Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
teólogo protestante
‘Recentemente
a Netflix lançou um documentário chamado O dilema das redes, que
teve um grande impacto sobre muitos. Mesmo já sabendo sobre a coleta de
informações pelas redes sociais ou até mesmo sobre o modo de desenvolvimento
desses aplicativos – feitos justamente para viciar, fazendo com que os usuários
despendam o maior tempo possível diante das telas –, ainda assim muitas pessoas
se chocaram em ouvir tão explicitamente tais fatos por seus desenvolvedores.
O
documentário também traz um alerta importante : é preciso que a população lute
para que haja regulação e responsabilização de tais empresas pelos dados que
possuem e, principalmente, pelo que fazem com eles. Em uma sociedade como a
nossa, em que informação é poder, é inconcebível permitir que as redes sociais,
ou qualquer outro órgão empresarial ou estatal possa fazer o que quiser com
nossos dados.
Nesse
cenário, como teólogos e teólogas, é necessário que se pense em que medida a
teologia se implica nessa realidade. Com isso em mente, gostaria de pensar dois
pontos neste pequeno artigo : o primeiro tem a ver com aquilo que a teologia
pode aprender com tudo isso; o segundo, com aquilo que a teologia pode ajudar
nessa reflexão.
O
que a teologia pode aprender? Em primeiro lugar, o documentário deixa claro
algo que já sabemos : vivemos em um mundo conectado, rápido, com linguagem própria,
habitado em sua maioria pelos jovens e adolescentes de nossa geração que, a
partir da criação de bolhas, vivem e interagem sempre com as mesmas pessoas,
ouvindo e vendo somente aquilo que mais gostam. Em outras palavras, criaram um
mundo para si e, a partir dele, toda a realidade é justificada e explicada.
Nesse cenário, é
imprescindível para o pensar teológico que a linguagem da teologia seja
atualizada. Seus próprios termos e sua forma de explicar as coisas precisam ser
revistas a fim de ser uma linguagem que faça sentido para as pessoas de nosso
tempo. Isso não quer dizer abrir mão de seus pressupostos de fé. Muito pelo
contrário, atualizar sua linguagem implica em tornar seu discurso acessível às
pessoas de nosso tempo. Assim como a teologia dos primeiros séculos tomou
diversos termos extrabíblicos para poder dizer a fé para aquele tempo, é
imprescindível que a teologia atual faça o mesmo movimento, reconhecendo que
somente as linguagens bíblica e tradicional não dão conta do momento tecnológico
em que estamos inseridos. Sem isso, a teologia continuará em sua bolha, falando
somente aos seus achando que está alcançando milhares de pessoas, quando, na
verdade, vive uma retroalimentação que não ajuda em nada na mudança da
sociedade. Sair da bolha é tarefa fundamental para a teologia do século 21.
Por outro lado, a teologia também pode
contribuir na discussão. Ela, que parte da fé na revelação, vê o ser humano como aquele que foi
criado imagem e semelhança de Deus. Um sujeito possuindo a liberdade deve ser
capaz de usá-la para a promoção de uma vida harmoniosa com seus irmãos e irmãs,
bem como com a própria natureza. Nesse sentido, o caráter relacional é fundante
do ser humano. Se Deus é Trindade, como afirma a fé cristã, então o próprio
Deus é também relação. Sendo o ser humano imagem e semelhança de Deus, pensar
tal humano ausente de relação seria um absurdo para a fé.
A
ética cristã, então, está baseada nesse pressuposto básico de que todos e todas
são filhos e filhas do mesmo Deus e, portanto, estão em relação de igualdade,
devendo, como irmãos e irmãs, construir uma sociedade na qual reina a justiça,
a paz e a misericórdia. Da mesma forma, todo ser humano tem um valor em si
mesmo, não baseado nas coisas externas e, desse modo, não é negociável. Nenhum
ser humano é melhor que outro e, consequentemente, na relação entre iguais, não
é aceitável que alguns tenham mais direitos que os outros. A quebra do direito
de um é a quebra do direito de todos.
Com
isso em mente, podemos dizer que a violação da privacidade do sujeito e o
tratamento do ser humano como mero produto, o que é feito pelas redes sociais,
mostra-se antiético e passível de denúncia, a partir dos pressupostos da ética
cristã que mencionamos.
Assim,
ao insistir no valor do ser humano como imagem e semelhança de Deus, a teologia
contribui com um critério importante para se pensar a regulação e
responsabilização das redes sociais. Se por um lado a teologia tem que aprender
com as redes, por outro, deve também confrontá-la e, a partir da fé, tentar ensiná-la.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1485998/2020/12/o-dilema-das-redes-e-a-teologia/
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