Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
do Padre Fernando Domingues,
Missionário Comboniano
‘Confesso
que a história da Torre de Babel (Gênesis 11) me deixava sempre com um certo
embaraço. Dava a impressão de que a humanidade queria ficar bem unida, queriam
usar todos uma só língua e construir uma torre – a famosa Torre de Babel – que
chegasse ao céu : uma só obra maravilhosa de que todos se sentiriam orgulhosos.
E
Deus, que intervém, derruba a torre, que fica em ruínas, e confunde as línguas
de maneira que as pessoas já não se entendiam e acabaram por se dispersar por
toda a face da Terra. Ficava-se com a impressão de que Deus desistia de
continuar a relacionar-se com toda a humanidade – os descendentes do velho Noé
– e começava ‘um programa novo’, só com Abraão e a sua família (Gênesis
12) para dar origem ao povo eleito de Israel.
Gostei
muito de encontrar uma perspectiva diferente em alguns estudiosos da Bíblia
nossos contemporâneos. Eles descobriram que a Torre de Babel e a Tradição de
Abraão afinal não são duas histórias diferentes, mas elementos distintos de uma
mesma história que o próprio Deus faz avançar com grande paciência.
A
gente de Babel, com a sua língua única e a torre altíssima, claramente
desagradavam a Deus. Mas não pela busca de unidade ou pela grande engenharia...
A ‘língua única’ de fato significava o que hoje chamamos ‘pensamento
único’, o querer que todos falem e pensem como nós, o querer homologar tudo
e todos à cultura e ao pensamento de quem tem mais poder e dinheiro, de quem
consegue ‘construir a torre mais alta’. Com o sinal da torre destruída,
Deus mostra que essa forma de ‘união’ imposta a todos pelos mais
poderosos, essa uniformidade, não Lhe agrada, é contra a maneira como Deus
gosta de ver a humanidade. Ele prefere uma grande variedade de línguas e
culturas e religiões que, pouco a pouco, se encontram e dialogam umas com as
outras, e se enriquecem mutuamente, sem que nenhuma pretenda dominar ou
eliminar todas as outras. Como gosta de dizer o Papa Francisco, a união que
Deus prefere é a ‘variedade reconciliada’.
É
por isso que logo a seguir ao sinal da Torre de Babel (Gênesis 11), Deus chama
Abraão e Sara (Gênesis 12) não para fazer deles um povo privilegiado, mas para
que essa família e seus descendentes sejam no mundo um sinal da bênção de Deus
para todas as famílias da Terra (Gênesis 12,3).
Se
há tanta variedade de povos e culturas e religiões no mundo, é porque ‘Deus
não gosta de fotocópias’, ele prefere que cada pessoa, cada cultura, cada
povo seja um dom sempre original e novo para todos os outros. A uniformidade
universal não tem lugar no plano de Deus para a família humana. E a verdadeira
grandeza, o futuro de cada um não será fruto do orgulho de querer ‘construir
mais alto do que todos os outros’. Abraão e Sara vão ser para todas as
famílias da Terra sinal de como Deus nos abençoa quando acolherem o seu futuro
– o filho Isaac – como um dom precioso que Deus lhes confia.
Conta-se
que, certo dia, um anjo olhou para o mundo e, preocupado, disse a Deus : «Criaste
gente tão diferente uns dos outros!» E o bom Deus também olhou e respondeu :
«Diferentes?
Eu só vejo os meus filhos e filhas!»
Deus
gosta da variedade, da união que vem das diferenças que se enriquecem. É por
isso que as Torres de Babel, velhas e novas, acabam sempre por cair.’
Fonte
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