sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Quatro rodas, um motor e uma escola

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Crianças ciganas aprendem a ler e escrever em uma sala de aula móvel da Rede Lassalista
Crianças ciganas aprendem a ler e escrever em 
uma sala de aula móvel da Rede Lassalista 

*Artigo de Jean Charles Putzolu,
jornalista

‘Frei Camille Véger foi o pioneiro destas salas de aulas diversas. Em 1979 leu uma carta enviada pelo então capelão nacional para os ciganos, padre André Barthélémy, aos Superior dos Padres Lassalistas na França, na qual pedia voluntários para ‘educar os jovens ciganos da periferia parisiense, mal preparados para enfrentar a rápida evolução do mundo de hoje’. Esta carta levou Frei Camille a se comprometer com os nômades, para ajudar ‘os jovens ciganos que ficam afastados, desprezados ou ignorados pelos outros jovens, mas também tentados por tudo o que a sociedade urbana pode lhes oferecer’. Frei Camille respondeu ao apelo e se ofereceu como voluntário para enfrentar um novo desafio pedagógico, em resposta à sua preocupação de dar prioridade aos jovens marginalizados excluídos do acesso ao conhecimento.

Era o mesmo objetivo do padre Barthélemy que sempre repetia que queria transformar estas crianças em ‘cidadãos’. O desafio era óbvio para Frei Camille : ‘Se estas crianças não podem ir à escola, então a escola deve ir a eles’. Portanto era preciso se organizar.

Um ano de preparação

Por um ano, Frei Camille se dedicou à preparação deste novo desafio. Aprendeu a língua Romani dos ciganos, fez cursos de cestaria, cerâmica e pintura. Todas estas atividades lhe pareciam úteis para se aproximar dos jovens nômades. Visitou várias regiões da França para conhecer as experiências pedagógicas realizadas nas escolas localizadas em lugares de acolhida comum. E deu-se conta que os professores estavam em sintonia com os pais e crianças, principalmente porque não eram as crianças que deviam ir à escola, mas a escola que se estabelecia em suas casas, sob uma atenta e interessada supervisão das famílias.

A primeira sala de aula móvel
 A primeira sala de aula móvel

A compra dos trailers

Para preparar a abertura de uma sala de aula móvel, a compra de um veículo é essencial como meio para permitir o deslocamento de um grupo a outro, quer se trate da periferia da cidade, de áreas industriais ou proximidade de aterros sanitários ou um cemitério e até mesmo no campo, fora das cidades.

O financiamento para o primeiro motorhome chegou da Província parisiense dos Padres que acolheu de modo positivo esta nova ideia pensada para a escolarização dos marginalizados. Era necessário encontrar um veículo grande para poder receber de seis a oito crianças em cada sessão durante o ano escolar. ‘O primeiro que utilizei’, explica Frei Camille ‘era um caminhãozinho usado, com poucos equipamentos, que pertencia a um casal de aposentados que os usava como motorhome. Para poder utilizá-lo logo, tirei tudo o que tinha dentro e coloquei algumas mesinhas dobráveis fixadas nas paredes graças à colaboração de um funileiro especializado. O mesmo que nos ajudou a equipar, mais tarde, os outros trailers, nos quais foram abertas janelas laterais ao lado da pequena porta para a entrada das crianças’.

As primeiras saídas

Todas as quartas-feiras Frei Camille se dedica ao ensinamento da leitura para os jovens ciganos nômades. Uma abordagem simples com um jogo feito com 10 cartas que possibilitou o aprendizado das consoantes e dos 10 sons de base da língua francesa. Desde as primeiras semanas o sucesso foi grande, filas de crianças de todas as idades querendo aprender a ler. Embora temessem a escola tradicional, aqui nas salas de aulas móveis vinham de boa vontade aprender a ler com rapidez e bem. Mesmo porque a sala de aula móvel tem semelhanças com o seu ambiente. As famílias nômades consideraram uma dádiva dos céus a chegada da sala de aula móvel, onde as crianças podiam aprender a ler e assim reconhecer os sinais de trânsito, o nome dos remédios ou qualquer outra coisa que pudesse ser útil na vida de todos os dias.

