reforma de conventos,
e defendeu a Companhia de seus críticos, incluindo o já citado Melchior Cano.
Ela até protegeu Borja de se tornar um cardeal, um cargo que Inácio desejava
que os jesuítas evitassem o máximo possível.
Houve
dificuldades. Juana e Borja se associavam tão intimamente que seu próprio irmão
suspeitava que eles tinham um caso. Como Isabel, ela ficou descontente quando
Inácio tentou designar seus jesuítas favoritos para outro lugar. Juana ordenou
que Borja e Araoz permanecessem na corte e, em seguida, escreveu a Inácio,
basicamente informando-o de que ele não poderia tê-los para outras missões.
Também ‘pediu’ para Inácio que a tornasse superiora religiosa local,
para que seu dever de obedecê-la sob a sagrada obediência pudesse aumentar a
obediência política que já lhe deviam.
Juana
perdeu seu poder aos 24 anos, quando Felipe voltou para a Espanha. Ela
continuou a viver de forma ascética e fundou várias comunidades de mulheres.
Filipe, sem saber que sua irmã era jesuíta, tentou arranjar um casamento. Entre
os maridos em potencial estavam o rei francês, arquiduques e até o sobrinho de
Juana. Mas não deu em nada. Juana manteve contato com Borja depois que ele se
tornou o terceiro superior geral da Sociedade, e acabou falecendo em 7 de
setembro de 1573, aos 38 anos.
E agora?
Quais
são as chances de termos mulheres jesuítas hoje? Por amor à caridade para com
aqueles com desejos fervorosos de ingressar na Companhia, definirei os
seguintes pontos sem rodeios. Peço aos leitores que não interpretem isso como
uma insensibilidade aos sentimentos profundos que cercam este assunto.
Se
alguém entender o termo ‘mulheres jesuítas’ como significando mulheres
com votos de obediência ao superior geral da Companhia, então isso simplesmente
não vai acontecer em um futuro previsível. Isso contradiz o carisma sacerdotal
da ordem que Inácio e seus primeiros companheiros pretendiam, um carisma que
foi aprovado e cimentado por uma carta papal. Consequentemente, só uma
intervenção extraordinária de um papa tornaria isso possível, ou até factível.
Considerado
hipoteticamente, como uma questão de discernimento, o fator determinante teria
de ser se a admissão de mulheres Preparará melhor a Companhia de Jesus a servir
ao bem mais universal das almas, em oposição a admitir mulheres para satisfazer
seus próprios desejos sagrados (Inácio foi bastante consistente nesse ponto
quando se tratou da admissão individual de homens). E não é óbvio se esse seria
ou não o caso, à luz das relações frutíferas que a Companhia já desfruta com
seus colegas leigos, e à luz de as tensões humanas, obstáculos logísticos e
custos adicionais que poderiam surgir.
Por
exemplo, as mulheres jesuítas não poderiam ser superiores locais ou
provinciais, não poderiam ser eleitas membros votantes das congregações gerais
e não poderiam fazer o quarto voto, o que multiplicaria exponencialmente a
inquietação que já existe na Companhia sobre estes assuntos. Os jesuítas homens
e mulheres não poderiam viver juntos, mas casas separadas para as mulheres
criariam uma subcultura na Companhia que Inácio tentava ardentemente evitar. As
experiências recentes da ordem com parceiros leigos ilustram outras
dificuldades mencionadas que poderiam surgir.
Por
essas razões, a questão das mulheres jesuítas não está no radar da Companhia
universal. Ou seja, não tem sido assunto de conversa séria em nenhuma das seis
congregações gerais mantidas desde o Vaticano II.
Se
alguém entender ‘mulheres jesuítas’ como significando congregações que
seguem o modelo de atuação da Companhia, mas que respondem a seus próprios
superiores, a boa notícia é que já existem vários grupos desse tipo, com
diferentes missões em todo o mundo. Na verdade, Inácio expressou apoio a
congregações desse tipo. Em 1546, o santo escreveu um memorando aos jesuítas em
Gandía e Valência no qual rejeitou a admissão de mulheres na ordem, citando as
razões acima mencionadas. Mas acrescentou : ‘[E] a fim de ganhar mais almas
e servir a Deus nosso Senhor de forma mais universal em todas as coisas com
maior fruto espiritual, estamos convencidos de que seria um trabalho bom e
santo [para você] criar uma sociedade de nobres damas [compañía de señoras] e
de outras mulheres que pareçam idôneas a Nosso Senhor, seja de acordo com as
orientações que envio junto com este memorando, seja como lhe pareça melhor’.
O bem universal das
almas
A
essa ideia, as pessoas hoje costumam responder com um suspiro bem-humorado : ‘Oh,
não é a mesma coisa’. Não, admito que não é. Mas no interesse de um bom
discernimento, a pessoa deve nomear o contraste e, em seguida, perguntar se isso
justifica não ingressar em uma congregação de mulheres. Talvez uma pessoa
esteja pensando em seu amor pela Companhia, ou por alguns jesuítas que
conheceu. Talvez deseje desempenhar seu próprio papel na história da ordem. Mas
se o único propósito de uma pessoa é servir ao bem mais universal das almas,
levando em consideração seus dons, limitações e circunstâncias – Inácio chamou
isso de intenção pura – então as outras motivações não são realmente os
critérios adequados para um discernimento vocacional.
Explicando
de outra forma. Em três ocasiões, mulheres casadas com filhos me disseram que
teriam se tornado jesuítas, mas porque não podiam, casaram-se. Acredito que
foram sinceras. Mas também me pergunto como reagiriam se suas filhas lhes
dissessem : ‘Eu queria me casar com Fulano de Tal, a quem amo e é perfeito
para mim, mas como ele disse 'não', renuncio ao casamento e me torno uma freira’.
A
Companhia de Jesus deve sua existência em grande parte à generosidade e amizade
das mulheres. Inácio dificilmente ignorou isso quando liberou sua velha amiga
Isabel de seus votos. Também é verdade que muitas das obras da Companhia hoje
não seriam viáveis sem seus colegas leigos e benfeitores. Os jesuítas modernos
também estão altamente conscientes disso. Se é possível que existam dívidas
entre servos quando essas dívidas são contraídas no serviço do mesmo senhor (Lc
17, 7-10), então esta é uma dívida que a Companhia nunca será capaz de pagar.
A
Congregação Geral 35 observou que Inácio reconheceu os benefícios da colaboração
com os leigos desde o início. A serviço do bem mais universal, os primeiros
jesuítas estabeleceram numerosas organizações que operavam em conjunto com a
Companhia, mas sem vínculos jurídicos com ela. Hoje, a cooperação leigo-jesuíta
na missão continua de uma forma ainda mais rica. A G.C. 35 chamou esta
colaboração da maneira particular como a Companhia de Jesus responde às
necessidades do mundo, porque ‘a colaboração na missão é o modo de
respondermos a esta situação : exprime a nossa verdadeira identidade como
membros da Igreja, a complementaridade dos nossos diferentes chamados à
santidade, a nossa mútua responsabilidade pela missão de Cristo e o nosso
desejo de nos unir a pessoas de boa vontade, no serviço à família humana e na
instauração do Reino de Deus’.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1497918/2021/02/argumentos-de-santo-inacio-contra-mulheres-jesuitas-sao-atuais/
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