Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘A
vida de Francisco (e a de todos nós) começou a ficar incerta a partir de março
de 2020. Um vírus letal, que até então circulava em território chinês, chegou à
Europa sem pedir licença. E não demorou muito para atravessar o Atlântico,
atingir países mais pobres e arrasar famílias inteiras. Nossos projetos,
viagens e sonhos tiveram que ficar para depois. O mundo parou diante de uma ameaça
invisível.
Muitos
se foram sem poder se despedir dos seus parentes. Todos os dias, infelizmente,
renovamos esse luto. Para o cristão, o ‘desconhecido’ que luta pela vida
numa UTI de hospital é um irmão. É o homem ferido na estrada, diante do qual o
bom samaritano que passa, como ensina a parábola, não pode ficar indiferente.
Portanto, um ‘e daí?’ diante do sofrimento alheio nunca fez
parte do vocabulário evangélico.
É
um ano para esquecer. Mas também para lembrar e agradecer por estarmos vivos.
O Te Deum do dia 31, o hino utilizado na liturgia católica em
eventos solenes de ação de graças, deverá ser entoado para celebrarmos também
essa vitória.
Francisco
subiu as escadarias da Basílica São Pedro, naquela noite chuvosa de 27 de março
de 2020, consciente de que era só o início da batalha. Ele também teve que
rever o seu papado. A propósito, o líder máximo da Igreja Católica admitiu, em
uma entrevista, que a pandemia o havia colocado em crise. Ele teve que fazer as
contas, afinal, é gente como a gente.
E agora, o que vem
pela frente?
Num
momento em que vários países do mundo anunciam seus planos de vacinação,
inclusive o Vaticano, o papa surpreende o mundo ao confirmar que visitará o
Iraque em março de 2021. À primeira vista, pode parecer que o pontífice tenha
agido de maneira inconsequente. No entanto, é provável que, até lá, todos os
cidadãos de seu pequeno Estado já estejam vacinados. O Vaticano, possivelmente,
será o primeiro país do mundo a conseguir esse feito, já que conta com pouco
mais de 800 habitantes.
Para
além da discussão se foi prudente ou não o papa ter marcado essa viagem, uma
coisa é certa : no ano da retomada, que será 2021, Francisco orientará todo o
seu trabalho pastoral para as periferias. Se ele já faz isso ao longo de quase
8 anos de governo, fará ainda mais no ano que vem.
Não
me surpreenderia se ele incluísse na lista de suas visitas apostólicas alguns
países da América Latina e outros do Oriente Médio. Ir para onde ninguém quer
ir ou jamais foi virou regra no pontificado atual. Para Francisco, é a
expressão máxima do ‘ser pastor com cheiro de ovelhas’. E não existe
pastor sem povo. Não existe Igreja que não se volte para os pobres.
É
provável que o santo padre privilegie os países onde os problemas sociais foram
mais acentuados pela pandemia. E nada melhor que iniciar por um dos países mais
arrasados pelas guerras no século 21, como é o caso do Iraque. A terra de
Abraão, o patriarca bíblico que os cristãos chamam de ‘pai de todos aqueles
que creem no mesmo Deus’, será palco de uma nova fase que se inicia para
Francisco.
O
coronavírus fez com que o país mergulhasse (ainda mais) na crise humanitária da
qual nunca saiu desde 2003, quando os Estados Unidos e seus aliados invadiram o
território. Por lá, sobretudo agora, o deserto virou cemitério, como relataram
algumas agências de notícias internacionais.
Ao
longo de 2020, Francisco fez um apelo à comunidade internacional para que deixe
de investir em armas e use esse dinheiro para socorrer os países mais pobres.
Também pediu um cessar-fogo global ‘que permita a paz e a segurança
indispensáveis para fornecer a assistência humanitária’. Ele pensa nos
países que receberam várias sanções por parte das grandes potências e, por
conta disso, não puderam receber suporte necessário para combater a doença.
Francisco
pediu um pacto global de fraternidade na sua encíclica Fratelli Tutti,
publicada em outubro deste ano. Através das suas próximas viagens e documentos,
certamente vai reforçar esse desejo. Se ‘todos estão no mesmo barco’,
como ele disse em várias ocasiões, quer mostrar que, somente juntos, poderemos
chegar à terra firme.
Será
um ano diferente para um papa que estava acostumado a seguir um programa muito
específico. Ele assume a responsabilidade de preparar a Igreja para uma mudança
de época. E isso ficou evidente tanto nos últimos textos que lançou quanto no
último consistório que convocou. Os seus gestos, daqui para frente, serão uma
resposta a essa missão que acabou sendo desenhada pela própria pandemia.
Francisco
se prepara para o fim e para o novo; coroa seu pontificado com o discurso da
esperança, mas não deixa de denunciar as mazelas da sociedade. Sabe que o tempo
urge e o próximo papa que virá terá muito trabalho.
Ele
pensa na Igreja e no mundo do pós-pandemia. Quer que o cristianismo resplandeça
como uma proposta que dá sentido à vida, não como uma religião dos perfeitos
onde o ritualismo estéril transforma as comunidades católicas em ‘guetos dos
perfeitos’. Se ao longo da história, quando a humanidade estava em ruínas,
a Igreja assume as vestes de um grande hospital de campo, como pontua o papa
Francisco, para ele é hora, então, de não negligenciar essa característica que
lhe é própria.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1489265/2020/12/para-onde-o-papa-vai-em-2021/
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