O início do ano escolar 1982

Esta experiência revelou-se um sucesso. Foi feito um pedido formal para a abertura de uma sala de aula móvel e em seguida receberam a autorização para uma experiência de 3 anos. A primeira de sala móvel ‘oficial’ nasceu em setembro de 1982.

O primeiro campo cigano a receber o caminhão escola era formado por mais de 150 trailers. Apresentou-se o Pastor Pentecostal que tinha autoridade sobre todo o grupo. A acolhida da escola móvel foi calorosa. Frei Camille recorda todos os detalhes deste primeiro contato : ‘As crianças saltavam de alegria gritando : Escola, escola! Vamos aprender a ler’. ‘Também criamos uma espécie de certificado de leitura’, recorda ainda o Frei. ‘Era um documento entregue a todas as crianças nômades que fizeram as primeiras fases da leitura. Eles tinham que cuidar muito bem deste documento, com muito carinho. Deve-se observar que esta mínima cota de educação geralmente satisfaz a grande maioria dos jovens ciganos para toda a vida. ‘Para nós este resultado representava muito pouco. Para eles, era muito’, diz Frei Camille.

Professora e alunos em uma das salas de aula móvel
Professora e alunos em uma das salas de aula móvel

Surpresa dos supervisors

Os supervisores escolares que regularmente controlam os professores nas escolas móveis geralmente desconhecem tais realidades e concedem notas inesperadas. ‘No meu caso’, recorda Frei Camille, ‘no final da minha aula ininterrupta de noventa minutos, a supervisora chamou-me para dizer o quanto estava agradecida por ter-lhe apresentado uma realidade escolar que ela absolutamente desconhecia e ficara surpresa pela fome de conhecimento mostrada pelos jovens ciganos’. Quando Frei Camille se aposentou em 2003, obteve uma pontuação de 19 sobre 20, que chamou a atenção do Ministério da Educação por este novo tipo de instrução para uma população até então ignorada.

No início de cada ano escolar, os novos veículos

Diante do sucesso da iniciativa, os Irmãos das Escolas Cristãs, organizaram-se para encontrar todos os anos novos financiamentos. Quase todas as comunidades lassalistas tinham participado nos primeiros oito anos. Como a fama da iniciativa tinha sido reconhecida pelas autoridades acadêmicas, as comunidades territoriais foram solicitadas e contribuíram economicamente. Desse modo os Lassalistas receberam vários subsídios. Em dez anos o número de salas de aula móveis aumentou até chegar a 35 escolas móveis nas principais cidades como Paris, Lille, Bordeaux, Perpignan, Lyon, Grenoble, Tolouse e Tours. A maior parte das salas de aulas móveis estão admistrativamente ligadas às escolas lassalistas. As outras trabalham em colaboração com a Federação das Associações para a educação das crianças e dos jovens ciganos em dificuldade. Na França, as salas de aula móveis escolarizam cerca de 3 mil crianças nômades.

Do trailer à escola

Nos últimos anos, o número de escolas móveis teve uma leve diminuição, mas isso não é necessariamente uma má notícia. No decorrer dos anos foram construídas pontes cada vez mais próximas entre as escolas e as filiais móveis. Em particular em Tolouse, onde as crianças compartilham a creche entre a escola móvel e a escola ‘verdadeira’. Um ônibus escolar dirigido pela professora, possibilita as crianças mais velhas de frequentar as escolas médias. Não é mais a escola que vai às crianças, mas o contrário. Uma inversão de tendência, como frutos sobre um arbusto frágil que os irmãos das Escolas Cristãs cultivaram com paciência e esperança.’


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